“Já cantei muito samba, eu já fui batuqueiro e, na roda de bamba, fui diretor de terreiro. Cantei sim...”.
É verdade. Nos meus 64 carnavais, não passa um dia em que pelo menos um belo samba não toque em minha cabeça. Que fazer? Sou assim. Desde sempre. Portanto, sou fora de moda. Graças a Deus. E ao meu bom gosto musical.
Quer um exemplo? Lá vai! Gosto demais de Cyro Monteiro, Roberto Ribeiro e Germano Mathias. Outro? Adoro Ari Barroso, Lamartine Babo, Nelson Cavaquinho, Noel Rosa e Dorival Caymmi. Mais um? Amo Cartola, Pixinguinha, Tom Jobim e Chico Buarque. Sem nunca me esquecer de louvar e agradecer aos mestres Ataulfo Alves, Adoniran Barbosa, Nelson Sargento, Candeia, Paulinho da Viola e os outros Paulos: Paulo da Portela, Paulo Vanzolini e Paulo César Pinheiro.
Como disse, sou assim. Felizmente.
Tinha eu 14 anos de idade quando... toquei um surdão pela primeira vez. Pode? Toquei e fui tocado por ele. Para sempre. Meu coração nunca mais bateu como antes. Ficou mais cadenciado, mais forte, mais humano.
Por falar nisso, parece absurdo mas, meu surdo, não é um, mas dois. Um é novo, com caixa de madeira, pele de nylon. O fino. O outro tem pele de couro legítimo, e é um veterano da maravilhosa bateria da Banda da Divisa. A Filarmônica do Carnaval Santista. Mas quem se lembra?
Por tudo isso e, nos tempos que correm, um cara tão anacrônico como eu estaria condenado a não mais poder sair de casa sem ser – literalmente – atropelado pelo mau gosto musical vigente.
Ou seja, por esse lixo que a maioria das gravadoras nos impõe e insiste em chamar de sucesso. Quase tudo nota de 300, mais falso, impossível.
Note bem que eu disse “estaria” mas, graças a um amigo querido, não estou.
A história é simples. Encontro com o Bola 7 (Émerson de Paula é o nome da fera) e, lá pelas tantas, ele me pergunta, na lata:
"Carlão, já foste ao Ouro Verde?"
Eu disse que não, que não conhecia e coisa e tal. E ele, rápido:
"Tu precisa ir. É samba de gente grande, de responsa, melhor que dinheiro achado!"
Pois bem, eu fui. E fui de novo. E continuo indo. E sinceramente não consigo pensar em lugar melhor e mais gostoso para se estar num sábado à noite. Acredite.
Para começar, o Ouro Verde (Futebol Clube) fica no bairro do Marapé, o que, além de emblemático, já é meio caminho andado. Para você não se perder no resto do caminho, aqui vai a dica certa: Rua 9 de Julho, a duas quadras da Av. Pinheiro Machado. Que lugar!
Você chega e lá está ele, modesto e ao mesmo tempo orgulhoso de sua autenticidade, como os lindos chalés do bairro. Entre e fique à vontade. Mas não abuse nem folgue porque a casa tem seus estatutos e exige respeito.
Beijo na boca, por exemplo, nem pensar. Idem para dançar junto ou tirar a camisa. Briga, então, é terminantemente proibido, pois é a única coisa capaz de acabar com o samba. Estamos entendidos?
Fora isso, relaxe e aproveite porque o Ouro Verde é uma delícia.
Tem cervejas bem geladas (Brahma, é claro!) e as mais diversas qualidades de bebidas “quentes”. Tem amendoim salgadinho com casca e do japonês, e pastéis e empadinhas de comer rezando. Tem gente boa de todos os tipos. Mas, sobretudo, tem uma roda de samba divina.
“Chamados” pelo talento de Zinho do Cavaco (nada menos do que filho do lendário Seu Lili, do 7 cordas), os músicos formam um círculo perfeito, onde o melhor da nossa música – de ontem e de hoje – sempre encontra sua vez e sua hora.
Trata-se de uma verdadeira távola redonda, composta por elegantes cavaleiros que, com muita paixão e garra, todos os sábados defendem o nosso direito de ouvir o melhor do samba.
E seus nomes bem mereceriam estar numa placa de bronze, por relevantes serviços prestados à cultura santista.
Como diria o poeta Candeia, axé Piu do Marapé, René Ruas, Matheus, Delson, Edu, Robertinho, Romildo, Carioca, Flavio, Reinaldo, Durval, Tinoco, Zico, Fábio, Russo e muitos outros que formam a nata do Ouro Verde.
Uma galeria de tipos humanos que têm a nossa eterna gratidão. Portanto, caro leitor (ou leitora), não se esqueça deste nome: Ouro Verde.
O lugar onde o samba resiste bravamente às marés de modismos que vão e vêm pelas águas turvas da nossa MPB.
Ouro Verde. Tão precioso e necessário quanto um verso de Noel.
Carlão Bittencourt – 18.05.2016
Carlão Bittencourt é redator publicitário e cronista,
autor de "Pela Sete - Breves Histórias do Pano Verde"
(2003, Editora Codex),
um mergulho no universo dos salões de bilhar de São Paulo
e escreve toda semana em LEVA UM CASAQUINHO.
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