POR CARLOS CIRNE
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A vida reserva a algumas pessoas uma carga extra de realizações e decepções, não necessariamente nesta ordem. Participar, mesmo que não ativamente, de uma guerra, ajudar a minimizar seus efeitos, e não poder dar ao conhecimento de ninguém estes fatos, parece ser um fardo um pouco pesado demais. Isto sem falar de uma conturbada vida pessoal.
Tudo isso e mais um pouco pode ser visto no novo filme de Morten Tyldum (diretor norueguês do instigante “Headhunters”, de 2011), “O Jogo da Imitação”, que traz como protagonista o impecável Benedict Cumberbatch, na pele do matemático inglês Alan Turing. Turing, fenômeno das ciências exatas, não era um ser social por excelência. Com certa carga de arrogância, característica de todo gênio, Turing parecia meio desprovido de qualquer filtro quando o assunto era “relações humanas”. Desconhecendo o significado de palavras como “ironia”, “sarcasmo” ou “humor”, não pensava duas vezes antes de dizer exatamente o que lhe vinha à cabeça, em qualquer situação. Isto o tornava praticamente “inconvivível”, insuportavelmente franco.
Ele é então selecionado pelo governo britânico para desenvolver uma maneira de neutralizar a máquina de criptografia de mensagens utilizada pelos alemães na II Guerra Mundial, a “Enigma”. Seleciona uma equipe de matemáticos, linguistas e técnicos, por meio de um jogo de palavras cruzadas que deveriam ser resolvidos em até 6 minutos (mesmo que ele soubesse que eram necessários 8 minutos para a resolução do passatempo). A única pessoa a conseguir resolver as cruzadas em menos de 6 minutos viria a ser a única mulher do grupo de Turing, Joan Clarke (Keira Knightley).
Todas as tentativas de Turing acabam levando à criação de “Christopher” (estranho, porém pertinente nome para uma máquina, como percebemos no desenrolar do filme), o que seria mais ou menos, o bisavô do que hoje chamamos de “computador”. (SPOILER) Só que a grande criação cobra o seu preço: apesar dela decifrar realmente as mensagens alemãs, elas não devem ser todas decifradas, sob pena dos alemães perceberem que seu segredo caiu, e elaborarem outro sistema de criptografia. Ou seja, a partir deste ponto, passam a ser escolhidas as intervenções a serem feitas nos ataques que os países do Eixo iriam aplicar. Tentava-se minimizar as perdas.
E, finalizada a guerra, todo o esforço no desenvolvimento desta máquina teve que ser literalmente apagado da história, como segredo de guerra, não sendo dado a conhecer do público senão há pouco tempo atrás (24 de dezembro de 2013), quando Turing foi finalmente perdoado pela Rainha Elizabeth II. Perdoado pelo quê? Por ajudar a ganhar a guerra? Não, por ser homossexual !!!
Acontece que, no Reino Unido, até 1967, a homossexualidade era crime, com direito a cadeia e praticamente nenhuma apelação. O que aconteceu com Turing, segundo o registro da história, foi uma violenta perseguição que terminou num processo criminal em 1952, onde condenado Turing aceitou tratamento à base de hormônios femininos e castração química, visando acabar com seu “desejo impuro”, ao invés do aprisionamento. Suicidou-se dois anos depois, incapaz de trabalhar ou sequer pensar direito.
Mais um daqueles vergonhosos episódios da história das liberdades civis pelo mundo afora. Felizmente resgatado, e felizmente tão bem apresentado nesta pequena obra-prima do cinema. Não é à toa que Benedict Cumberbatch está com sua carreira em ascensão, e uma merecida indicação ao Oscar 2015, mesmo tendo poucas chances frente ao “tsunami” Eddie Redmayne, protagonista de “A Teoria de Tudo”, que vem recolhendo todos os prêmios em seu caminho.
O JOGO DA IMITAÇÃO
(The Imitation Game - 2014 - Reino Unido / EUA - 114’)
Direção: Morten Tyldum
Com: Benedict Cumberbatch, Keira Knightley, Matthew Goode, Allen Leech, Charles Dance, Alex Lawther e Jack Bannon, entre outros
Distribuição: Diamond Filmes
Em cartaz no CineSpaço Miramar, no Roxy Iporanga 4 e no Cinemark Chaparral Shopping
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