Você iria ao
cinema assistir por pouco mais de duas horas a biografia de Michel Temer, mesmo
que não fosse algo chapa branca?
Tentando
contextualizar para a realidade brasileira, é mais ou menos isso que o diretor
Adam McKay se propõe a fazer com a biografia de Dick Cheney, o vice-presidente
dos EUA nos anos George W. Bush.
Assim como
Temer, Cheney é um político de carreira, sempre trabalhou nos bastidores, nunca
teve um grande eleitorado, conhecia os meandros da política como ninguém, mas,
ao contrário de Temer, não tinha um impeachment como fato relevante que pudesse
sustentar o filme.
Colocar isso num
filme que fosse razoavelmente interessante já seria uma tarefa difícil, mas não
para McKay, que anteriormente já havia conseguido transformar a crise dos
sub-primes, que desencadeou a crise financeira de 2008, num thriller
interessantíssimo, no ótimo A Grande Aposta, de 2015.
O diretor e
roteirista recorre às mesmas ferramentas inusitadas do filme anterior, quando
usou Margot Robbie numa banheira de espuma e Anthony Bourdain, entre outros,
para explicar detalhes do mercado financeiro, que poderia deixar o filme
monótono.
Aqui, novamente,
ele usa esses mecanismos inusitados para reviver toda a trajetória de Cheney, vivido
brilhantemente por Christian Bale, desde o aluno beberrão da faculdade até o
dia a dia como o vice-presidente mais poderoso da história dos EUA.
Entre as
ferramentas, filme utiliza um narrador surpreendente, que só é revelado no
final, quebra com frequência a quarta parede e mantém num humor debochado,
quase anárquico que se contrapõe ao ambiente sisudo da política.
Quase tudo que
já havia sido utilizado em A Grande Aposta, o que perde um pouco em
originalidade, mas não compromete o filme, entregando, ainda assim, algo bastante
original.
A guinada de
beberrão para político influente se dá através da esposa, Lynne Cheney, Amy
Adams em mais uma atuação magistral – já passou da hora de dar um Oscar pra
essa mulher –, que possuía muito mais virtudes políticas que o marido mas,
sabia das limitações de uma mulher no mundo da política de 40 anos atrás, se
contentando em ser a articuladora da carreira do marido.
Dick tem como mentor
o ex-secretário de defesa dos EUA, Donald Rumsfeld, vivido por Steve Carell
também ótimo, e vai ascendendo na carreira com o seu auxilio e orientação,
mesmo que em algum momento seja necessário sacrificar a própria família, algo
relativamente comum entre políticos.
Na parceria com
George W. Bush se dá o ápice da carreira, que parecia já ter atingido o ápice –
nunca um vice-presidente americano teve tanto poder e isso fica muito claro no
filme, juntamente com as manobras para favorecer amigos, algo tão comum por
aqui também.
O filme tem uma
um roteiro muito bem costurado, uma montagem dinâmica, que faz com que o filme
nunca canse, uma direção segura e um elenco afinadíssimo – se houvesse Oscar
para cast seria uma babada –, Sam RockWell como George W. Buch está
divertidíssimo e até o careteiro Tyler Perry está muito bem como o general
Colin Powell.
Em época de
queda de audiência, seria uma boa aposta para o Oscar de melhor filme, se o
Oscar realmente quisesse dar uma guinada na previsibilidade da premiação, trazendo
algum frescor ao prêmio. Mas, acredito que, mais uma vez, vencedor vai ser um
daqueles filmes “com cara de Oscar”, que tanto tem contribuído para a
previsibilidade e o desinteresse ao prêmio, especialmente entre as novas
gerações.
Qualquer um com
um mínimo de interesse em política provavelmente vai se divertir bastante no
filme. Recomendadíssimo, já está entre os melhores do ano que mal começou.
VICE
(Vice
2018)
Diretor
Adam
McKay
Escritor
Adam
McKay
Elenco
Christian
Bale
Amy
Adams
Steve
Carell
Sam
Rockwell
Jesse
Plemons
Duração
2h
12m
Fábio Campos convive com filmes e música
desde que nasceu, 52 anos atrás.
Seus textos sobre cinema passam ao largo
do vício da objetividade que norteia
a imensa maioria dos resenhistas.
Fábio é colaborador contumaz
de LEVA UM CASAQUINHO.
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