por Rogério Montanare
para Vitamina Nerd
Vivemos tempos sombrios. Tempos em que ideais conservadores ganham fôlego na política mundial e o velho machismo fica evidente em incidentes que pontuam tanto o noticiário policial quanto o meio cultural, como nos mostrou o lamentável episódio de ódio que a internet concebeu e testemunhou, com a recepção ultra negativa do reboot de “Caça Fantasmas“, antes mesmo do filme estrear nos cinemas, tendo como principal motivo o protagonismo feminino do quarteto exterminador de espectros. Mas será que isso tudo é uma novidade ou é a apenas a resposta apavorada de uma parcela da população a um novo comportamento que motiva um empoderamento feminino e a equiparação de direitos entre gêneros?
Se você pensar bem, a violência contra a mulher não é uma novidade, já que quase todos nós presenciamos ou ouvimos falar de histórias em que a mulher sempre apanhou calada, vivendo uma vida de terror sem ter a quem recorrer, sem apoio ou visibilidade em mídia alguma.
O filme “Vidas Partidas” nasceu de um projeto pessoal da atriz e produtora Naura Schneider, que visa um aumento nas denúncias contra abusadores e a criar um grande debate nacional sobre o assunto. Não que o longa seja panfletário, longe disso, mas o modo como o assunto é retratado no filme, torna impossível que se saia de uma sessão, sem ao menos expandir a discussão sobre como são tratados os casos de abuso doméstico no Brasil.
Nos anos 80, o casal Graça (a própria Naura Schneider) e Raul (Domingos Montagner) têm duas filhas e uma relação marcada pela crescente postura autoritária e controladora do marido, culminando em um crime que pode ser passional ou não, já que em paralelo com a história do casal, vemos o julgamento de Raul em 1992.
O sexo é muito importante no filme, como uma ferramenta que mostra como os personagens agem e pensam. Logo na primeira cena, temos o marido demonstrando seu poder de dominação psicológica e física sobre a esposa, que naquele momento ainda se sentia atraída pela rudeza com que ele a tratava no ato sexual. Algo que não se repete quando o mesmo Raul tem uma transa cheia de carícias com uma de suas alunas.
O estreante diretor Marcos Schechtman e o roteirista José de Carvalho sabem como criar um clima de crescente mistério, com cenas muito bem filmadas e diversas referências visuais que remetem diretamente a “O Iluminado” de Stanley Kubrick, mas também cometem alguns erros, como a inabilidade de mostrar Raul como um homem sedutor e confiável. Talvez com o corte de umas poucas situações sem muita importância na trama, como a do policial corrupto, e a criação de mais cenas que humanizassem o personagem, como a do banho no cachorro, o filme poderia ter ganho muito mais força e tornaria a história um pouco menos maniqueísta.
Apesar de alguns deslizes, temos que exaltar um filme que trata de um assunto tão importante, afinal moramos em um país onde, segundo a Organização Mundial da Saúde, a cada duas horas, uma mulher é assassinada e destes, 33% dos homicidas eram parceiros ou ex-parceiros das vítimas.
por Conrado Heoli
para PAPO DE CINEMA
A violência doméstica no Brasil ainda é constante e assombra pelas estatísticas, que indicam mais de um milhão de mulheres como vítimas a cada ano no país. Em 2006, após a sanção da Lei Maria da Penha, que estabelece tal violência como crime, as denúncias desse tipo de abuso se tornaram cada vez mais recorrentes, mas os casos continuam diariamente. O longa-metragem nacional Vidas Partidas se vale de uma entre tantas dessas histórias como premissa, e, ainda que tenha extrema importância como denúncia e alerta, se perde entre o tom folhetinesco e o formato institucional.
A produção carioca acompanha a relação simbiótica de Graça e Raul, que ao longo dos anos se desenvolve entre adoração absoluta, ciúme e perseguição compulsivos, e, por fim, a violência como punição injustificada. Graça passa a se destacar profissionalmente e, a cada sucesso, amarga uma derrota em seu casamento. Raul, que se demonstrava imensamente passional, reflete suas frustrações pessoais na repressão com que trata sua esposa e filhas, e então passa a se valer cada vez mais de agressões psicológicas e físicas.
Dirigido por Marcos Schechtman, egresso da televisão e da direção de novelas globais, Vidas Partidas começa como um romance tórrido, se transforma em melodrama folhetinesco e termina como um drama de tribunal. O diretor tem talento para conduzir sequências a partir de ângulos incomuns, incluindo as de contexto erótico, que são bonitas e bem construídas – mérito que ele divide com os fotógrafos Elton Menezes e Rafael Rahal. Ainda assim, falta tato para a direção de atores, que se perdem vez ou outra em nuances muito distintas; num mesmo diálogo, por exemplo, temos a sutileza dramática de Domingos Montagner como Raul em contraponto aos excessos da composição de Naura Schneider para Graça.
No roteiro de José Carvalho, as elipses que denotam a passagem do tempo e a atmosfera de sua trama são bem amarradas, mas seus personagens maniqueístas e as situações enfrentadas pelos mesmos são pouco verossímeis. Raul carrega todos os estigmas do crápula novelístico: bonito e sedutor, ainda que frio e com um passado sombrio, ele agride a mulher repetidamente por ciúmes, mas a trai com uma de suas alunas. Alguma dualidade faria bem ao seu personagem, assim como para Graça, que ao longo da trama sofre todo o tipo de provação – até uma que a deixa paraplégica, imagine só – para se desvencilhar de um relacionamento abusivo. Os espanhóis já foram mais assertivos em variações sobre o mesmo tema, como Pedro Almodóvar em Que Fiz Eu Para Merecer Isto? (1984) e Volver (2006) e Icíar Bollaín em Pelos Meus Olhos (2003).
Na busca por um retrato fidedigno de uma realidade infelizmente tão comum em nossa sociedade, Vidas Partidas aos poucos se torna uma caricatura de si mesmo, próximo do que seria o comercial para uma campanha contra violência doméstica – aqui desenvolvida numa longa e exaustiva duração.
para PAPO DE CINEMA
A violência doméstica no Brasil ainda é constante e assombra pelas estatísticas, que indicam mais de um milhão de mulheres como vítimas a cada ano no país. Em 2006, após a sanção da Lei Maria da Penha, que estabelece tal violência como crime, as denúncias desse tipo de abuso se tornaram cada vez mais recorrentes, mas os casos continuam diariamente. O longa-metragem nacional Vidas Partidas se vale de uma entre tantas dessas histórias como premissa, e, ainda que tenha extrema importância como denúncia e alerta, se perde entre o tom folhetinesco e o formato institucional.
A produção carioca acompanha a relação simbiótica de Graça e Raul, que ao longo dos anos se desenvolve entre adoração absoluta, ciúme e perseguição compulsivos, e, por fim, a violência como punição injustificada. Graça passa a se destacar profissionalmente e, a cada sucesso, amarga uma derrota em seu casamento. Raul, que se demonstrava imensamente passional, reflete suas frustrações pessoais na repressão com que trata sua esposa e filhas, e então passa a se valer cada vez mais de agressões psicológicas e físicas.
Dirigido por Marcos Schechtman, egresso da televisão e da direção de novelas globais, Vidas Partidas começa como um romance tórrido, se transforma em melodrama folhetinesco e termina como um drama de tribunal. O diretor tem talento para conduzir sequências a partir de ângulos incomuns, incluindo as de contexto erótico, que são bonitas e bem construídas – mérito que ele divide com os fotógrafos Elton Menezes e Rafael Rahal. Ainda assim, falta tato para a direção de atores, que se perdem vez ou outra em nuances muito distintas; num mesmo diálogo, por exemplo, temos a sutileza dramática de Domingos Montagner como Raul em contraponto aos excessos da composição de Naura Schneider para Graça.
No roteiro de José Carvalho, as elipses que denotam a passagem do tempo e a atmosfera de sua trama são bem amarradas, mas seus personagens maniqueístas e as situações enfrentadas pelos mesmos são pouco verossímeis. Raul carrega todos os estigmas do crápula novelístico: bonito e sedutor, ainda que frio e com um passado sombrio, ele agride a mulher repetidamente por ciúmes, mas a trai com uma de suas alunas. Alguma dualidade faria bem ao seu personagem, assim como para Graça, que ao longo da trama sofre todo o tipo de provação – até uma que a deixa paraplégica, imagine só – para se desvencilhar de um relacionamento abusivo. Os espanhóis já foram mais assertivos em variações sobre o mesmo tema, como Pedro Almodóvar em Que Fiz Eu Para Merecer Isto? (1984) e Volver (2006) e Icíar Bollaín em Pelos Meus Olhos (2003).
Na busca por um retrato fidedigno de uma realidade infelizmente tão comum em nossa sociedade, Vidas Partidas aos poucos se torna uma caricatura de si mesmo, próximo do que seria o comercial para uma campanha contra violência doméstica – aqui desenvolvida numa longa e exaustiva duração.
VIDAS PARTIDAS
(2016, 90 minutos)
Direção
Marcos Schechtman
Roteiro
José de Carvalho
Elenco
Naura Schneider
Domingos Montagner
Georgina Castro
em cartaz no Cinespaço Miramar Shopping
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