Os jornais da semana passada já devem ter ido para o lixo depois de devidamente usados pelos poodles domésticos, daí que ninguém mais deve se lembrar da crônica publicada. Se em geral as pessoas não se recordam do que comeram, como é que vão se lembrar de uma reles crônica de jornal? Ainda mais de um varejismo de miudezas como se dá aqui todas as quintas-feiras... A memória da semana passada já foi toda abduzida pelo tempo, não resta dúvida...
Era disso que eu falava, de abduções, ou seja, sequestros de pessoas por discos voadores, daquela geração pós ditadura que estudou lá no Colégio Gastão Vidigal e que ia para a Sputnika Catedral observar deuses pagãos alienígenas que pudessem vir do espaço sideral. Havia o Tommy, um muito simpático japonezinho, em verdade um nissei, já falecido. O prazer dele era fazer circular A Ilha, do Fernando de Morais, para iniciar noviços nas falácias das utopias que se transformam em distopias. Mas essa compreensão crítica de que um sonho fantasiado se transforma em pesadelo ninguém tinha ainda, pois todos acreditavam em revolução e admiravam o foquismo que ganhou o poder em Cuba e forjou a patusca guerrilha tropical.
Mas um dos que eu mais gostava era o Jack, que me deu pra ler um livro sobre os Incas Venusianos, continuando em mim uma fantasia implantada por meu avô, que me dizia na infância que havia visto os discos voando na lavoura... Se fosse hoje eu perguntaria que raio de fumo de corda que ele tava fumando... Ao Jack nem me ocorreu perguntar, pois havia boatos de que ele tomava umas boletas pra segurar o trauma da tortura sofrida por familiares.
Em se tratando de estranhos, na verdade nem precisava ficar olhando para o céu pra ver marcianos, pois à nossa volta já se estava bem servido de extraterrestres... Outro que impressionava era o Gevaerd, que abandonou a química que fez na UEM para fazer carreira e negócio com discos voadores e se mudou para o Mato Grosso. Lá fundou o Centro de Pesquisas de Discos Voadores, autoproclamada como “a maior entidade do gênero no mundo”. Ele publica uma revista, a UFO, “a mais antiga em circulação em todo o mundo”, diz ele nessa publicação, cujas últimas edições prometem responder questões fundamentais como “O que fazer quando eles chegarem?”, “Eles controlam a gravidade”, “O que eles querem de nós?”, “Intervenções de ETs em nosso passado” ou “Dentro da nave”... Ou seja, devem ser questões muito importantes que precisamos mesmo saber, ainda que duvido que alguém memorize esse troço, pois nem aquelas regras de segurança que as aeromoças agitam os braços para chamar a atenção dos passageiros ficam na memória...
Essa sobre o que acontece dentro da nave eu morro de curiosidade de saber... Você deve achar que estou de gozação, não é? Pois o que me diz de uma revista do Gevaerd cuja capa anuncia O Fusca Voador, com um Fusca voando como disco? Não sei se dá pra dizer que ele é louco, pois ganha dinheiro com isso. Basta ir lá no site dele e ver que há até uma entrada com o nome “shopping UFO”, com muitas ofertas de revistas e DVDs à venda. Não achei um disco voador sendo oferecido pra comprar, e parei logo de pesquisar, com medo de encontrar um Fusca à venda lá... Poderia me empolgar e gastar a poupança economizada pra viajar, não pra Marte, pois pra Maringá já tá bom...
Ademir Demarchi é santista de Maringá, no Paraná,
onde nasceu em 7 de Abril de 1960.
Além de poeta, cronista e tradutor,
é editor da prestigiada revista BABEL.
Possui diversos livros publicados.
Seus poemas estão reunidos em "Pirão de Sereia"
e suas crônicas em "Siri Na Lata",
ambos publicados pela Realejo Edições.
Suas crônicas, que saem semanalmente
no Diário do Norte do Paraná, de Maringá,
passam a ser publicadas todas as quintas
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