Thursday, April 11, 2019

A LIBERDADE É AZUL, A IGUALDADE É BRANCA E A QUALIDADE É SECUNDÁRIA (por Marcelo Rayel Correggiari)


Qualidade. Qualidade é um ente objetivo?!
Diz a técnica que ‘sim’. Seria. Há grandes dúvidas? Sim. Como quase tudo ao redor do planeta é subjetivo, ...
Vejam o caso das Letras: típica área onde, bastando alfabetização e algum lustro de certa erudição, o(a) candidato(a) se habilita a dar pitaco.
Assim como no cinema, basta ser um(a) ‘entusiasta do negócio’: professor de língua pátria, língua estrangeira, linguísta, revisor, tradutor... todo mundo pode ser. Basta saber ler.
Basta saber ler?!
Na cara que não! Nos troncos básicos de um bom curso de Letras, a saber, a Linguística e a Literatura, há bastante técnica por trás. Logo, o bom texto, a boa análise estética, o bom encaminhamento de um romance literário, a aplicação de regras consagradas na elaboração de uma didática no ensino de idiomas, a linguística aplicada no trabalho de tradução, tudo isso possui ordenamentos e técnicas tão elaboradas quanto à Engenharia, à ciência médica e jurídica.
Como dizia A Feiticeira, em remoto comercial de televisão, “(...) não é feitiçaria... é tecnologia! (...)”.
#sqn
Para boa parte da população brasileira (que, segundo a deputada federal Tábata Amaral (PDT/SP), é avessa às ‘humanidades’, num show costumeiramente grotesco de desprezo) é ‘hashtag só que não’! O(A) ‘entusiasta’ do jornalismo entra na seara das Letras, o(a) ‘entusiasta’ do cinema entra na seara das Letras, o(a) ‘entusiasta’ da medicina entra na seara das Letras, o(a) ‘entusiasta’ do direito entra na seara das Letras, o(a) ‘entusiasta’ da administração entra na seara das Letras...
... tudo isso sem ter sentado um diazinho sequer numa carteira do referido curso.
Super fácil, caros(as) fregueses(as)! Invertam! Um profissional de Letras fará uma cirurgia cardíaca na pessoa que você mais ama. Um profissional de Letras fará a defesa de uma contenda jurídica que lhe ameaça o patrimônio. Um profissional de Letras acabou de construir um edifício de 40 andares.
Viu como, nas Letras, basta ser alfabetizado?! Não existe ‘exame-de-ordem’, por exemplo. Não existe uma OLB, ou algo semelhante, daquelas que possibilita o(a) sujeito(a) ter uma ‘carteira funcional’ para a prática da escrita de romance literário, ou poesia. Um médico, por exemplo, pode dar aula de linguística... sem problemas! Ninguém ‘pegará no pé’ ou entrará em pânico se o(a) seu/sua filho(a) tem aulas de português com um advogado... sem problemas! Mesmo que o honroso membro da OAB não saiba sequer o que é uma oração subordinada substantiva predicativa do objeto.
“Não precisa!”, quase todo mundo diz.
“Ah! É português... é linguística! É só dar uma aula legal que ‘tá’ tudo certo!”, é o que pensam mais de 70% da população, ...
... incluindo intelectuais e artistas!
Vejam onde fomos parar!
Vai um(a) ‘profissa’ egresso das Letras tirar um CRO, um CREA, um CRM, uma OAB, com o seu bacharelado de Letras e verifiquem se ela(a) não vira piada & ‘meme’ no minuto seguinte?!
O contrário, pode! ‘Tá’ liberado! Já pensaram, exame de ordem, carteira funcional, “ah... quer ser romancista?! Tem a ‘carteirinha’, passou no ‘exame da ordem’?! Poooxa...! Que pena! Não pode escrever romance, esquece poesia, meu anjo! Tem de ter ‘exame da ordem’!”.
As Letras possuem seus ritos, seus regramentos, suas bases de análise, mas a quantidade de ‘entusiastas’ no meio-campo é tão grande que esse papo de ‘reserva de mercado’ soa como se alguém chegasse numa roda de amigos dizendo que nem lua, nem sol giram em torno de alguma porra pendurada no espaço, por aí.
Sabe... papo de maluco?!
Pobre Letras! Pobre Literatura!
A quantidade de orelhudos(as) nessa área chega a ser monumental! Como diz meu amigo Joel ‘Neguinho’: “É a área que mais emprega curioso(a)!”.
Letras é a única área que seu/sua egresso(a) está desautorizado(a) até mesmo de andar na rua e/ou tomar um pingado na padoca mais próxima de sua residência.
Egresso(a) de Letras é desautorizado(a) até de respirar!
Isso produz umas aberrações de doer na alma. Como parte das Letras, a escrita, tem a ver com ‘liberdade de expressão’, não seria oportuno um exame de ordem sob risco de condicionar uma manifestação por escrito a certa burocracia. Isso, certamente, seria visto como um atentado contra a ‘liberdade de expressão’.
Todo mundo 1X0 Letras.
Há também a interferência sobre eventos culturais, literários, economia criativa & os escambau. “O quê?!? Moacir Scliar não pode participar da mesa?!? Onde já se viu!!!”. Em alguns eventos, não todos, o “critério de seleção” mais ou menos recai na condição de “amiguxo(a)” do(a) curador(a) do encontro em questão. Nem fodendo uma mesa de debates sobre Literatura & Letras conter profissionais de Letras “puro-sangue”! Na de administração, administradores. Na de medicina, médicos. Na de Literatura & Letras, até o encanador ‘tá’ bem na fita!
Quem for ‘entusiasmado’ de livro e literatura, a porta ‘tá’ encancarada.
Todo mundo 2X0 Letras.
Mais cinco minutos de leitura e o ‘7X1’ se avizinha.
É uma realidade da vida: vida, essa energia destinada a quem tem muita cara-de-pau e/ou muito dinheiro no bolso. Sob a justificativa de “... lutei muito para estar aqui!”, as piores barbaridades ganham curso... e vulto!
Sabemos, e bem, que em todas as áreas da vida, não são o talento, a competência e muito menos a qualidade que levam alguém a algum lugar. Não, não... não! O que leva alguém a algum lugar é o que chamamos de RP, as Relações Públicas, uma espécie de ‘violinada’ aqui & acolá que ‘dá uma mãozinha’ no caso do trabalho em si possuir alguma graça e/ou reconhecida qualidade.
O ‘pobrema’ é que, se a qualidade fica em segundo plano, tem uma penca de trambolho bem ‘meia-boca’ que garante espaço onde profissionais (como os(as) de Letras) foram excluídos na maior.
Ou seja: se o seu texto possui lá alguma qualidade, tente a ‘violinada’ da RP e esqueça de fazer uma obra bacana, legal: você, de fato, só será visto(a) nos casos de ‘amiguxisse’ com o(a) curador(a).
Então, não é Literatura! É lobby! Não é conteúdo! É marketing! Não é Arte! É ‘social club’!
Qual a merda disso tudo?! Quem, porventura, está começando ou tem algo novo para mostrar ao público, tem de ‘pagar pedágio’: certamente não será lembrado(a) quanto à possibilidade de comunicação da novidade se “... não pagar o preço”. “Descamisado(a), você, meu anjo?! Fooooda-se!!! Nem te conheço!”. “Praticaste a ‘violinada’ que eu gosto?! Não?!? Fooooda-se!!! Vai ‘pra’ lá...”.
Certamente, aquela generosidade dos anos 1950 aos 1970 sumiu de vez. Nem perca seu tempo! ‘Violinada’ primeiro, depois “... vou pensar no seu caso”, com boa chance de tudo ficar como sempre vem sendo. Se você tem coisa legal para pôr na praça, “... xiiiiiiiii !!!”: vais chupar o dedo.
Esse merceeiro não sabe quanto mais de vida tem pela frente. Assim, se a eventualidade de conselhos aos mais jovens me for favorável, aqui vão alguns deles:
a. Trepem muito! Não percam seu tempo para mesas & eventos literários que, repetindo o dizer do querido amigo Joel ‘Neguinho’: “É a área que mais emprega curioso”. A não ser que vocês sejam desprovidos(as) de quaisquer preconceitos contra ‘entusiastas’. Aí... tudo bem. Caso contrário, não percam seus preciosíssimos tempos para deixarem de dar uma bela de uma foda;
b.   No caso de enveredarem para a Literatura, relaxem! O texto pode ser uma belíssima de uma merda. Nem esquentem a cabeça em tentar diminuir, ou melhorar, essa merda que vocês escreveram. O importante são duas coisas: honrar bem uma excelente equipe de marketing, e ter dinheiro a rodo para ‘pagar os pedágios’. Um formidável time de relações públicas, devidamente azeitado, é o bastante para se conseguir o Nobel de Literatura (ou afins) mesmo em detrimento daquela bosta que coincidentemente recebeu o nome de ‘texto’.
Caros jovens: o mundo sempre será dos(as) espertalhões(onas)! Não é qualidade do que se faz, mas como você ‘se mostra’ interessante no mercado de compras & vendas.
Ah! Foda-se a Literatura! Não tem a menor importância, esse troço...
E, por favor, em caso de dúvida, ocupem seus valiosos tempos com uma bela de uma trepada.


Marcelo Rayel Correggiari
nasceu em Santos há 47 anos
e vive na mítica Vila Belmiro.
Formado em Letras,
leciona Inglês para sobreviver,
mas vive mesmo é de escrever e traduzir.
É autor de Areias Lunares
(à venda na Disqueria,
Av. Conselheiro Nébias
quase esquina com o Oceano Atlântico)
e escreve semanalmente em
LEVA UM CASAQUINHO

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