Dinho
e Ugo tinham um salão de cabelelêro do lado de meu primeiro consultório. Me
estabeleci como consultor literário aqui na cidade muito antes dessa onda de
orquichopes e oficinas mecânicas. Malgrado vizinhos, eu não os via todos os
dias, pra ser sincero qualquer preconceito me fazia evitar aquele café tão
gentil e concupiscentemente oferecido pelas manhãs. Mas a higiene, aplicada à
atividade biológica, me fazia ir ao temerário tabernáculo de Sodoma uma vez por
mês. Assim, eu via Dinho e me punha a escutar Ugo todo dia dez, de sorte a que
eles me aparassem as melenas. Convinha-me cortar o cabelo à moda de Cortázar.
Enquanto suas mãos de tesoura me arrepiavam o couro cabeludo eu, num mutismo
conveniente, ouvia as conversas da dupla.
"E
ae, migo? Muito peru no Natal?"
"Aff,
nem te conto."
"Fiquei
sabendo que Júlio Bernardo esteve na tua ceia." - Ugo fazia cara de
maroto.
"Ai
ai. Olha, impressionante como ele é criativo." - Dinho, olhar perdido num
horizonte de possibilidades.
Foi
esta a última vez em que fui no salão, hoje fechado. Ugo caiu doente logo
depois e morreu em seis meses. Dinho, a quem não mais vi, dizem que foi pra
Espanha fazer teatro, ou trottoir, algo assim travalínguas.
Todas
essas coisas ocorreram faz mais de vinte anos. Esses dias, inopinadamente, tive
notícias de Júlio Bernardo. Está dando curso direto. De escrita criativa.
Germano Quaresma, ou Manuel Herzog,
nasceu em Santos, São Paulo, em 1964.
Criado na cidade de Cubatão,
trabalhou na indústria química
e formou-se em Direito.
Estreou na literatura em 1987
com os poemas de "Brincadeira Surrealista".
É autor dos romances
"A Jaca do Cemitério É Mais Doce" (2017),
"Dec(ad)ência" (2016), "O Evangelista" (2015)
e "Companhia Brasileira de Alquimia" (2013),
além dos livros de poemas
"6 Sonetos D’amor em Branco e Preto" (2016)
e "A Comédia de Alissia Bloom" (2014)
No comments:
Post a Comment