I
Muito além da melancolia das alvoradas
Zênite: tudo se esvai
no ímpeto de acordar pela sombra os recifes
Despertar dum sonho nu
Espraio me dum cais
etéreo
Subito solto a
recordação
Vagando até o molhe do
espírito liberto
II
Eu largado ao meu outro marujo
Chega-me
ainda que amante da cidade!
Sinto arrefecidos meus
medos
Todas peias d´antanho
romper
Largar! Não saber-se
preso outra fé
Que não a no teu corpo
Também marujo
Onde esteio a laçar as
nuvens
Por teus braços hélices
Precipício
Âncora
III
Ah! o grande porto!
Emprenhado de suspiros
!
Imenso porto
rasgando-se
Nas tardes escarlates !
E quais outros
Portos nos esperam?
Amantes dourados
IV
Dessa mesma coragem
Que vos falo sem mais o
temor
Acumulado de outras
eras
Sozinho no porto ainda
Noturno nesse limiar de
verão
Vislumbro longe um
veleiro lento
Melancólico paquete
E ventam em mim suas
velas
De todo lado do mar
algum modo
Material do desejo
difuso
V
E o que é o vento ?
Praiano siroco versado
em barcos
Ancoradouro em
escadarias toscas
Enquanto teu navio não
parte
Gaivotas vagando por
cerejeiras espaciais
E a chuva perdeu a asa
rubra
Interminável duração
estética
Charada imagética
VI
Mesma luz sobre luz
Nos escondíamos
amadrugados de azul
Cobalto pelo ar
Sereno aroma
Ardósia
Envolvido de lavanda
VII
Meus
olhos postos
No teu silêncio
Insidiosos
Insinuantes
Em que porta bater
primeiro
Amor súplice?
Teu sorriso pêssego
Carne irrefletida
Futuro mais que
perfeito
Anjo de Tânger
VIII
Quem ama não desfalece
ao intimorato mergulho
da superfície
sob a maciez gris das
ondas
entrando vagar seguro
no reino sem palavras
e tantos significados
navegados
IX
Sem
o véu da duvida
rasga-se sobre a proa
empunhando a letra de
sangue
desembaraçado o rumo
das águas
X
Desatai-me passivo a todos sabores
Afoito do bafejo de
todas tormentas
e bem aventuranças
vergado pelo tombadilho
soberano do meu sexo
no castelo de popa
Original do livro PESSOA DOUTRA MARGEM,
poema longo homenagem a ODE MARÍTIMA de Fernando Pessoa
nos 80 anos de sua morte.
O livro sai em junho pelas EDIÇÕES CAIÇARAS
poema longo homenagem a ODE MARÍTIMA de Fernando Pessoa
nos 80 anos de sua morte.
O livro sai em junho pelas EDIÇÕES CAIÇARAS
Poeta, contista e crítico literário,
Flávio Viegas Amoreira é das mais inventivas
vozes da Nova Literatura Brasileira
surgidas na virada do século: a ‘’Geração 00’’.
Utiliza forte experimentação formal
e inovação de conteúdos, alternando
gêneros diversos em sintaxe fragmentada.
Vem sendo estudado como uma das vozes
da pós-modernidade literária brasileira
em universidades americanas e européias.
Participante de movimentos culturais
e de fomento à leitura, é autor de livros como
Maralto (2002), A Biblioteca Submergida (2003),
Contogramas (2004) e Escorbuto, Cantos da Costa (2005).
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