por Chico Marques
Antes de começar, gostaria de deixar claro que,
desde a mais tenra idade, sempre fui admirador
de comédias desengonçadas e difíceis de classificar.
A primeira vez que vi na TV dois flops clássicos
de crítica e público do início dos anos 1970
-- "Oh Dad, Poor Dad, Mamma's Hung You In the Closet
and I'm Feelin' So Sad", de Richard Quine,
e "Happy Birthday Wanda June", de Mark Robson --
fiquei imediatamente encantado.
Não eram filmes ruins. Eram apenas desengonçados.
Mas eram muito... muito engraçados.
Nos Anos 1980, enquanto todos demoliam comédias hiperativas
como "1941", de Steven Spieberg e "The Blues Brothers' de John Landis,
eu achava aquilo o máximo, a reinvenção anfetaminada
das Madcap Comedies dos Anos 20 e 30, e aplaudia com fervor
-- e voltei a aplaudir mais ainda nos anos seguintes,
quando estas duas superproduções engraçadíssimas
foram reabilitadas e viraram cult movies.
Já nos Anos 1990, adorei quando Bruce Willis
apostou todas as suas fichas numa comédia de aventuras
muito cara e absolutamente inclassificável chamada "Hudson Hawk",
um fiasco retumbante em sua carreira que raramente passa na TV
-- mas que, para mim, e felizmente para várias outras pessoas
também, é o seu filme mais iconoclasta e mais charmoso.
Olha, se eu tiver que elaborar aqui uma lista de filmes
que foram demolidos em coro pela Opinião Pública
por algum motivo fútil qualquer
-- a Imprensa Especializada em Cinema
adora ser juiz e júri ao mesmo tempo,
e tem orgasmos sempre que consegue decretar
a morte de uma ou outra estrela,
e setores do público também --,
aí esse texto vai longe...
O problema é que em Hollywood você é sempre o seu último filme.
Ninguém perdoa fracassos em sequência.
E o mercado de atores e atrizes de Hollywood segue
sempre a lógica de uma Montanha Russa.
A partir do momento em que o carrinho inicia seu trajeto,
é bom o ator ou a atriz estarem preparados
para o momento em que o passeio deixar de ser agradável
e os altos e baixos darem a luz de sua graça.
Eles fatalmente irão chegar, mais cedo ou mais tarde.
Pois quem está sentado no primeiro banco
do primeiro carrinho desta Montanha Russa
guiada pelos formadores da opinião
neste momento é Johnny Depp.
Desde sua parceria com Michael Mann em "Inimigos Públicos",
Depp vem sendo atacado sem piedade por protagonizar
uma sequência de fiascos de público e de crítica,
cujo maior pecado é serem filmes exóticos e estranhos
-- como "Transcendence", O Turista" e "Lone Ranger",
além de suas constantes colaborações com Tim Burton.
Mortdecai - A Arte da Trapaça está na mira dessa gente
e talvez não consiga escapar do tiroteio.
Adaptação da antologia homônima escrita por Kyril Bonfiglioli,
este filme dirigido por David Koepp é bom, divertido, inusitado,
e de uma excentricidade a toda prova
-- e é aí que mora o problema.
O bigodudo Charlie Mortdecai (Depp) é a figura central
desta sátira aos filmes de mistério na linha de The Thin Man",
que faziam muito sucesso nos filmes das décadas de 30, 40 e 50
-- rigorosamente desconhecidos do público atual.
Na trama, Mortdecai é um nobre que ganha a vida
como negociador de obras de arte,
está à beira da falência e, para evitar o pior,
precisa arrumar 8 milhões de dólares em menos de uma semana,
caso contrário perde sua mansão
e também sua mulher (Gwyneth Paltrow).
Quando descobre que existe uma pintura que poderia conter
o código para uma conta bancária repleta de tesouros nazistas,
Mortdecai parte em uma aventura regada a crimes e espionagem
para conseguir a obra de arte.
No caminho em busca do tesouro, ele enfrenta bandidos russos,
o MI5 (Serviço Secreto Britânico),
um terrorista internacional
e até mesmo sua própria mulher.
Johnny Depp está engraçadíssimo na caracterização
do milionário excêntrico Charlie Mortdecai.
E mais afetado do que nunca, claro.
Mas daí a dizer que ele está péssimo, desastroso,
como andam dizendo por aí, existe um abismo.
Sua atuação flui muito bem,
até porque ele está acostumadíassimo
a interpretar tipos assim.
Além disso, Gwyneth Paltrow está linda.
Ewan McGregor, cuidadosamente apático.
Paul Bettany, perfeito em todas as cenas.
E Olivia Munn, surpreendentemente engraçada.
Até entendo que alguns possam ficar irritados com o excesso
de escatologia que toma conta do filme perto do final,
ou que achem que este não é um filme para custar
60 milhões de dólares.
Talvez não seja mesmo.
Mas, me desculpem os descontentes,
EU RI MUITO.
Mais precisamente, do começo ao fim
de "Mortdecai - A Arte da Trapaça".
Não acredito na afirmação lugar comum de que
não há nada pior do que Comédia Ruim.
Bobagem.
Daí, se você, assim como eu, aprecia comédias desengonçadas
e difíceis de classificar, e é desalinhado o suficiente
para não perder os filmes de Wes Anderson e John Waters
na primeira semana de exibição dos cinemas,
eu recomendo calorosamente "Mortdecai".
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