Uma das instituições permitidas a uma Mercearia é o que chamaríamos de ‘orelhada’: versar sobre um assunto muito mais no ‘calor da paixão’ do que pela frieza da técnica.
Exceto a Literatura, assunto um pouco mais ‘profissional’ (pero no mucho!), para os demais, a coisa chega a ser amedrontadora.
Itanhaém, cidade ao litoral sul paulista, cerca de 100 km da capital do estado, conseguiu, mesmo com o tremendo assédio do mercado imobiliário, manter a planta urbana sem enormes alcances em direção ao céu.
Alguns novos empreendimentos à orla, mas não passando de oito, nove andares, quando isso. Belas casas, um tremendo centro histórico, comércio em imóveis ao ‘rés-do-chão’, o que torna o lugar tremendamente charmoso.
170 mil habitantes, aquela cidade no tamanho certo. Ruim para os amantes da ‘escrita como arte’: não há livrarias por lá. O que é uma pena, mas nem tudo no mundo é perfeito.
Uma Mercearia num centro urbano densamente habitado tem como função garantir uma vida onde o estresse é diretamente proporcional à capacidade de se empilhar, literalmente, pessoas.
Não há escapatória: passou de 200 mil habitantes e Satanás vira presidente da câmara dos vereadores. As singelas chamas viram gigantescas labaredas, torra-se o churrasco e algum ‘peace-of-mind’ vai ‘pras’ cucuias.
Aí, é um tal de buscar dos egressos dos cursos de arquitetura e, em especial, urbanismo criatividade e inovação sem par no sentido de se resolver a organização do demônio.
O tinhoso quando resolve ‘produzir’ o espetáculo é proficiente: está para nascer algum urbanista que consiga dar jeito no troço. Algo semelhante a kombi com megafone à porta de casa com execução de um ‘sambinha’ promocional de candidato a algum cargo público.
No caso da arquitetura ‘para’ o urbanismo, muito já se tentou, com especial carinho à questão da ‘mobilidade’: trânsito de pessoas, transporte público, automóveis, circulação de mercadorias. Tudo para que o dinheiro não pare, circule. Até aí, morreu neves atolado em cuspe. O que pega é a tentativa de enquadrar o ser humano num padrão de comportamento que facilite o que foi pensado para a tal ‘cidade’. Se sair do quadro, ...
Salvo esta psicanalítica Mercearia esteja redondamente enganada, Freud temia que o ‘animalesco’ no ser humano virasse um Gaviões da Fiel X Mancha Verde se a sociedade não fosse pródiga em ‘meter o pé na cara’. Reich, suscetível à Força Orgone, afirmava que é a relação pessoal com o próprio gozo sexual (a libido por tabela) que faria todos relaxarem para “(...) entrar no clima e liberar geral (...)”.
Diz um ditado caiçara que na guerra do rochedo com o mar, quem se fode é o marisco. No urbanismo, seus profissionais são perfeitos, no projeto, em proporcionar a mais deliciosa das surubas, desde que seus participantes tenham um esforço proativo de naturalmente se contentarem com o ‘vício solitário’.
A continuar nessa batida, Nelson Rodrigues colocaria ombro-a-ombro com o Crioulo da Grapete o Flanelinha de Suruba. Imaginem CET para orgia: aplicando multa porque alguém anda insistindo em entrar na contra-mão.
Antonio de Sant’Elia entrou para a história da história por não ter materializado qualquer de seus projetos. Morte terrível, a 10 de outubro de 1916, com 28 anos, na Batalha de Isonzo, região de Monfalcone, na costa do Mar Adriático, quando combatia forças do exército Austro-Húngaro. No centenário de seu desaparecimento, a grande influência que teve sobre as gerações seguintes de arquitetos e urbanistas.
Sant’Elia influenciou até o cinema, nas películas ‘Metrópolis’, de Fritz Lang, e ‘Blade Runner’, de Ridley Scott. O traço original na virada do século XIX para o XX fomentou diversos manifestos, como o “Manifesto Futurista”, escrito por Filippo Tommaso Marinetti, em 1909. “(...) Ocupamos o último promontório dos séculos! (...)”. Presunção e sentença fatiada operam coisas inimagináveis.
Que seja! A ausência de uma melhor técnica de execução e evolução dos materiais não ajudava em nada tirar tais projetos do papel. Contudo, são belos desenhos.
Só que Antonio Sant’Elia é uma marca de uma época. Toda vez que seu nome é citado, vem à cabeça do receptor da mensagem o início do século XX. Talvez porque tenha morrido cedo. Talvez porque ‘futurismo’ era uma vontade irrealizável, partindo-se da premissa de que cabeça de ser humano é igual ‘ovo kinder’: tem sempre uma ‘surpresinha’.
Logo, o que sobrou dele é sua pior ‘versãozinha’ requentada. Vejam em “Enguaguaçu: a cidade que encolhe”. Feito uma tia opulenta e histriônica que contrata michês para valer a máxima de Reich, enfia dinheiro sem qualquer colóquio quanto à função e à beleza do traço em concreto. Virou pombal! Empreendimentos feios pacas, repetindo gabaritos, feitos os “Irmãos Gêmeos”, o CR Vasco da Gama e o CR Saldanha da Gama: cara d’um, focinho d’outro. Deveras criativo!
A crença dos futuristas era de que as formas tradicionais de vida, juntamente com as formas tradicionais de arte e arquitetura, sufocaram o progresso humano. Até desemborcarmos nos “Irmãos Gêmeos”, ou no “Cosme e Damião” que hoje ocupa o antigo Caiçara Clube: ápice de um progresso humano discutível que assola a vida com o que há de mais fino na opressão do horizonte e na depressão do espírito.
Até que... ...
chegamos em Itanhaém. Deu vontade de tirar o Sant’Elia da campa: “Chega, aí, Toninho.. Vem cá ‘vê’ uma coisa...!”.
Uma cidade que sofre com sua limitação econômica e as resultantes dela, falta de melhores oportunidades, algumas ausências, mas que é o que todo centro urbano deveria ser. Não há arranha-céus ‘modernex’ e/ou pensamentos grandiosos para a enorme circulação do que seja. Apenas o espaço bom e necessário para a dobra, como já dito por Blanchot e Foucault, “do fora”.
E uma vontade grande de produzir a boa e velha bravata do século XXI: “Chupa, Toninho...”.
Marcelo Rayel Correggiari
nasceu em Santos há 47 anos
e vive na mítica Vila Belmiro.
Formado em Letras,
leciona Inglês para sobreviver,
mas vive mesmo é de escrever e traduzir.
É avesso a hermetismos
e herméticos em geral,
e escreve semanalmente em
LEVA UM CASAQUINHO
mas vive mesmo é de escrever e traduzir.
É avesso a hermetismos
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