Saturday, February 28, 2015

UM PRELÚDIO PARA "JACKIE BROWN" (por Chico Marques)



Quem conhece o romance "The Rum Punch" (1992), de Elmore Leonard, que foi adaptado por Quentin Tarantino e se transformou no filme "Jackie Brown", sabe bem que o resultado final do filme tem muito pouco a ver com o tom da literatura de Elmore Leonard.

Não que Tarantino não tenha sido fiel ao romance. 

Ele até tentou ser. 

Mas o tom às vezes sombrio, às vezes cômico dos personagens originais acabou trocado pela habitual sucessão de exageros estilísticos que Tarantino simplesmente não consegue evitar em seus trabalhos.

Fora isso, tem ainda a obsessão de Tarantino em celebrar os filmes da Era da Blaxploitation -- quase todos horrendos, extremamente caricatos, e de baixíssimo gabarito artístico -- que afastam "Jackie Brown" ainda mais do tom original de "The Rum Punch"

Sendo assim, pode-se até considerar que "Jackie Brown" seja um dos melhores filmes já realizados por Quentin Tarantino, mas dificilmente será uma das melhores adaptações para o cinema da obra cruel e extremamente divertida do grande e saudoso losangeleño Elmore Leonard.

Existem muitos outros filmes adaptados de seus romances que são menos ambiciosos que "Jackie Brown", que foram muito melhor sucedidos.







"Life Of Crime", lançado aqui no Brasil com o título ridículo "Sem Direito a Resgate", é uma adaptação fiel e muito bem realizada do romance "The Switch" (1978).

Não pretende ser exatamente um prelúdio de "Jackie Brown", mas a referência acaba sendo inevitável, já os personagens principais da trama são os sequestradores Odell e Louis, aqui interpretados por Mos Def e John Hawkes -- e que, em "Jackie Brown", haviam sido defendidos por Samuel L Jackson e Robert DeNiro.

A trama gira em torno de Mickey (Jennifer Aniston), que é casada com Frank Dawson (Tim Robbins), um empresário espertalhão que está envolvido em escândalos de desvio de dinheiro para paraísos fiscais, mas que é, ao mesmo tempo, extremamente chucro -- que, por sua vez, mantém um romance com uma garota tão fogosa quanto cretina e desclassificada, interpretada brilhantemente pela inglesa Isla Fischer.

Quando os sequestradores percebem que Frank Dawson não irá pagar o milhão de dólares que foi pedido pelo resgate de sua mulher Mickey -- Frank está com a papelada do divórcio pronta para entregar a Mickey, e ela descobre que está sendo enganada pelo marido há anos, tanto em termos conjugais quanto em termos financeiros -- decidem, ao invés de matá-la, unir forças a ela contra Frank.

A partir daí, a tensão inicial do filme se dissipa e dar lugar à comédia de erros que está presente em praticamente todos os textos de Elmore Leonard.


Jennifer Aniston está surpreendentemente contida e madura com atriz nesse filme. Todos os trejeitos que ela traz consigo desde os tempos de "Friends" parecem ter ficado definitivamente para trás. 

Já Tim Robbins está magnífico como o empresário espertalhão e grosseiro. Não lembro de vê-lo numa performance tão consistente há uns bons anos.

Mos Def e John Hawkes estão divertidíssimos, mulherengos, e proporcionam aos personagens dos sequestradores um tom bem humano, bem diferente das máquinas de matar em que se transformaram quando interpretados por Samuel L Jackson e Robert DeNiro.

Quanto ao roteiro impecável e à direção precisa de Daniel Schechter, pode-se dizer que toda a experiência que ele adquiriu em filmes independentes como "Supporting Characters" (2012), "Goodbye Baby" (2007) e "The Big Bad Swim" (2006) foi de grande serventia nesse seu primeiro filme com um orçamento mais vultoso.

Schechter foi muito feliz ao tentar reproduzir na tela o ritmo frenético dos romances de Leonard, que sempre encadeiam viradas à base de diálogos rápidos e econômicos.


Sendo assim, recomendo que esqueçam Quentin Tarantino e os excessos estilísticos de "Jackie Brown".

Lembrem apenas que a ação de "Life Of Crime" acontece alguns anos antes da de "Jackie Brown", e que os personagens recorrentes ainda são jovens e estão se iniciando no às vezes não tão rentável métier dos Sequestros.

Tudo funciona bem em "Life Of Crime": o tom menor da narrativa, o ritmo extremamente ágil e a acertada reconstituição dos Anos 1970. 

Diversão garantida.

Apenas uma ressalva: um filme desse gabarito merecia, com certeza, um título em português melhorzinho que esse ridículo "Sem Direito A Resgate".

Que horror, Senhores Distribuidores!



SEM DIREITO A RESGATE (2014)

TÍTULO ORIGINAL 
LIFE OF CRIME

DIREÇÃO e roteiro 
DANIEL SCHECHTER

DURAÇÃO 
1H38 MINUTOS

ELENCO 
JENNIFER ANISTON
YASIIN BEY
ISLA FISHER
WILL FORTE
MARK BOONE JUNIOR
TIM ROBBINS
JOHN HAWKES
CHARLIE TAHAN

EM CARTAZ NO ROXY GONZAGA 





SELMA: UMA LUTA PELA IGUALDADE (por Sérgio Prior)


(texto publicado originalmente em www.setimaarte.iron.com.br)


A Academia de cinema de Hollywood foi pressionada por não incluir "SELMA" como concorrente nas principais categorias do Oscar de 2015. 

A vida e a obra de Martin Luther King é um dos pontos altos da história norte-americana do século XX, com seu discurso pacifista contra o racismo, mas isso não torna o filme obrigatoriamente bom. 

A causa é pra lá de justa e atual, mas não assegura que a direção de Ava DuVernay seja burocrática.

O dinheiro e a presença de expoentes da comunidade negra hollywoodiana, entre eles Oprah Winfrey, não consegue fazer jus à luta do vencedor do Prêmio Nobel da Paz, Martin Luther King (David Oyelowo, ator inglês, por sinal) em sua luta contra o racismo no sul do país, onde se concentrava - e ainda ocorre o mesmo nos dias de hoje - o maior número de racistas, de membros da Ku Klux Klan, enfim, de "rednecks" que se interpõem entre a integração dos negros na sociedade americana. 



O ano é 1965. 

O episódio central é a marcha da cidade de Selma a Montgomery, capital do estado de Alabama. 

Portanto, não estamos diante de uma cinebiografia de Martin Luther King. 

O líder anti-segregacionista tem de lutar em um nível nacional com o presidente Lyndon Johnson (Tom Wilkinson, ótimo como de costume), e em nível local com o governador do Alabama, George Wallace (Tim Roth, numa atuação extraordinária). 

Lyndon Johnson se vê pressionado pelo poder sulista, diga-se segregacionista, de um lado, e do homem que pregava a paz absoluta para alcançar a igualdade entre negros e brancos. 

Interessante a participação de Malcolm X, líder negro que pregava a violência como forma de auto-defesa para a preservação dos direitos dos negros, colaborando de forma pacifista com o episódio de "SELMA". 

Até que os negros (e muitos brancos) conseguissem marchar até Montgomery muita gente apanhou e foi humilhada. 

Tudo é mostrado de forma muito acadêmica. 

Faltou histamina para a diretora Ava DuVernay, que tinha um elenco estelar em suas mãos, onde quem brilhou foi Tim Roth, um tema atualíssimo, um dos personagens mais interessantes do século XX, Luther King, e só conseguiu nos ofertar um filme mediano. 

E, para dizer a verdade, nem merecia ter levado a estatueta de melhor música, que deveria ter ido para as mãos do filme "Mesmo Se Nada Der Certo"  -- no original, "Begin Again", de John Carney, com Mark Ruffallo e Keira Knightely -- com a faixa "Lost Stars".


SELMA (2014)

ELENCO: 
TOM wilkinson
David Oyelowo
Carmen Ejogo
Jim France
Trinity Simone
Mikeria Howard
Jordan Christina Rice
Ebony Billups
Nadej k Bailey, 
tim roth
oprah winfrey 



ROTEIRO:

PAUL WEBB 


PRODUÇÃO:

CHRISTIAN COLSON
DEDE GARDNER
JEREMY KLEINER
OPRAH WINFREY
BRAD PITT 


DIREÇÃO:
AVA DUVERNAY

EM CARTAZ NO PÁTIO IPORANGA, SANTOS 





Wednesday, February 25, 2015

20.000 DIAS NA TERRA (Quarta, 20hs, Cinespaço Miramar, SESC Circuito Indie Festival)


NA CAVERNA DE NICK
por Hugo Gomes 
para o CINEMATOGRAFICAMENTE FALANDO 

Por norma, quando se pretende concretizar um documentário sobre uma personalidade musical (e não só), facilmente se recorre à modelização narrativa numa alternância entre testemunhos / imagens de arquivo e vice-versa. 

Com 20,000 Days on Earth, tal matriz seria desrespeitosa e automaticamente transformada numa oportunidade desperdiçada face a um homem tão curioso como Nick Cave, o líder dos Nick Cave and Bad Seeds, que no cinema ficou célebre como o autor do argumento de um dos mais envolventes filmes australianos dos últimos anos (The Proposition, de John Hillcoat). 

Nesta obra que celebra a criatividade e a multifacetada forma do documentário, a dupla Ian Forsyth e Jane Pollard acompanham um Nick Cave autónomo e autodidático, um poeta ilusionista que profere vulgares "ordinarices" e que descaradamente transforma-as em prosa graças à sua voz carismática e sapiência. 

Mas acima de tudo, em 20,000 Days on Earth o artista em questão revela-nos e convida-nos a entrar no seu íntimo, ao mesmo tempo que o oculta do espectador.



Invocando palavras soltas sob a atmosfera boémia e confortante da noite, Cave demonstra os "pequenos prazeres da vida" num pleno egocentrismo, daqueles que se assumem como Deus sob uma quinta das formigas. 

Diria antes que Nick Cave funciona como a perfeita anarquia e, contraditoriamente, no alicerce para toda a execução deste documentário em constante moldagem. 

Poesia visual é o registo acentuado numa alegoria que prova que é possível materializar um documentário de cariz musical sem o uso do academismo. 

Depois disto tudo, é Nick Cave, a figura central e o actor de um palco imenso, o único capaz de transformar o interior de um automóvel num confessionário e a televisão, não como um gesto de banalização e de sedentarismo, mas numa vontade de aproximação familiar. 

Tudo é possível neste relato que tornará os mais ávidos fãs hipnotizados pela aura desta personagem dentro de uma personagem. 

Quanto aqueles que nunca ouviram falar de Nick Cave, a vontade insaciável de conhecer o homem por trás de Push the Sky Away nascerá após o último crédito. 

De distinto requinte.



Sunday, February 22, 2015

O FABULOSO INSTRUMENTO DE SOPRO DE MONSIEUR PUJOL






por Luigi Marnoto


Falemos de tempos menos aborrecidos. Você sempre ouviu falar na grande atriz Sarah Bernardt. Mas aposto a minha coleção do Zéfiro que pouco (ou nunca) ouviu falar em Joseph Pujol, certo? Por que será, já que ambos dividiram o sucesso e os palcos parisienses na mesma época? Mais intrigante ainda é saber que no auge de suas carreiras, lá pelo final do século XIX e começo do XX, enquanto Sarah faturava 8 mil francos por apresentação, Pujol embolsava 20 mil e lotava as melhores e maiores casas de espetáculos de Paris.

E olhe que, numa atuação, o esforço físico e intelectual da grande dama do teatro era infinitamente maior que o de Le Pétomane – o apodo artístico de Joseph Pujol ( e você já vai entender porquê). Enquanto Sarah se esfalfava decorando, encenando e contracenando com grande elenco um texto como A Dama das Camélias, de Alexandre Dumas Filho, Pujol, com sua indefectível gravata vermelha e culote preto de cetim, entrava em cena sozinho, curvava-se levemente (como na foto acima) diante da platéia atenta e, minimalista, executava La Marseillaise, o hino que convoca os cidadãos franceses à luta.

Injusto, não? Nem tanto, se considerarmos que o “instrumento” que Monsieur Pujol usava para as performances era o seu próprio orifício sedal.

Sim, você entendeu bem. Com seu exclusivo “instrumento de sopro”, o sujeito não só interpretava solos e escalas musicais pelo traseiro, como realizava uma série de imitações sonoras que ia de pássaros e outros animais, até o choro de um bebê ou o estrondoso tiro de um canhão (uma de suas obras máximas). Mas tudo com muito glamour e, é importante que se diga, nenhum odor – Pujol não expelia gases, mas o próprio ar que aspirava.


Nascido em Marselha em 1857, Joseph ainda era um menino quando manifestou seu extraordinário dom. Em uma excursão pela costa francesa, ao mergulhar no mar, descobriu que abrindo seus esfíncteres, era capaz de absorver grande quantidade de água. Assustado, correu para praia e, voilà! – diante de banhistas atônitos, expeliu o líquido a uma distância de vários metros. Aplausos.

Joseph gostou daquela aprovação pública e, já prestando o serviço militar, divertia a soldadesca com o número do “chafariz”. Até que sua popularidade chegou aos ouvidos do oficialato. Pois acredite, seus superiores, depois de esfregarem os olhos para poderem acreditar no que viam, foram os primeiros a valorizar suas habilidades artísticas (lembre-se de que estamos na maluca França fin-de-siècle). O jovem Pujol começou então a treinar seus intestinos de maneira contínua, passando boa parte do dia absorvendo e expelindo água, para deleite da tropa. Esta ginástica intestinal e a troca da água pelo ar seriam os segredos do êxito que o acompanharia por toda sua vida artística.

Ao sair do exército, Pujol foi trabalhar como padeiro durante o dia e, de noite, frequentava os music halls de Marselha, realizando aqui e ali pequenas exibições de comédia musical. Porém, seu exclusivo “espetáculo de sons e ventos” ficava restrito aos amigos de boemia. Foi a insistência desses amigos que o levou a aperfeiçoar o número e, finalmente, apresentá-lo ao público. Seus originalíssimos shows logo começaram a lotar os pequenos teatros de Marselha, levaram-no a Paris e, em pouco tempo, só um palco estaria a altura daquele estrondoso sucesso: o Moulin Rouge, a casa de espetáculos mais importante da Cidade Luz.

Com o teatro lotado, Pujol começava a apresentação explicando cada som: “Isto é o choro de uma criança” (ruído suave). Em seguida vinha o traque da noiva antes e depois da noite de núpcias (a diferença era notável), o pum de um monge, o de uma freira, o de um general e por aí afora. Quando o público já estava com o diafragma em frangalhos de tanto rir, vinham os números musicais. De uma simples e impecável escala tonal (do, ré, mi, etc.) passava a entoar melodias completas de canções como Frou-Frou ou Fascination, e a imitar diversos instrumentos musicais. A flauta, por exemplo, era executada com a instalação – você pode imaginar onde – de um tubo de um metro e meio de extensão. Entre uma atração e outra, fumava um charuto pelas duas extremidades do seu corpo...simultaneamente! Seu ato final consistia em colocar uma vela a quatro metros de distância e apagá-la com um único sopro de seu traseiro. Era, ou não era, um fenômeno?

A platéia ia a tamanho delírio que Monsieur Vidler, diretor do Moulin Rouge, passou a distribuir enfermeiras uniformizadas pelo auditório a fim de atender aos desmaios e convulsões do público. Há de se desconfiar que o termo nonsense tenha surgido em uma dessas apresentações. Pujol, no entanto, sempre impecavelmente vestido, jamais perdia a expressão austera. O que tornava o espetáculo muito mais hilariante, claro.



Na volta de uma temporada pela Europa e norte da África, Pujol rompeu contrato com o Rouge e montou sua própria companhia, no Theatre Pompidou. Ali, no final de uma de suas apresentações, foi abordado por um distinto senhor que, discretamente, passou-lhe uma moeda de ouro de 20 francos, agradeceu comovido por tanta diversão e sumiu-se. Curioso, Joseph foi perguntar a sua amiga Liane de Pougy – a cortesã mais badalada de Paris, na época – quem era o nobre e apressado cavalheiro. Liane, com o nonchalance de quem tudo sabe, disse tratar-se de ninguém menos que Leopoldo II, o rei da Bélgica, que viera incógnito a Paris testemunhar o talento do Pétomane. Sentiu o prestigio do cara? Pujol talvez tenha sido o primeiro artista a realizar o prodígio de misturar a noblesse francesa (aquela, avessa à vulgaridade) com os pintas-bravas do bas-found parisiense no mesmo espaço, unindo ambas as classes pelo riso.

Por 20 anos (de 1894 a 1914), Le Pétomane fez fama e fortuna por toda a Europa. Até que a I Grande Guerra entrou em cena e deixou o mundo bem menos divertido. Depois de perder três de seus nove filhos nas trincheiras do front, recolheu-se ao silêncio e foi viver como próspero confeiteiro em Toulouse, onde morreu aos 88 anos, em 1945.

Quando soube de seu falecimento, a Universidade de Sorbonne ofereceu 25 mil francos aos seus herdeiros para obter o cadáver do artista e estudar o fenômeno aéreo de suas entranhas. Seu filho mais velho, porém, sem esconder o orgulho pelos dons naturais do pai, recusou: “Meu pai, no curso de sua longa vida deu de si o melhor. Certas coisas têm que ser tratadas com as devidas reverências”. 

Assim, Monsieur Pujol, Le Pétomane, teve um funeral digno de um chefe de estado. Onde não faltaram estrondosos tiros de canhão e a execução de La Marseillaise.



Luigi Marnoto é cozinheiro, escritor, cantor e violonista. 
Vive e trabalha em Pinheiros, São Paulo. 
Só sai do bairro para vir a Santos visitar sua adorável mãe 
ou para ir a São Francisco Xavier visitar seu sogro. 
É um bom homem.





Thursday, February 19, 2015

O BRILHO INTENSO DE MARION COTTILLARD NUM FILME DENSO.


por Sérgio Prior


"DOIS DIAS, UMA NOITE", de Jean-Pierre e Luc Dardenne, está em cartaz no Cinespaço, do Shopping Miramar.  

Os irmãos Dardenne já venceram a Palma de Ouro do festival de Cannes duas vezes. 

A primeira vez por "ROSETTA".

A segunda por "A CRIANÇA". 

Tudo gira inevitavelmente sobre as relações familiares e as crises sociais na Europa. 

Pode-se dizer que estes irmãos belgas são os maiores herdeiros do neo-realismo italiano, de Rossellini. 

A temática não difere dos seus filmes anteriores neste "DOIS DIAS, UMA NOITE". 




Sandra (a maravilhosa Marion Cottilard, que concorre ao Oscar de melhor atriz deste ano) é uma operária, que teve de tirar licença médica em função de um provável quadro depressivo. 

O seu salário é fundamental para pagar as contas e as prestações de sua casa. 

O esposo, Manu (Fabrizio Rongione), não consegue suprir as necessidades financeiras familiares sozinho. 

O chefe de Sandra por ter uma funcionária com a qual não pode contar por um período longo propõe aos demais funcionários que façam a parte dela. 

Com isso cada um ganharia um bônus de mil euros.

O título do filme diz respeito ao tempo (um final de semana) que Sandra tem de convencer os seus companheiros de trabalho a votarem na permanência dela na fábrica, para isso tendo de abdicar dos mil euros, uma quantia nada insignificante. 




A tarefa se torna particularmente complicada pelo fato de Sandra ainda se recuperar de uma depressão, dando a impressão a ela mesma que está mendigando junto aos seus colegas operários. 

E a cada resposta negativa ela se entope de ansiolíticos, e se não fosse a ajuda de seu marido e de uma amiga ela permaneceria trancafiada em seu quarto domingo e no aguardo da segunda-feira fatídica em que ocorrerá a eleição. 

A questão colocada pelos irmãos Dardenne é o quanto as relações de respeito ao outro, de solidariedade ainda estão preservadas (ou não) no início do século XXI, onde o neoliberalismo empurra os "fracos" para debaixo do carpete. 

A câmera dos Dardenne é viva, invade os seus personagens, particularmente Sandra, decifrando o processo de superação desta heroína.




DOIS DIAS, UMA NOITE

 Deux Jours, Une Nuit
 Jean-Pierre Dardenne, Luc Dardenne
 Marion Cotillard, Fabrizio Rongione, Catherine Salée
 Drama
 95 min
 França, Bélgica, Itália
Em cartaz no Cinespaço, do Shopping Miramar

SILVA TRAZ SUA NOVA BANDA NESTE SÁBADO NO SESC-SANTOS

O cantor e compositor capixaba Silva, 25, na praia de São Pedro do Estoril, em Portugal

Depois de um álbum de estréia muito elogiado, "Claridão" (2012), o cantor e compositor capixaba Silva, de 25 anos de idade, que até então não acreditava na tal "síndrome do segundo disco", passou a sofrer com os seus sintomas:
"É assustador. Você não quer repetir o que já fez e quer ver que riscos pode assumir. É uma prova de fogo".

"Vista Pro Mar", o tal segundo disco, chega a ser um paradoxo, pois é surpreendentemente leve e não passa recibo de ter sido o resultado de um parto prolongado e difícil. 

"É um disco para ouvir na beira da praia, da piscina, com um instrumental sem tanto drama. 'Claridão', o disco anterior, tinha letras mais densas. Já "Vista Pro Mar" está mais de bem com a vida. Moro em Vitória. Não me enxergo em uma cidade sem praia".

"Vista pro Mar" traz letras em português —a maioria sobre relacionamentos— em música eletrônica de batida leve, com arranjos de teclados e sintetizadores que remetem aos anos 1980.

Silva -- ou Lúcio da Silva Souza, seu nome completo -- tem formação erudita em violino e já foi chamado de uma mistura de Guilherme Arantes com James Blake, mas não se importa com as comparações.

"Tinha uma coisa interessante nos anos 1980. A Rita Lee, por exemplo, fazia álbuns dançantes. Depois deixou de misturar essas influências gringas na MPB. Parece que ficou um medo. Eu não estou nem aí para essas fronteiras musicais"

Silva vem a Santos pouco antes de se apresentar no Festival Lollapallosa, dia 5 de Abril, e aproveita para testar o novo repertório neste sábado, dia 21 de Fevereiro, no SESC-Santos.

Traz a tiracolo sua nova banda: o baterista Hugo Coutinho, o baixista Rodolfo Simor e o guitarrista Giuliano de Landa.


ENTREVISTA - SILVA


Muitas pessoas estão te considerando a grande aposta brasileira da cena independente. Como você lida com isso?
É muito empolgante ver um trabalho sendo reconhecido, estou muito feliz por isso, embora isso traga uma certa pressão que eu ainda não conhecia. Superar uma expectativa é sempre mais difícil que surpreender nenhuma.
Conte-nos um pouco sobre você. Qual a lembrança mais remota de querer trabalhar com música?
Meu primeiro contato com música foi cedo, mas acho que só comecei a pensar em ser músico na adolescência. Com uns 12 anos talvez, quando entrei numa daquelas orquestras de estudantes. Foi minha primeira experiência desse tipo e me fez gostar de música um pouco mais.
As músicas do seu primeiro disco eram marcadas por um experimentalismo, mas também um toque de regionalidade, cores tropicais. O que te inspira a compor? Como surgiram as idéias para as músicas?
Gosto de me inspirar em ambientes, sou muito visual e o clima também me influencia bastante. As músicas vieram de idéias que fui guardando, de lugares que eu visitei ou de alguma brincadeira aleatória no piano ou no sintetizador. Sempre ouvi vários tipos de música, mas costumo ser mais influenciado por artistas que gostam de trabalhar mais melodicamente.
Já ouvi muitas pessoas te compararem ao James Blake. Inclusive você trabalhou com Matt Colton na masterização, o mesmo produtor dos discos de Blake. Enxerga alguma semelhança?
O James Blake é um artista que eu admiro muito, desde o começo quando ele tocava mais dubstep e remixava Destiny’s Child. Mas não acho o meu som parecido com o dele. O som do James é um dos mais maduros que ouvi ultimamente e eu ainda quero trabalhar bastante para chegar lá.
Você é contratado da Som Livre. Como essa associação se reflete no seu trabalho?
A Som Livre entrou em contato comigo em 2012 e me fizeram uma proposta muito boa, principalmente pelo lado da liberdade criativa. Me deram espaço para produzir do jeito que eu quisesse, gravando em casa e produzindo sem interferência. Desde então, acho que o resultado tem sido muito bom.
Consegue se enxergar parte de uma cena musical brasileira? Acompanha outros artistas de sua geração e como é sua relação com eles?
Consigo sim, apesar das outras influências eu tenho muita música brasileira no meu som. Ultimamente não tenho acompanhado muito, mas tem alguns artistas que gosto bastante e acompanho, a Céu é uma deles. Mas ainda não conheço quase ninguém (risos). 
Quando você começou a estudar música?
Eu comecei bem novo, com 2 anos. Comecei violino com 6 anos e piano com 7 anos. Depois aprendi a tocar instrumentos de banda, como guitarra, baixo, violão. Já toquei em tudo quanto é tipo de banda, fazendo cover de Jamiroquai, Stevie Wonder, Tower of Power. De um lado, minha adolescência foi bem erudita e, de outro, foi um pouco de tudo. Agora, estou no último período do curso de violino na Faculdade de Música do Estado (Fames), em Vitória, no Espírito Santo.
Sua família é ligada à música?
Na família da minha mãe tem bastante gente ligada à música. A pessoa que mais me influenciou foi meu tio, que é pianista. Ele morava conosco quando éramos pequenos e passava oito horas por dia tocando. Minha mãe é formada em flauta e piano. Também tenho dois irmãos mais velhos e os dois estudaram música, mas nenhum seguiu carreira.
Em sua apresentação no Sónar, você comentou que passou uma temporada na Irlanda antes de gravar seu primeiro disco. O que fez lá?
Eu tranquei o curso de violino porque não estava gostando muito. Fui para Irlanda estudar inglês. Cheguei lá em plena crise econômica de 2009 e não tinha emprego. Um baterista brasileiro conseguiu meu contato e me chamou para tocar na banda dele, que estava tocando na rua. Foi meu ganha pão. Foi lá que eu compus A Visita, minha primeira música. Ela tem bastante influencia da música irlandesa. Também consegui economizar algum dinheiro para comprar meus equipamentos aqui no Brasil.
Quem participou das gravações dos dois discos com você?
Eu gravei tudo sozinho. Eu chamava outras pessoas, mas ninguém aceitava fazer o som que eu queria. As pessoas não entendiam, falavam que estava estranho. Aí, eu resolvi fazer sozinho mesmo, como eu imaginava que tinha que ser. Eu levei o demo para uma amiga, que mostrou para um produtor do Rio, o Carlos Andrade. Ele gostou muito e me chamou para ir para o Rio gravar uma música. Lá, ele me apresentou a um técnico chamado Lucas de Paiva. Nós trabalhamos juntos no EP que antecedeu "Claridão". Gravei metade na minha casa e metade no estúdio com ele.
Como foi o contato com o Matt Colton, que também finalizou os discos de James Blake?
O Lucas estava procurando um técnico de masterização lá fora. O Colton masterizou vários discos da cena underground da música eletrônica e isso casava com o que a gente queria. Procuramos o contato dele pela Internet e mandamos o material.  Ele curtiu e topou fazer. A finalização dele foi bem feita.
Por que você escolheu o nome SILVA?
Todo nome que eu escolhia me soava um pouco pretensioso e eu não sabia o que isso ia dar. Eu lancei na internet sem nenhuma perspectiva. É o meu nome do meio e, mesmo sendo o nome mais comum do Brasil, praticamente ninguém usou. Mas é difícil de achar no Google. Algumas pessoas me falaram isso e eu fiquei meio encucado. 
Como você compõe suas músicas?
Eu tenho um processo de composição estranho, ele é meio inverso. Eu procuro produzir a música inteira, o arranjo todo, antes de ela ter a letra. Eu vou trabalhando as batidas, as melodias, o que eu quero que entre no arranjo ou não e, por último, coloco a letra. Para mim, é mais fácil. Eu tenho mais facilidade com os arranjos do que com as letras, que são escritas em parceria com meu irmão.
Você tem uma formação na música erudita. Inclusive, está terminando a faculdade de violino. Mesmo assim, você não se prendeu só a esse gênero. O que mais você gosta de escutar?
Eu sempre ouvi de tudo, nunca fui daqueles eruditos chatos que só escutam Bach e Stravinsky. Sempre gostei de músicas pop, nunca tive preconceito. Eu sou fã do Kanye West, ele é o cara. De fora, também escuto música erudita e eletrônica, como house e ambient. De música brasileira, escuto muito Marisa monte, Legião Urbana, Lulu Santos, Tom Jobim e Ernesto Nazareth.
O que você tirou de influência dos artistas que escuta?
O que é uma marca lá fora e eu uso muito é o sintetizador. Quando eu falo de música eletrônica, sempre acham que é música de balada, mas, na verdade, música eletrônica é aquela que é feita com instrumentos não acústicos. Em vez de usar uma bateria orgânica, você usa uma bateria eletrônica, ou, no lugar do piano, você coloca um sintetizador com piano elétrico.
Como você classifica a música que faz?
Não sabia se podia chamar de MPB, porque, apesar de ser em português, tem muito elemento que não é de música brasileira e que poderia ser de qualquer lugar. Não sabia também se podia chamar de eletrônico, porque meu som não é só eletrônico, tem vocal, tem elementos de canção. Então, eu não sei, é difícil definir. Sinceramente, eu não sei dizer o nome do meu som.
O que você achou da sua apresentação no Sónar?
Nunca tinha feito show em um palco daquele. Pulei de um lugar para 150 pessoas para um palcão. Foi muito louco também porque foi no mesmo palco de artistas que eu gosto, como Mogwai, James Blake e Sakamoto. Foi muita responsabilidade. Apesar dos problemas técnicos que eu tive, consegui chegar até o final do show.
Você chegou a conhecer o James Blake?
Eu tentei, mas sou muito tímido. Meus amigos ficaram falando que eu tinha que ir lá trocar uma ideia. Quando eu fui para o backstage, ele já tinha ido para o hotel e só estava a banda lá. Gosto muito dele, principalmente da época dele antes de gravar com o vocal. Mas também gosto da fase nova. A voz dele é fabulosa e ele está sempre inovando.



SILVA
Sábado, 21 de Fevereiro
21 horas
Teatro do SESC-Santos
Rua Conselheiro Ribas, 136