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Thursday, July 14, 2016

CANTO DE PÁGINA: MINHAS FÉRIAS DE INVERNO EM COMPANHIA DO GRANDE MILAN KUNDERA

por Chico Marques


Se em circunstâncias normais o Brasil já é um país difícil de explicar, pode-se dizer que o Brasil dos Anos 1980, recém-reconduzido à Democracia, era uma país extremamente curioso, e eventualmente surpeeendente.

De que outra maneira explicar escritores difíceis e nada populares como Marguerite Yourcenar e Milan Kundera virando best-sellers -- status que nem em seus países de origem eles conseguiam alcançar?


A Insustentável Leveza do Ser virou "o livro do Verão" no Brasil em 1984.

Todo mundo leu e todo mundo gostou -- ou disse que gostou.

O realismo mágico desencantado de Mr. Kundera, de repente, virou assunto em bares, em filas de banco, até em salões de beleza.

Para o autor checo, isso foi excelente por um lado e péssimo por outro: é que no ano seguinte, 1985, poucos dessa extensa legião de leitores recém-convertidos ainda queriam saber dele e de seus ótimos romances e novelas.

Para esses leitores frívolos e novidadeiros, Kundera pertencia a 1984, e lê-lo em 1985 não fazia sentido, pois não era mais "in", agora era "out".

Claro que nada disso impediu editoras brasileiras como a Nova Fronteira e a Companhia das Letras de seguir publicando sua abra por aqui, com boa acolhida de público.

Mas best-seller, isso Mr. Kundera nunca mais foi.


Assim como aconteceu com Philip Roth num determinado momento de sua carreira, Mr. Kundera deixou meio de lado o formato "romance" depois de A Imortalidade (1990), e vem publicando apenas "novellas" -- textos com cerca de 100 páginas, que são longos demais para ser classificados como contos e curtos demais para ser chamados de romances.

Publicou 3 "novellas" com esse perfil entre 1995 e 2000, todas existencialistas até o talo, e que, juntamente com A Imortalidade, formam uma espécie de tetralogia (não assumida) de reflexões de "fin de siècle" sobre a vida nesses "tempos rápidos" em que vivemos.

São elas: A Lentidão, A Identidade e A Ignorância.

Tive o imenso prazer de ler esses livros novamente no início deste mês, em férias, ainda sob o impacto da leitura do novo romance de Salman Rushdie -- que, diga-se de passagem, deve muito a Mr. Kundera na maneira como conjuga as contradições do mundo moderno.

(é sempre bom lembrar que tanto Mr. Rushdie quanto Mr. Kundera há muito desistiram de escrever em suas línguas de origem, e optaram por línguas de acesso mais amplo: o primeiro só escreve em Inglês, e o segundo só em francês)


A Lentidão, a primeira dessas "novellas", sempre narradas em primeira pessoa, é sobre o casal Kundera visitando um Castelo-hotel na França -- justamente o Castelo onde Madame de Tourvel, de As Ligações Perigosas, teve suas aventuras adúlteras e pôs em prática seus anseios libertinos.

Mr. Kundera cria uma comédia de erros com uma carga sexual bem intensa, envolvendo entomologistas, políticos, intelectuais e jornalistas dentro de um contexto que oscila entre o meramente cômico e a farsa existencial.

No caminho, faz especulações metafísicas sobre a velocidade e tudo o que se perdeu com os anseios tecnológicos e a pressa para alcançar o êxtase e a felicidade, estabelecendo comparações entre os prazeres da lentidão e os prazeres da velocidade.

Contrapõe brilhantemente o culto ao orgasmo, que reduz o coito a um obstáculo a ser ultrapassado o mais rápido possível e sobre a eficácia em contraposição à ociosidade criativa e sedutora da lentidão.

O tempo se entrelaça no decorrer da narrativa numa dança lenta e libidinosa, mesclando épocas e personagens que se alteram como peças num tabuleiro de xadrez, guiados pelo hedonismo e pela dificuldade de absorver o que é real e o que não é.

É um livrinho denso, precioso e delicioso, que se lê de uma sentada.


Em A Identidade, a segunda dessas "novellas", Mr. Kundera foca nas alianças que constuímos ao longo das nossas vidas, através dos amores e das amizades.

O protagonista do livro, Jean-Marc, visita no hospital um velho amigo e fica incomodado porque ele pede a toda hora que se lembre de eventos antigos.

Conclui que a verdadeira e única razão de ser da amizade é fornecer ao outro um espelho em que ele possa contemplar sua imagem de antigamente.

Nesse meio tempo, no entanto, sua identidade e a de sua mulher Chantal começam a deteriorar.

Jean-Marc resolve, então, mostrar a ela que continua uma mulher atraente, idéia da qual ela discorda.

Daí, começa a escrever para ela cartas anônimas, como se o autor fosse um outro homem, e com isso acaba desencadeando reações absolutamente imprevisíveis.

E isso é apenas o começo deste baile de máscaras existencialista delicioso e absolutamente insuitado.

Há muito mais nesse pequeno e encantador volume.


Já em A Ignorância-- que é certamentre a mais ambiciosa e mais nostálgica dessas três novelas -- temos Mr. Kundera de volta a um de seus temas recorrentes: a emigração, imposta ou voluntária.

Aqui, um homem chamado Josef, que construiu sua vida na França, e uma mulher chamada Irena, que virou dinamarquesa, se reencontram por acaso quando visitam Praga pela primeira vez depois do fim do Regime Comunista, e retomam um romance que havia sido interrompido 20 anos atrás.

Mas, pouco a pouco, os dois vão percebendo que tudo mudou: não estão mais "em casa", não tem mais afinidades com as pessoas que reencontram, suas vidas não cabem mais alí e viraram estrangeiros em sua própria terra natal.

Aqui, mais uma vez, Mr. Kundera sobrepõe ao enredo considerações filosóficas e existenciais, sem que seu estilo perca a ludicidade, o despojamento e a precisão.

Com isso, seus personagens experimentam desencontros e desconfortos terríveis em situações aparentemente claras e inequívocas, mas, na verdade, profundas e confusas.


Logo após a virada do Século, Mr. Kundera deu sinais de que iria aposentar-se depois dessas 3 "novelas" adoráveis e exemplares.

Mas, repensou sua decisão, e em 2013 publicou mais uma "novella": A Festa da Insignificância, que -- dizem, não li ainda -- lembra muito A Grande Beleza, o magnífico filme de Paolo Sorrentino -- sobre Roma.

Só que a ação se passa em Paris, e mostra de um grupo de amigos que sobreviveram ao Stalinismo e ao Século 20, que fazem observações sobre o mundo frívolo e o cotidiano vazio sem sentido que os cerca.

Ao menos, é isso que diz a contracapa do livro.

Sendo assim, peço licença a vocês para encerrar este texto ligeiro por aqui, e começar a ler A Festa da Insignificância, antes que minhas férias acabem.


 

Chico Marques devora livros
desde que se conhece por gente.
Estudou Literatura Inglesa
na Universidade de Brasília
e leu com muito prazer
uma quantidade considerável
de volumes da espetacular
Biblioteca da UnB.
Vive em Santos SP, onde,
entre outros afazeres,
edita a revista cultural
LEVA UM CASAQUINHO




Friday, April 22, 2016

CAFÉ E BOM DIA #21 (por Carlos Eduardo Brizolinha)



Meu encantamento com Rabelais surgiu ocasionalmente.

Desprovido de recursos no final dos anos 70 coletei alguns livros num bazar.

Paixão imediata pelo padre e médico francês do Renascimento, que usou também o pseudônimo Alcofribas Nasier (um anagrama de seu verdadeiro nome).

Ficou para a posteridade como o autor das obras primas cósmicas Pantagruel e Gargântua, que exploravam lendas populares, farsas, romances, bem como obras clássicas.

O escatologismo é usado para condenação humorística.

A exuberância da sua criatividade, do seu colorido e da sua variedade literária asseguram a sua popularidade.

Erudito apaixonado pelo saber, de espírito ousado e com propensão para as novidades e para as reformas.

O humor escatológico e as suas narrativas cósmicas abriram-lhe o caminho para a perseguição.

A sua vida estava dependente do poder de várias figuras públicas, nos tempos perigosos de intolerância que se viviam na França.

Por ordem da Sorbonne, viu confiscados os seus livros.

Pretendeu libertar as pessoas da superstição e das interpretações adulteradas.

Em Gargantua e Pantagruel (1532-52), François Rabelais escreveu uma utopia imaginária onde seu princípio era “Faça Como Queira”, lugar no qual não havia governantes ou governados.

Graças a esta contribuição literária, bem como aos seus questionamentos críticos de fundo ético através da sátira aos governantes de seu tempo, Rabelais é considerado por alguns anarquistas, entre eles Voltairine de Cleyre, um importante precursor do pensamento ácrata no final do medievo.



“Obra em Negro” retrata uma Europa em convulsão devido a um choque ideológico, religioso, político, econômico e social como pano de fundo.

Marguerite Yourcenar descreve ao longo deste livro três partes, usando o questionamento existencial de Zenão, que é o próprio drama existencial da Europa num cenário caótico de um cisma religioso, de onde emergem seitas dispostas a matar e a morrer pela sua verdade que creem ser absoluta.

Enquanto isso, nos bastidores, de forma sub-reptícia a riqueza aparentemente infinita da banca seduz os Reis que perseguem com objetivos expansionistas, ao subsidiar-lhes as guerras que lhes satisfazem o desejo insaciável de poder.

A burguesia toma o freio nos dentes e ameaça rivalizar com a aristocracia pela posição dominante da sociedade.

Afinal a História, com todas as suas dissoluções e reedificações, nada mais é que a história da circulação das elites, que mexem as forças oculta desencadeadores do caos que gera a mudança.

Lemos na “Obra em Negro” uma certa modificação naquilo que compõe o tecido social das elites com as ascensão da burguesia, com tudo aquilo que tem de positivo (o desenvolvimento científico e o apoio às artes, libertação da servidão) e de menos positivo (uma maior dependência do estado do setor financeiro).

Mario Monicelli em “O Incrível Exército de Brancaleone” apresenta o sistema da sociedade feudal da Idade Média.

Mostra as estruturas políticas, religiosas, culturais e mentais da época em que se passa.

Brancaleone, um cavaleiro que apesar do título vive em uma cabana pobre com seu insubordinado cavalo Aquilante deixa bem clara a hierarquia medieval onde mais importante do que a situação financeira era a classe social.

Quatro amigos maltrapilhos roubam um pergaminho que dá ao seu possuidor o direito de tomar o feudo de Aurocastro.

Mesmo sendo os novos donos do papel eles não podem tomar posse da região porque são meros servos.

Para isso eles recorrem ao falido cavaleiro em busca de um acordo pelas terras.

A atividade comercial é representada por Habacuc, um velho judeu que sabe ler e viaja carregando seu imenso baú cheio de mercadorias.

Bom negociador e esperto ele logo se interessa pelo pergaminho e apresenta os maltrapilhos à Brancalone visando obter algum lucro da situação.

Como na Idade Média a única maneira de tornar-se nobre ou adquirir uma herança era se casar com a filha de um senhor feudal, Brancaleone vai participar de um torneio de cavalaria cujo premio era o saudoso e desejado casamento.

Como era pobre e não possuía equipamentos de qualidade, que custavam caro, Brancaleone acaba perdendo e é obrigado a aceitar a proposta de dominar o feudo de Aurocastro e dividir suas riquezas com os donos do pergaminho.

CAFÉ ONDE A SERIEDADE E O ESCRACHO DÃO AS MÃOS NA MANHÃ DE SEXTA

Carlos Eduardo "Brizolinha" Motta
é poeta e proprietário
da banca de livros usados
mais charmosa da cidade de Santos,
situada na Rua Bahia sem número,
quase esquina com Mal. Deodoro,
ao lado do EMPÓRIO SAÚDE HOMEOFÓRMULA,
onde bebe vários cafés orgânicos por dia,
e da loja de equipamentos de áudio ORLANDO,
do amigo Orlando Valência.


Friday, November 27, 2015

CAFÉ E BOM DIA #5 (por Carlos Eduardo "Brizolinha" Motta)


Em 1983, a escritora belga Marguerite Yourcenar travou uma relação um tanto curiosa com ninguém menos que Michelangelo, grande artista do Renascimento italiano, considerado divino ainda em vida, transformado em mito no momento de sua morte, mas a quem Marguerite Yourcenar, sem dúvida, imortalizou. A escritora de língua francesa toma Michelangelo para si, e ela mesma lhe dá a voz. Ela abre mão da passividade biográfico-narrativa do escritor diante de seu objeto. Ela lhe devolve a voz através de sua própria voz; lhe devolve a vida através de sua própria vida. Ela assume a primeira pessoa e quem fala não é mais Marguerite de Crayencour – anagrama imperfeito de Yourcenar. É Michelangelo quem lhe toma a voz, ou ao contrário: ela é quem toma a voz de Michelangelo, como quem rouba uma parte vital de alguém que lhe permite o surrupio com sorriso macio no rosto. “Sistina”, capítulo de “O Tempo, esse grande escultor” é uma narrativa delicada, com tom de confissão, entoada pela voz do artista forçado pelo papa a executar a pintura que seria um sucesso no momento imediato de abertura da capela ao público. É um relato de alguém que parece lidar com um tumulto de conflitos entrelaçados e que já se confundem. Ou melhor: tudo isso é uma bela farsa; Michelangelo não escreveu absolutamente nada daquilo. São escritos que revelam um gosto especial pela apreensão da essência do outro. Talvez seja um desejo de pertença tão agudo que a única maneira de ter e ser Michelangelo seja dando-lhe ou tomando-lhe a voz. Marguerite Yourcenar não está em momento algum se comprometendo em forjar uma nova face para o artista italiano; não pensa em criar um grande vulto para a História, porque ele já o é. Seu empenho parece ser apenas em dar vida ao artista através de substância literária, com a massa da palavra. Em 1980, Marguerite Yourcenar seria a primeira mulher integrante da Academia Francesa.


Daquelas manhãs que acordamos com a roupa do dia pendurada, porque há sempre um quê de loucura no amor, mas também há o seu quê de razão na loucura. Tanto quanto Nietzsche , estou bem com a vida, creio que para saber da liberdade não há como as borboletas e bolhas de sabão, e o que se lhes assemelhe entre os homens. Com roupa bem talhadas, protegidas por uma boa capa, guardo nos bolsos largos alguns jogos de palavras, soluções gramaticais, generalizações de fatos muito estreito, muito pessoais e sorriso de Mona Lisa. Borrifo o apocalipse de São João, pego uma carteira com Nietzsche e tomo meu café ouvindo Cole Porter, suspiro desejando BOM DIA



Carlos Eduardo "Brizolinha" Motta
é poeta e proprietário
 da banca de livros usados
 mais charmosa da cidade de Santos, 
situada na Rua Bahia sem número, 
quase esquina com Mal. Deodoro, 
ao lado do EMPÓRIO SAÚDE HOMEOFÓRMULA,
onde bebe seu cafezinho orgânico,
e da loja de equipamentos de audio ORLANDO,
do sempre antenado Orlando Valência