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Antes de qualquer coisa, desculpe se hesito em chamar “Into the Woods” de “Caminhos da Floresta”; ainda preciso me acostumar. Como apreciador da obra de Stephen Sondheim, acho que seus espetáculos têm títulos que falam por si só, aceitando mal as traduções ou versões. De “Company” (1970) a “Sunday in the Park with George” (1994), passando pelo intraduzível “Merrily We Roll Along” (1981), soa melhor em inglês. Neste caso então, pela própria história, caberia melhor um “Era Uma Vez...” que, aliás, é a frase que inicia o filme: “Once Upon a Time...”.
Enfim, “Caminhos da Floresta” é a adaptação para as telas do espetáculo “Into the Woods” (1987), que tem libretto de James Lapine - que assina também o roteiro desta adaptação - com músicas e letras de Stephen Sondheim e que, quando de sua estreia na Broadway recebeu, entre outros, três dos dez Tonys Awards a que concorria (justamente para Libretto, Música/Letras e Atriz, para Joanna Gleason, a Mulher do Padeiro), e cinco de treze Drama Desk Awards (Melhor Musical, Libretto, Letras, Atriz Coadjuvante para Joana Gleason e Ator Coadjuvante, para Robert Westenberg, o Lobo e o Príncipe da Cinderella). Ou seja, estreou em grande estilo, e já teve inúmeras remontagens pelo mundo todo - incluindo o Brasil - e chegando até a ser gravado, podendo ser encontrado em DVD em lojas no exterior.
E mesmo assim, demorou quase 30 anos para chegar às telas de cinema. Mas entende-se. Primeiro, a dificuldade em se adaptar um musical às telas, para atender às plateias do século XXI - até o icônico musical “Annie”, que retrata a Depressão norte-americana da década de 1930 foi atualizado este ano, com resultados (parece) duvidosos -; em segundo lugar, transformar contos de fadas revisitados em matéria atraente ao público mais arisco do cinema, os adolescentes, sem perder de vista o público espontâneo - adultos que conhecem / gostam da obra de Sondheim - não é exatamente a coisa mais fácil de se atingir.
A solução foi trazer o autor do libretto para roteirizar o longa, entregar a direção a um especialista em musicais - Rob Marshall, diretor do último musical a ganhar o Oscar de Melhor Filme, “Chicago”, em 2002, além de mais cinco Oscars e mais sete indicações - e acentuar o que o original tinha de melhor, além da trilha sonora: o humor.
O partido adotado, principalmente para a personagem de Meryl Streep, foi a tolerância zero para a estupidez, o que acaba gerando diálogos antológicos no filme. O roteiro é uma junção de várias estórias dos irmãos Grimm, numa trama original que junta um Padeiro e sua Esposa que não conseguem ter filhos (James Corden e Emily Blunt, com uma voz impressionante), amaldiçoados por uma Bruxa (Meryl Streep), que têm que cumprir uma série de tarefas para que o feitiço se reverta. Ao mesmo tempo, acompanhamos a menina do Chapeuzinho Vermelho (Lilla Crawford, a última “Annie” da Broadway), às voltas com o Lobo (Johnny Depp, fazendo “Johnny Depp” à perfeição), a caminho da casa da avó; João, seus feijões mágicos (Daniel Hittlestone) e sua Avó (Tracey Ullman); Rapunzel (Mackenzie Mauzy) e Cinderella (Anna Kendrick, outra boa surpresa cantando uma partitura tão elaborada) e seus respectivos Príncipes, Billy Magnussen e Chris Pine (que também surpreende no canto), além da Madrasta (Christine Baranski) e suas filhas (Tammy Blanchard e Lucy Punch), todos envolvidos numa história que aproveita o melhor - e o pior - de cada um deles. E que mostra também o outro lado da moeda, ou seja, o que acontece depois do “... E Foram Felizes para Sempre!”.
Mas nada funcionaria se, além do dedicado elenco, a trilha não fosse tão integrada à ação das cenas. Alguns dizem que esta trilha de Sondheim é a que menos tem canções marcantes. Esta não é minha opinião; apenas lembrando, fazem parte deste espetáculo as canções “Giants in the Sky”, “Children Will Listen”, “No One Is Alone” e “Agony”, só para citar algumas. Basta ouvi-las para que passem a fazer parte de sua memória auditiva indelevelmente. “Agony”, por exemplo, é uma das canções de letra mais divertida que conheço, principalmente se comparadas as duas versões que existem no espetáculo (apenas a primeira é mantida no filme). A canção, basicamente, coloca em confronto os dois príncipes da história, num duelo de duas crianças mimadas e voluntariosas, divertidíssimo.
E, se nada mais desse certo, ainda assim teríamos Meryl Streep. Parece “chover no molhado”, mas ela consegue fazer com que nossos olhos não se despreguem da tela enquanto ela está presente na cena. E ela sabe como fazer uma entrada! E, neste filme, também uma saída! (SPOILER) E quando sua transformação finalmente acontece, é para Prada nenhuma botar defeito!
Enfim, não é um filme para todos - os adolescentes podem alegar que “tem gente cantando” demais - mas é, definitivamente, para aqueles que apreciam uma produção impecável (design de produção, de Dennis Gassner; figurinos, de Colleen Atwood; e fotografia, de Dion Beebe, de tirar o fôlego), com música de qualidade e um elenco eficiente e dedicado. (SPOILER) Talvez se o final não fosse tão “disneyficado”, a sensação seria um pouco mais ácida, mas também um pouco mais próxima do espetáculo original. Imperdível para fãs de musicais.
Em tempo: devidamente esnobado pela Academia, o filme está concorrendo apenas aos prêmios de Melhor Atriz Coadjuvante (Meryl Streep em sua 19ª indicação), Figurinos (Colleen Atwood) e Design de Produção (Dennis Gassner).
(foto: Rob Marshall, Meryl Streep, Stephen Sondheim)
"Caminhos da Floresta” (Into the Woods)
Direção: Rob Marshall
Roteiro de: James Lapine
Com: Meryl Streep, Emily Blunt, James Corden, Anna Kendrick, Chris Pine, Tracey Ullman, Christine Baranski e Johnny Depp, Lilla Crawford, Daniel Huttlestone, MacKenzie Mauzy, Billy Magnussen, Tammy Blanchard, Lucy Punch, Frances de la Tour, Simon Russell Beale, Richard Glover, Joanna Riding, Annette Crosbie.
Baseado na peça musical “Into the Woods”, de Stephen Sondheim e James Lapine.
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