Friday, October 26, 2018

O FILME DESTE FIM DE SEMANA: "PRIMEIRO HOMEM" (por Fábio Campos)


Nostalgia é um componente sempre presente na obra de Damien Chazelle. Whiplash é praticamente um lamento à morte dos anos de ouro do jazz e de seus grandes ícones -- e, ao mesmo tempo, uma crítica à preguiça do público e dos músicos atuais. Depois veio La La Land e a coisa ficou ainda mais explicita na homenagem aos musicais já quase extintos no cinema atual.

Com Primeiro Homem Na Lua, a nostalgia continua. Desta vez, Chazelle aponta para um momento icônico da história americana: a conquista do espaço.

A euforia do pós-guerra vai dando lugar à desconfiança com o governo por conta da Guerra do Vietnã, a guerra fria vai ficando mais intensa e os russos elegem a conquista espacial como símbolo de uma suposta supremacia sobre os americanos.

Com o projeto Gemini, o Governo Americano inicia os esforços para reverter a sequência de pioneirismos russos, tendo como meta o plano arrojado de, em poucos anos, colocar um homem na superfície da lua.



O filme narra essa corrida, sempre focado na figura de Neil Armstrong, o conhecidíssimo “primeiro homem a pisar na lua”. As etapas que vão sendo vencidas desde sua seleção para o projeto até o famoso voo da Apollo XI -- os desafios, os fracassos, os traumas, o relacionamento com os outros astronautas e técnicos -- sempre são mostrados sob a perspectiva de Armstrong e de sua família.

Se o tema em si já é nostálgico, ainda temos um outro componente muito interessante, pois fica evidente o contraste da personalidade contida e fechada de Neil e o culto à celebridade de hoje.


O símbolo de uma das maiores conquistas humanas -- mesmo hoje, quase 60 anos depois -- não visava o protagonismo. Armstrong sempre agiu como um operário dentro do projeto. Nunca se importou se seria ele ou não o tal “Primeiro Homem”.

Nada mais contrastante com a cultura atual onde há um desespero por protagonismo, mesmo sem nada de especial pra contar. Apesar de pouco mencionado acho esse um aspecto essencial do filme.




Apesar das críticas, gosto da atuação contida, sem expressão, do Ryan Gosling. Ressalta a personalidade reclusa, intensificada pela perda da filha, de Armstrong. Um ponto que eu desconhecia da biografia dele.

Também gostei bastante da Claire Foy. Apesar da limitação do papel secundário de esposa de astronauta ela consegue mostrar um outro ponto de vista, refletindo o conflito entre a incerteza da volta do marido a cada missão e o orgulho de fazer parte daquilo, mesmo que de forma indireta.

Na parte técnica, o desenvolvimento do projeto Gemini até o Apollo e a chegada à Lua são muito bem desenvolvidos, focando no relacionamento entre os astronautas e nos desafios técnicos sem entediar o espectador -- apesar de isso ter sido melhor executado em Os Eleitos (The Right Stuff, 1983) de Philip Kaufman, baseado no romance reportagem homônimo de Tom Wolfe -- ainda hoje, o melhor filme sobre a conquista do espaço que eu assisti. Uma pena que não está disponível no Netflix, pois foi muito pouco visto nos cinemas e muita gente ainda não o conhece.

Apesar de não suplantar Os Eleitos, Primeiro Homem é um filme obrigatório para os fãs da corrida espacial, e também não faz feio para quem simplesmente está a fim de assistir um bom filme -- especialmente os fãs do diretor Damien Chazelle, que vem construindo uma carreira sólida, apesar de ainda bem jovem.



O PRIMEIRO HOMEM NA LUA
(First Man, 2018, 142 min)

Direção
Damien Chazelle

Roteiro
Josh Singer

Produção
Wyck Godfrey
Marly Bowen
Damien Chazelle

Elenco
Ryan Gosling
Claire Troy
Kyle Alexander
Pablo Schreiber
Claire Stoll
Cory Michael Smith
Jason Clark
Christopher Abbott

Cotação

em cartaz nas redes
Roxy, Cinemark e Espaço de Cinema


Fábio Campos convive com filmes e música
desde que nasceu, 52 anos atrás.
Seus textos sobre cinema passam ao largo
do vício da objetividade que norteia
a imensa maioria dos resenhistas.
Fábio é colaborador contumaz
de LEVA UM CASAQUINHO.





EDUARDO CAVALCANTI SAÚDA OS 50 ANOS DO ALBUM BRANCO DOS BEATLES


Eduardo Rubi Cavalcanti
é jornalista desde a década de 80.
Trabalhou em A TRIBUNA de Santos
e em outras publicações.
É Mestre em Comunicação Social
pela Universidade Metodista de São Paulo
e leciona Jornalismo na Unisantos,
onde cursou sua graduação.
Publica domingo sim, domingo não,
em A TRIBUNA de Santos,
a página PRÓXIMA PARADA,
que reproduzimos aqui.




PEGA FOGO, O CABARÉ (por Marcelo Rayel Correggiari)



Olhem o perigo das coisas!
A 48 horas de um pleito presidencial que anda valendo discurso de ódio e gente se estapeando (literalmente!) nas ruas (na melhor das hipóteses), nosso querido editor desse nobilíssimo Leva um Casaquinho fez a convocatória para o retorno às atividades costumeiras.
Brincadeiras (dessa perdida Mercearia) à parte, justamente num período em que, no caso de palavras tanto bem quanto mal usadas, todas as situações de litígio andam sendo resolvidas ‘no tapa’ (literalmente!).
Já sabem: domingo, agora, à noite, o Cabaré começa a pegar fogo, sem hora para acabar.

A estupidez nos últimos pleitos anda fazendo saudade diante da ignomínia estarrecedora comportamental nacional da disputa eleitoral desse ano.
É de cair o queixo!
É de absurdar como é que chegamos nesse ponto.
É de estarrecer como a população brasileira coloca, no segundo turno presidencial, tanto de um lado quanto de outro, o que há de mais espúrio em termos de populismo extremista.
É de estarrecer como pode o eleitorado brasileiro, independente de medos e fraquíssimas indignações, colocar em escolha numa ‘segunda rodada’ o que havia de pior em termos de opções.
E olha que havia opções em harmonia com o cunho político-ideológico de sua preferência.
Desde o início da “Nova República” (1985), ou da ‘redemocratização’ (falácia que recebeu tal nome em que pese a base material do golpe de 1964 estar  t-o-d-i-n-h-a  aí, inclusive com certa fauna pertencente a tal período... ninguém largou o osso!), nunca uma eleição apresentou opções bem mais saudáveis comparadas a pleitos anteriores.
E o eleitorado brasileiro colocou, no segundo turno, justamente o que havia de pior.
Ora, dai-nos paciência! Era a coisa mais dócil de se escolher: se você era conservador, o Meirelles; no caso de ser liberal, o Amoêdo; se você fosse mais à esquerda, o Ciro.
Dos três, somente Ciro teve algum sucesso (12% do eleitorado). O resto virou ‘traço’ na contagem final dos votos. E escolheram justamente o populismo extremista como “... opção para o futuro da nação!”.
Uma cegueira monumental! O povo provou que não conhece patavinas de ‘cunhos político-ideológicos’. Nada! Nada, nada!!! Sequer procuraram saber qual a origem clássica do conservadorismo, do liberalismo e/ou ‘da esquerda’.
Foi a análise mais rasa que poderia ser produzida. Resultado diferente: esqueçam! É isso que está aí para o próximo domingo. Um troço de doer.
Num país sem boa intelectualidade, que estragou o cérebro e o fígado ‘entra em campo’, não há outra saída que não seja ver o Cabaré em polvorosa! Uma espécie de ‘zona no puteiro’, sem hora para acabar.
Lamentável! Em especial com o resultado dos extremistas continuarem sua prática de intimidação, falácias e populismo que não fazem nada além do que ‘irmão matar irmão’ sem a menor cerimônia se estão em casa ou no meio da rua.

Alguns diriam: “Ah... mas desde que o mundo é mundo, sempre teve extremismo num monte de coisas!”.
OK! Até concordo. No século V a.c., fazia todo o sentido do mundo as pessoas se engalfinharem em vias públicas, leitos carroçáveis e o escambau. Até poderia se entender questões de litígio serem resolvidas no fio da espada.
Mas no século XXI?!? Por má utilização do cérebro?!? Aí, é dose para elefante!
Voltamos a repetir, querido(a) freguês(a): havia opções para conservadores, liberais e ‘de esquerda’ muuuuuuuiiito melhores do que essa pantomima macabra extremista de domingo.

Então, vamos lá, pléiade de cérebros privilegiados: vocês realmente acham que votando nesse, ou naquele, partidos políticos como MDB, PT, PPS PDT, PTB, PSDB, PUC, PLOC e a PQP vão realmente “ser varridos do mapa para sempre”?!?
Vocês realmente acreditam que do jeito que o trem rachou (e não tem conserto!) vocês “varrerão” esquerda e/ou direita “do mapa”?!? Olá! Qual o conceito de vida democrática que habita vossos córtex frontal e insular, por tudo quanto é mais sagrado?!?
É o maior descolamento da realidade na casa dos cem milhões que já existiu na face da Terra. Se bobear, supera os EUA. Alucinação pura!
Então, vamos lá, caríssimos(as): alguém aqui consegue explicar como é que TODO PAÍS QUE ANUNCIOU AUTOSSUFICIÊNCIA EM PETRÓLEO CAIU EM DESGRAÇA?  T-O-D-O-S!!! Ou ficou à mercê de regimes totalitários sanguinários que não respeitam nem um pouquinho o tal “Estado Democrático de Direito”?!?
Em nome de quê, mesmo?!
Tradição?! Bons costumes?! Medo da ‘esquerda’?! Fé?! Corrupção?! Vida pública saudável?! Luta de classes?! Bom mocismo?! Propriedade?! Resgate das instituições?! Instituições?!
‘Hã’?! Mas em qual planeta vocês moram?!
Curiosíssimo! Mas não aguentam um diagnóstico de câncer no pâncreas ou ELA e saem com esse tipo de argumentação?! Dá para elaborar um pouquinho mais?! Vai ser isso?!

Tentando pensar como um “eleitor de centro” (espécie da fauna que é a maioria pelas bandas de cá), não restou nada que, desde 7 de outubro, não seja sentar no meio-fio e cair em prantos. O eleitor nacional teve a manha de “renovar a política” saindo da famíla ‘coroné’ para cair na família ‘buscapé’.
É de estarrecer o talento brasileiro de “... só mudar as moscas”.
Vai ser isso?!
É de estarrecer o “fôlego dissertativo” presente nessas jaboticabinhas “100% made in Brazil” da estatura: “... sou conservador(a) nos ‘costumes’, mas liberal na economia”.
Ora.. dá licença!
É o mesmo que, torcedor fervoroso do Peixe, abrir uma exceção para torcer para o adversário toda vez que for contra o Santos.
Não, filhão! Não, filhona! Isso não existe! Se você é conservador(a) nos ‘costumes’, vai ser conservador(a)’ também na economia! Se você é liberal nos ‘costumes’, vai ser liberal igualmente na economia! Não tem como você ser conservador(a) na economia e liberal nos ‘costumes’. Isso é hímen em lupanar! A probabilidade é bem próxima de zero.
Como pôde o eleitor brasileiro colocar o país em rota-de-colisão, agora, no domingo, com esse tipo de argumentação!
Não, filhão! Não, filhona! Se você é conservador(a) nos ‘costumes’ e liberal na economia, você não é nem uma coisa, nem outra. Não sabe o que é conservadorismo, muito menos liberalidade. Ou podemos concluir que, na economia, não existe economia planificada, nem conservadora: só existe economia liberal, o que empurra os costumes se tornarem profundamente liberais. É óleo na água: não dá mistura homogênea.
Tentando intuir como um “eleitor de centro”, o que passa na cabeça do eleitorado brasileiro em enfiar goela abaixo o que há de pior em termos de populismo extremista no próximo domingo quando tínhamos opções, a saber, conservadora (Meirelles), liberal (Amoêdo) e ‘de esquerda’ (ou centro-esquerda)(Ciro)?!?
Apesar de “... longe do ideal”, tínhamos boas opções de candidaturas que possuíam UM PROJETO DE ESTADO, coisa que esse país anda precisando “... ‘pra’ ontem!”. Podia ser somente um esboço, mas havia. E isso foi jogado na lata-do-lixo por qual motivo, mesmo?! V-i-n-g-a-n-c-i-n-h-a   h-e-p-á-t-i-c-a?! “Ai...! ‘Tô’ com raivinha! Eles são muito safados... roubam muito!”.
É assim que se quer produzir um PROJETO DE ESTADO?! Com esse pensamento e arregimentação completamente baseados no ódio, como se um pleito fizesse desaparecer todas as pessoas que vocês não gostam e/ou desafetos?!

Nem é preciso dizer que isso é meio passo para a hipocrisia.
Uma das vantagens desse pleito é que finalmente o brasileiro tirou a máscara: é um povo que se faz de ‘Zé Carioca’ (o personagem da Disney), o “boa-praça”, o “alegre e feliz”, “amigo de todo mundo”, o “tolerante”... enfim, a maior farsa dos últimos 200 anos no hemisfério sul.
Não é à toa que nossa vizinhança sulamericana nunca nos leva a sério. Não tem como...
Finalmente o(a) brasileiro(a) será, a partir da próxima segunda-feira, o que sempre foi: um povo que saiu do armário e será ‘frontal’. Convenhamos: essa coisa de brasileiro ‘lateral’ era a maior farsa nacional produzida em nosso sagrado território.
Deve haver alguma vantagem em ser ‘frontal’: ‘lateral’ é que não dava para ser mais. Pensem nas vantagens: é menos carne no ‘churras’, só o peito do Peru na ceia de Natal, sem essa de “amigos para siempre” numa van para o litoral a fim de curtir o reveillon, pulando aquelas paupérrimas sete ondas na esperança de um ‘futuro melhor e brilhante’.
Sim! Não haverá mais a ‘família completa’ nas festas de fim-de-ano (exceto se o nível insidioso de intimidação conseguiu mantê-la unida, sinal franco de que a liberdade de escolha e pensamento é o que menos vale ‘intramuros’). Agora será “tudo por binóculos”. Quer ter novidades sobre aquele familiar que você tanto gostava, ou aquele amigo “de direita” ou “de esquerda”, procurem no ‘Livro de Róstos’ para saber das últimas (no caso, obviamente, de vocês não saírem bloqueando cão-e-gato).
A polarização não é sobre ‘estilos-de-vida’ ou posições diante dos fatos: o racha veio para ficar, produzido por argumentações com a profundidade de um pires.

E, para finalizar, o que absurda (mais ainda!) é como o eleitor brasileiro consegue, na Era de Aquário, preservar o que há de pior no Sebastianismo.
É quase como um Alcácer-Quibir aéreo, intangível, que paira sobre nossas cabeças mesmo que não queiramos.
O próprio eleito nacional que faz ‘o servicinho’. Percebem?!
Repete 1989 em 2018, ou algo semelhante, numa bazófia astronômica de “... pôr fim à sujeita e promover a renovação...”.
É exatamente com esses nomes que conhecemos bem essa merda.
Um ‘viva’ & ‘salve’ para a intelectualidade brasileira, ruim de ‘trabái’ até não poder mais, distante da população & ‘dis costa’ para a galera, incapaz de promover algum debate que prestasse e caindo na famigerada cilada do ‘eles, lá’ & ‘nós, aqui’.
É espantoso como chegamos no sectarismo, mas talvez pouco surpreendente se considerarmos a máxima de que nossos compatriotas “... acham que sabem...”.
Tem certeza?!
Pelo ‘jeitão’ da coisa, com essas opções de domingo (quando tínhamos opções!), ninguém realmente sabe de patavinas...

Mas isso, de repente, meio que já era de se esperar: massas populacionais descoladas da realidade e agindo hepaticamente nada mais mostram do que descrédito & desespero diante do engano de uma “propaganda democrática” em que a democracia faltou à aula.
O que poderia ser resumida numa frase...
... dois pontos:
“O que a ditadura militar não conseguiu destruir em 21 anos, a democracia tratou de fazer o resto do trabalho nos 33 anos seguintes”.

Nós, dessa destituída Mercearia, avisamos: nem o conservadorismo, nem o liberalismo e nem ‘a esquerda’ conseguem entender e desarmar um elemento constitutivo do tal chamado capitalismo moderno, a saber, a pauperização.
Bom entretenimento a todos no próximo domingo! Aproveitem o Cabaré em chamas! O Cabaré da Ilusão. Reiteramos que nós, dessa modesta Mercearia, não retornaremos a esse tema tão cedo, ainda por cima com o tipo de reação violenta que as pessoas andam tendo por conta do que se fala ou escreve tanto aqui quanto em qualquer lugar.
Num lugar incapaz de entender com clareza o que se ouve ou se lê, e ainda reage com violência principalmente quando não consegue compreender algo (uma crise cognitiva monumental!), nada mais resta do a manutenção do silêncio a fim de se salvar o próprio couro.
Semana que vem, voltamos à programação normal. E continuaremos na nossa misteriosa missão de ir além da ‘cortina-de-fumaça’ onde todo mundo se entretém em destilar ódio.
Porque ‘os gigantes’ são bem maiores.

Marcelo Rayel Correggiari
nasceu em Santos há 47 anos
e vive na mítica Vila Belmiro.
Formado em Letras,
leciona Inglês para sobreviver,
mas vive mesmo é de escrever e traduzir.
É autor de Areias Lunares
(à venda na Disqueria,
Av. Conselheiro Nébias
quase esquina com o Oceano Atlântico)
e escreve semanalmente em
LEVA UM CASAQUINHO





NEM TUDO ESTÁ PERDIDO (por Alvaro Carvalho Jr)



Nos idos de 1989 -- como esquecer? -- eu já estava com 43 anos e me preparava para votar -- imaginem! -- para presidente da República pela primeira vez. Quatro anos antes, em 1985, já vibrara com a vitória de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral, eleito com 480 votos derrotando o representante da Redentora, Paulo Maluf (de triste memória...), esse mesmo que está em prisão domiciliar, depois de anos e anos de tramóias. Eram os ventos democráticos que me entusiasmavam. O cheiro e a sensação de poder tocar a Liberdade, aquela mesma que me haviam arrancado desde os 18 anos e que agora, já pai de filhos, voltava para meu aconchego.

Surpreendentemente, entre os 22 candidatos (todos queriam ser presidente!!!), apresentava-se apenas uma novidade, Fernando Collor de Mello (outro de triste memória), o famoso caçador de marajás que conseguiu apenas caçar a poupança da população e acabou escorraçado do Palácio do Planalto pela mais fantástica 

De lá para cá a história vem se repetindo. Tem-se a impressão de que nós brasileiros temos uma enorme dificuldade de escolher nossos candidatos a presidente, deputado, governador ou sejá lá qual for o cargo. Vejam a nossa situação para domingo agora. Ficamos entre a cruz e a espada: nenhum dos candidatos é de preferência nacional e o vencedor será única e exclusivamente a vitória do menos ruim. Mesmo assim, dependendo da visão de cada facção política.Será que o aperfeiçoamento democrático exige que se sofra tanto para se construir um País, finalmente, justo, democrático e progressista?


Provavelmente sim. Mas, apesar dessa tormenta mental que se transformou esse voto domingueiro, ficam algumas lições que, esperamos, sejam aplicadas em novas eleições. Parece mentira, mas descobriu-se que sem grandes fortunas pode-se fazer uma campanha política. E nesse quesito, acredito que o Partido Novo foi o que se saiu melhor. Sem se utilizar do jogo sujo, conseguiu emplacar 8 deputados federais, quatro estaduais e um quase governador em Minas Gerais, onde seu candidato dá uma verdadeira surra no PSDB: mais de 30 pontos na frente!

Importante mesmo é que com a decisão do STF (à vezes eles acertam...), proibindo a doação de grandes verbas empresariais, os políticos foram obrigados a se repaginar. Sem empresas, portas foram fechadas para a corrupção. Assim, mais da metade dos candidatos não recebeu recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanhas (exatos 4.817 deles), um  alívio para os cofres públicos. Outro detalhe, este bastante interessante: o eleitor brasileiro não se deixa mais enganar pelos belos olhos e a grana dos candidatos apontados como vencedores. Tanto que Dilma Rousseff-PT investiu R$ 4,5 milhões na sua candidatura para senador e quebrou a cara. O mesmo aconteceu com Lúcia Vânia, PSB, que torrou a bagatela de RS$ 3,5 milhões e sifu! Tem mais: Danielle Cunha, filhota do indefectível presidiário, Eduardo Cunha, gastou R$ 2 milhões e não se elegeu deputada.Cristiane Brasil, cria do inimaginável ex-presidiário, Roberto Jefferson, tascou R$ 1,8 milhão na campanha. E também ficou de fora!!!! Aleluia!!!!

Fica, portanto, em aberto o final definitivo do tal financiamento de campanhas políticas, um desses absurdos que a gente não consegue entender. Partidos políticos são entidades particulares, com CNPJ e tudo e devem viver da contribuição de seus associados. Como o que acontece com os sindicatos, que são mantidos –em parte- pela contribuição de seus associados. Chegou o momento de o País acreditar mais em sua população, fechar asas, permitir que seus cidadãos sejam realmente livres e possam se organizar sem influências externas. Muitos ainda defendem a atuação do estado, um direito democrático, mas gostaria que matutassem um pouco sobre o assunto com mais seriedade e sem raízes paternalistas. Acredito que muitos mudariam de opinião...


Assim, depois de tantas ofensas, agressões verbais, um atentado, dedo no olho, cusparada, pontapé no saco, xingar a mãe e tudo mais, chegamos ao que mais importa que é o voto. Tiramos boas lições dessa campanha suja e dura que enfrentamos ao longo desses últimos meses e nunca, pelo menos que me lembra, conhecemos tão bem a hipocrisia e a moral dos candidatos. Infelizmente não primamos pela escolha no primeiro turno, mas isso é democracia. Quem vencer no domingo vai tomar posse e terá a obrigação de governar corretamente. As redes sociais estarão á nossa disposição. E, caso necessário, derrubamos mais um. Nisso, pelo menos, estamos ficando muito bons...

PS- Você que brigou com seu irmão, com seu pai, com a família, com o vizinho, com o amigo, a amante, a esposa e até com o vendedor de ovos, por favor, faça as pazes. Nenhum político e nenhuma ideologia merece que você alimente essas coisas negativas. Como dizia Eça de Queiroz, “as fraldas, como os políticos, devem ser trocadas regularmente. E sempre pelo mesmo motivo...”Adios.


Álvaro Carvalho Jr. é jornalista aposentado
e trabalhou para vários jornais e revistas
ao longo de 40 anos de carreira.
Colabora com LEVA UM CASAQUINHO
quando esquece que está aposentado.





TRÊS TEXTOS CURTOS E GROSSOS (por Germano Quaresma)



Literatura & Ideologia

Definitivamente não há qualquer relação entre postura politico-ideológica e talento literário. É um erro crer que só um medíocre abraçaria uma posição ideológica diversa da nossa. Eu faço aqui minha autocrítica e me declaro incondicional admirador de Gustavo Corção, Chesterton, Fernando Pessoa, Anthony Burguess e tantos.

Não acho que o fato de algum intelequituau brazuca apoiar o candidato fascista seja indicativo de escrotice, idiotice, desconexão dazideia ou incapacidade de exprimir seu pensamento em um texto. Creio mesmo que deva haver um novo Ezra Pound prestes a florar da sarjeta dos apoiadores dessa coisa. Se alguém souber, mim aviza, por favor. Que eu até agora só vi merda. Mas num perdi a fé.

Lista de Apoio

Hoje o meu nome saiu numa lista de apoio. Primeira coisa que fiz foi compartilhar a lista. Não que me seja confortável ou lucrativo, pode ser, dada a conjuntura política que se apresenta, inclusive perigoso. Mas, reafirmo: meu nome está na tal lista, e quero que este fato fique registrado. As minhas tomadas públicas de posição fazem coro ao fato de eu figurar na lista.

Vendo os nomes dos que estão comigo na tal lista eu acho que estou em ótima companhia. Admiro todas aquelas pessoas. Mas admiro, acima disso, o candidato a presidência Fernando Haddad, objeto de apoio das pessoas da lista. Se ele for eleito e decepcionar eu nunca vou negar que apoiei. Se quiserem publicar a lista pra quem quer que seja eu, de cabeça erguida, vou reafirmar que sim, faço parte. Ainda que me custe prestígio, integridade física, dinheiro. Nunca vou me chatear ou indignar com alguém que espalhe por aí que eu apoio uma causa que eu apoio mesmo. Sei que meus companheiros de luta têm a mesma altivez, o mesmo prazer de ser mencionados como partícipes dessa lista.

Dizer que voto é secreto, que não apoia ninguém, ou ficar brabinho quando vem à tona que se tomou tal ou qual posição, declarada num perfil público, só revela que a causa não é digna e que, no fundo, no fundo, a pessoa morre de vergonha de ser como é.

Poeminha Eleitoral

Não precisa ser petista
Que nem eu mesmo não sou
Mas quem se pretenda artista
Sabe que o Coiso é um cocô




Germano Quaresma, ou Manoel Herzog,
nasceu em Santos, São Paulo, em 1964.
Criado na cidade de Cubatão,
trabalhou na indústria química
e formou-se em Direito.
Estreou na literatura em 1987
com os poemas de Brincadeira Surrealista.
É autor dos romances
A Jaca do Cemitério É Mais Doce (2017),
Dec(ad)ência (2016), O Evangelista (2015)
e Companhia Brasileira de Alquimia (2013),
além dos livros de poemas
6 Sonetos D’amor em Branco e Preto (2016)
e A Comédia de Alissia Bloom (2014).
Este é seu mais recente trabalho publicado: 









MEDUSA NA AUGUSTA (por Flávio Viegas Amoreira)


Descubro um grande poeta brasileiro por semana, quando dou sorte um imenso.

Nesse inverno morno fui a um lançamento que era mais que necessário: no já mítico Cemitério de Automóveis ali onde a não menos Frei Caneca se entrega a Rua Augusta num eixo gozozo ímpar. A autora é antologia pura do fascínio de Sampa: Rita Medusa, górgona assustadora ao imbecis desavisados da sôfrega literatura brasileira. Nós felizardos acostumados com sua verve e poemas lançados em facebook agora podemos apontar de livro em punho: eis uma puta poeta que se dá ao mundo altura dos melhores de sua geração e já nascida gênio.



Chega de adjetivos!  Conheci-a faz década ali entre o Satyros e o Clube Noir brilhante exalando poesia maldita entre intermináveis baforadas: personagem de Jarry, Artaud, Breton na melhor tradição de Roberto Piva e Claudio Willer: uma destacada nesse mar de tibiezas e lugares comuns da poesia anêmica e “fofa”. Porque a noite é sábia e louca a poesia lhe faz morada.

Ali uma edição despojada, no osso da qualidade, sem firulas: “Hipnose para um incêndio” é conteúdo para citações, epígrafes, mestrado, doutorado, cabeceira: o caralho a quatro que reunião fodida da melhor poética que li em anos de farejo e cansaço...



Rita sem ser hiperbólico tem a pungência de Orides Fontela mesmo com outro estilo, da sanha narrativa de Maura Lopes Cançado e da esquecida Eugênia Sereno, sem falar em Hilda que agora foi engolida pela companhias das índias do mercado. Sem concessão, poemas que deveriam ser lidos em 2118 depois de rastrearmos a nanotecnologia do senso incomum, petardos duma imagética sem igual, sem igual mesmo de tudo que tenha lido desde que assisti qualquer filme de David Lynch.

Rita Medusa precisa ser lida, encomendem seu livro, a Editora Córrego marcou gol cósmico ao exigir sua divulgação!  Transponho aqui alguns pontos altos desse opus rascante visceral que vim lendo da Estação Consolação até o porto de Santos para não mais largar e ser seu maior propagandista!
Mede a altura do tombo
pra calcular o tempo que restará
pra contar quantas magnólias
foram detidas nos dentes
e altere os ângulos quando o mundo
devora a trama
que não mais sustenta
teu esqueleto suspenso nas alturas"
[ Anjo disfarçado de leão ]
"Faça a matemática
Das coisas inexatas
Mas deixa a conta paga
Na porta paradisíaca”
 [ Medicação ]
“eu procurava alguém para me desmanchar com a língua
ou olhos sem culpa ou vaidade
queria nascer em outro tom
só um café gelado e um corpo de nuvem
fogo fátuo em marionetes
sou perigosa para teus nervos?
batuque a comunhão em minhas focinheiras
e enfoque minhas bonecas loucas”
 [ Alegoria ]
“Pelas órbitas incuráveis
Manchar de vinho a película
esquecendo o anjo da banheira
e esperanças revoltas na sacada”
[ Atividade secreta dos ossos ]



Isso um pouco dessa estréia que não é estréia.  Rita Medusa nasceu poeta e ruminava para aos 38 anos se fazer permanentemente presente na cena. Fanopéia pura, vislumbres cataclismáticos, ode ao porvir, vibro ao descobrir essa persistência que se anuncia!

“Hipnose para um incêndio” é livro de poesia da década, aguardo outros que se coloquem mesmo patamar.

“tocando gaita
pra enxergar melhor as nuvens”
“benditos aqueles que a selvageria nina”

Poesia indomável a Perseu....


Poeta, contista e crítico literário,
Flávio Viegas Amoreira é das mais inventivas
vozes da Nova Literatura Brasileira
surgidas na virada do século: a ‘’Geração 00’’.
Utiliza forte experimentação formal
e inovação de conteúdos, alternando
gêneros diversos em sintaxe fragmentada.
Participante de movimentos culturais
e de fomento à leitura, é autor de livros como
Maralto (2002), A Biblioteca Submergida (2003),
Contogramas (2004) e Escorbuto, Cantos da Costa (2005).
Este é seu mais recente trabalho publicado: