Tuesday, March 26, 2019

SUMIDA DAQUI HÁ VÁRIOS MESES, NOSSA CORRESPONDENTE EM MADRID DÁ SINAIS DE VIDA E DE INDIGNAÇÃO



Madrid, 17 de Março de 2019,


Há dois assuntos atuais que me preocupam muitíssimo. Não, não é a destruição do planeta, nem a quantidade de plástico nos mares, nem a reservas mundiais de água e grãos... já sabemos que de uma hora pra outra vai tudo pro vinagre, de um jeito ou de outro...

Posso ser egoísta e politicamente incorreta, mas prefiro ocupar-me de assuntos que afetam a mim e às pessoas ao meu redor. E nesse balaio, como disse antes, há dois que me preocupam de especial maneira: o futuro do transporte nas cidades e a gentrificação dos centros urbanos.

Sobre o primeiro, depois de quase 14 anos pegando o transporte público em Madrid, estava a ponto de surtar. Já não aguentava mais a corrida diária de casa ao metrô, pagar quase 55 euros de vale-transporte (o que é relativamente barato, se comparado a outras cidades europeias); logo dentro do vagão, aguentar a cara emburrada das pessoas, os olhares, o cheiro de sovaco e de gordura dos casacos alheios às oito da manhã, e em casos muito desafortunados, um peido sorrateiro de algum(a) viajante... e não só isso, depois de chegar à minha estação de destino, caminhar quase 20 minutos até o escritório... Estava tão farta, que cheguei até me empolgar e me inscrevi numa auto-escola, mas depois, disse “a tomar por saco” e me decidi por um patinete elétrico. Vanguarda, o futuro do transporte urbano... Piada... As pessoas ainda não estão preparadas, assim que conto uma das minhas aventuras:

“No sé si estoy triste, enfadada, molesta o un poco de todo... Después de algo más de una semana yendo y volviendo del trabajo en patinete, fui insultada de la manera más vil y asquerosa.

Un TAXISTA con su Toyota Hybrid de matrícula azul me acerca y me grita a todo pulmón: "!!!!QUÍTATE DEL MEDIO, ¡¡¡¡¡¡GORDA!!!!!!"

Yo iba por mi carril-bici, en la Castellana, entre Cibeles y Colón, como manda la nueva ordenanza de Madrid. En fin, a lo que voy:

Después de pasar por una anorexia y una bulimia, que todavía tengo algunos achaques de vez en cuando, viene un taxista con su pinta de farlopero (nota da escritora: gíria para cocaínomano) y me insulta, ¿llamándome GORDA? Vale que yo llevaba un pantalón ancho (y 2 tallas más grande de la que suelo llevar) que no me favorecía en nada, pero hasta ahí, nos hemos pasado, señores. Es viejo el cliché de "se amable porque no sabes las batallas internas de cada uno" y yo odio toda esa onda de positividad y buen rollo, pero eso es fundamental en la vida. ¿Qué cuesta ser amable? Como la primera vez que salí a la calle en patinete y un conductor de autobús paró a mi lado y me dijo "mira, vete por el medio del carril bici, no te va pasar nada". Eso si se agradece y más de una persona currando el domingo noche.

Esto solo refuerza mi opinión sobre el TAXI DE MADRID y sus conductores, ya que esa no es mi primera aventura con ellos: prepotentes, arrogantes, maleducados y sinvergüenzas. Jamás volveré a coger un taxi en Madrid. No, no me dio tiempo a coger ni la matricula ni la licencia… Otra cuestión que me planteo es: me insultó por ir en patinete o por ser mujer y GORDA(??????) No lo sé, quizás por la dos, quizás por ninguna, no lo sé...”

Publiquei o texto acima, em forma de desabafo, nas redes sociais na semana passada. A questão do taxista ter me xingado, sim me doeu, mas me dói mais saber que os próprios taxistas reclamam e fazem greves, parando toda a cidade, porque querem uma divisão mais justa com os serviços dos aplicativo Uber e Cabify. Pô, malandro, se querem prestar a ser o único serviço privado de transporte, convém que pelo menos dessem motivos para sê-lo. Mas enfim, foi uma mera anedota infeliz e vou seguir usando o meu patinete, e agora vi que em Santos foi aprovado o uso deste veículo. Em Madrid, cidade onde não há uma cultura ciclista (como em Amsterdam, por exemplo, onde a bicicleta tem prioridade sobre o pedestre), os patinetes podem circular na faixa ciclista (outra piada da Prefeitura de Madrid, que depois de muita pressão dos coletivos ciclistas, fez nas coxas as faixas-ciclistas, que nada mais são uma faixa da via à direita, onde pode--se ir ao máximo a 30km/h). Mas ainda assim não nos respeitam.

Seja em Madrid, Santos, São Francisco, Pequim ou Bucareste, acredito que há lugar para todos os meios de transporte, e espero que podamos conviver de forma pacífica na selva caótica do trânsito urbano (ui, meu lado hiponga falando...) Galera (motorizada com o seu carrinho) de Santos, caso um patinete cruzar o vosso caminho, vamos respeitar e ter paciência. Pelo motivo X que seja, nem todos podem ir de carro, mas todos temos o direito de ir e vir....

E mudando de alhos para bugalhos...

Portugal... Ahhh Portugal, a terrinha... Embora não tenha família portuguesa, sinto-me especialmente atraída por Portugal, sei lá, pode ser pelo idioma ou porque o centro de Lisboa (aquela parte ali da Rua Augusta, Praça do Rossio) parece o centro de Santos, só que mais luxuoso... Ah, os portugueses então? Cada vez que vou, me sinto em casa, tão em casa, que paradoxalmente tenho mais vontade de ouvir música brasileira....

Bom, Portugal ilustra perfeitamente a minha preocupação sobre a gentrificação dos centros urbanos. Entre 2001 e 2019 visitei Portugal diversas vezes (sem mencionar a minha primeiríssima vez em julho de 1985) e nesse tempo só a minha preocupação só fez-se aumentar.

Em 2001, quase não havia turistas, bom no Porto, porque em Lisboa sempre teve (não como atualmente, nem como em outras cidades como Roma ou Londres, mas sempre teve).  Naquele longínquo 2001, na Ribeira do Porto, você via um grupo de ingleses, um casal de alemães por aqui, uns franceses por aí... Mas nada como hoje em dia, onde é quase impossível fazer um passeio pelo Douro ou pegar o Elevador de Santa Justa em Lisboa, por exemplo, de tanta gente.

Nesses últimos anos, o turismo em Portugal explodiu, graças ao declínio de certos destinos por culpa do terrorismo, as aero linhas low-cost, ou simplesmente por moda. E essa explosão levou ao boom dos apartamentos turísticos, o que encareceu o custo de vida e expulsou os moradores antigos das suas casas no centro (a tal da famosa gentrificação).

Pô, é muito bacana poder alugar um apartamentinho no centro Porto, perto da Ribeira, mas a que preço?  Que ali vivia gente velha ou jovem que teve que ir embora porque a máquina do dinheiro deve ser alimentada? Ou então a carestia dos preços? Em Lisboa; sentei com o meu namorado numa “esplanada” na Rua Augusta e nos cobraram quase 20 euros por 2 cafés e dois docinhos – quando eu vi a conta quase tive um enfarte. Sem falar que o comércio old school já não existe, agora é tudo Zara, H&M, Intimissimi e etc... Em setembro do ano passado, quando estive no Porto, conversei com a menina motorista do Uber que me levou pra noitada e lhe disse que estava assustada com a quantidade de turistas, e comentei a minha experiência em 2001 e olhem o que ela me disse:

“Em 2001 eu estudava numa escola ali na Ribeira... alguns anos depois ainda estudante, tivemos que mudar de colégio, porque a nossa escola ia se transformar em um hotel...”

Com as palavras da minha Uber termino esta carta, algo a se pensar...

Besitos a todos y hasta pronto,
Juliana



Juliana Rosano nasceu em Santos SP em 1978,
e vive na Espanha há alguns anos.
Novas "Cartas Desde Madri" surgirão por aqui
ao longo das próximas semanas.


REFLEXÕES SOBRE UM VOTO A MAIS (por Fernando Gabeira)

publicado originalmente em O GLOBO
e no ESTADÃO (24 MARÇO 2019)


A Lava Jato fez cinco anos com impressionantes números internos e grandes repercussões na política continental, algo que não se destaca muito aqui, no Brasil. Mas na semana do aniversário sofreu uma derrota: por 6 votos a 5, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que crimes conexos ao caixa 2 vão para a Justiça Eleitoral.

Os políticos acusados de corrupção terão um alívio. A Justiça Eleitoral não está aparelhada para investigar, dificilmente colherá provas. Alívio maior ainda é saber que, mesmo com excesso de provas, como no julgamento da chapa Dilma-Temer, ela decide absolver.

Há um novo marco adiante: a votação da prisão em segunda instância. Se o grupo que resiste à Lava Jato vencer, trará alívio não só para investigados, como também para os presos.

A Lava Jato vinha de uma semana difícil com a história da fundação que usaria R$ 2,5 bilhões para combater a corrupção. Era dinheiro da Petrobrás a ser devolvido ao Brasil pelos Estados Unidos. Os procuradores compreenderam rápido que era melhor recuar da ideia e deixar que o dinheiro seja usado de acordo com prioridades democraticamente definidas. Mas os adversários souberam aproveitar o tropeço.

O ministro Gilmar Mendes chegou a afirmar que havia intenções eleitorais na decisão dos procuradores de usar o dinheiro contra a corrupção. E levou o nível da tarde ao de um programa do Chaves, chamando os procuradores de gentalha.

Creio que os ministros perceberam que derrotar a Lava Jato ia custar a todos uma certa oposição social. E de fato houve reação nas redes e na rua. Algumas reportagens indicavam que era uma reação de bolsonaristas contra o STF. Penso que transcende um grupo determinado.

Dias Toffoli compreende que está diante de uma situação grave. As sessões são públicas, a rede comenta e ataca os ministros. No entanto, sua reação de determinar inquérito no Supremo e escolher um delegado para conduzi-lo deu a impressão de estar com medo e isolado.

Com medo porque, de fato, o nível de agressividade aumenta, até com posições que fariam Rui Barbosa virar no túmulo: acabar com o STF. Isolado porque o Supremo é um órgão superior, existem estruturas judiciárias próprias para isso. Por que desprezá-las? Elas só desenvolvem inquéritos sobre acusações específicas, não uma hostilidade difusa contra os ministros.

Na verdade, Toffoli deu uma carteirada. Como em toda carteirada no Brasil, no princípio as pessoas ficam meio surpresas. Em seguida, pensando bem, conseguem ver as coisas nas dimensões legais.

O inquérito determinado por Toffoli pode ser contestado legalmente e, sobretudo, no campo político. Até que ponto procuradores e parlamentares que preparam uma CPI da Lava Toga não podem interpretar isso como uma tentativa de intimidação?

Não será o fim do mundo entregar os crimes conexos ao caixa 2 à Justiça Eleitoral, muito menos acabar com a prisão após julgamento em segunda instância. Se vão fazer isso, aguentem o tranco, sem apelar para saídas autoritárias. Quem anda pelas ruas não ouve críticas ao STF apenas de seguidores de Bolsonaro. Há algo mais amplo e potencialmente agressivo. E se a reação for essa que Toffoli lançou, as coisas podem ficar muito piores. Em vez de as pessoas lutarem contra juízes que veem apenas como cúmplices dos políticos, eles vão ser vistos também como autoritários e antidemocráticos.

Algumas previsões eleitorais temiam passos autoritários do governo. O Supremo e o Parlamento seriam contrapesos democráticos. Se o próprio Supremo avança o sinal, aumenta uma percepção de insegurança. Não creio que os parlamentares se vão intimidar.

O caminho escolhido por Dias Toffoli agrava a situação. Abre-se uma perspectiva para uma luta mais áspera ainda. Já chegamos ao nível do programa vespertino Chaves com a gentalha, gentalha de Gilmar. No programa, gentalha é um achado; no diálogo institucional, uma barbárie.

A Lava Jato continuará com apoio popular. A entrada de Sergio Moro no governo ainda é uma incógnita. Ela é baseada no propósito de ampliar o trabalho da operação, levá-la além dos seus limites com um conjunto de leis e uma nova atitude do Executivo. Todavia não é garantido que os parlamentares respaldem majoritariamente suas propostas. E parece haver no governo uma luta interna com potencial desagregador. As notícias que vieram de Washington, sobretudo a entrevista de Olavo de Carvalho, revelam uma linguagem também corrosiva, em especial quanto aos militares.

Se a maioria ocasional entre os ministros prevalecer e derrotar de novo a Lava Jato, certamente haverá reações. Toffoli mostrou-se um pouco sem norte nesta primeira etapa. Se insistir nesse tipo de resposta, tende a sair enfraquecido.

Uma nova derrota da Lava Jato também terá repercussões no Congresso e, pelo que ouço, o tom lá contra alguns ministros do STF tem a mesma carga emocional das ruas. Uma CPI da Lava Toga tem o potencial de trazer uma grande pressão, criar tensões institucionais. A luta ainda está longe do desfecho, mas vejo que pode ser áspera, com os políticos estimulados pelas ruas. O aspecto delicado é que ela tem o potencial de pôr em confronto, ainda que parcialmente, duas instituições com que contávamos como contrapeso democrático.

Será preciso muita maturidade para avançar daqui para a frente, máxime neste momento crucial de luta entre diferentes maneiras de tratar a corrupção. Não deveriam ser tão excludentes. Quando um ministro se coloca como inimigo da Lava Jato, perde a isenção, propõe, na verdade, um duelo com a maioria da sociedade e parte substancial do Congresso.

Tomar sucessivas decisões impopulares com um estilo de briga de botequim é uma escolha. O próprio STF, instituição destinada a resolver conflitos, transformou-se num núcleo conflitivo. Uma fábrica de crises entre um e outro chá.



Fernando Gabeira, escritor, jornalista e ex-deputado federal pelo Rio de Janeiro (1998-2010), nascido em 1941, é mineiro de Juiz de Fora e carioca por opção desde 1963. É pai de duas filhas: Tami e Maya. Destacou-se como jornalista, logo no início da carreira, na função de redator do Jornal do Brasil, onde trabalhou de 1964 a 1968. Os colegas de redação diziam que o estilo marcante dos textos de Gabeira podia ser reconhecido até em bilhetes. No final dos anos 60, ingressou na luta armada contra a ditadura militar. Foi preso e exilado. Em dez anos de exílio, esteve em vários países. Testemunhou no Chile, em 1973, o golpe militar que derrubou Salvador Allende. Mais tarde, retrataria a queda e o assassinato de Allende em roteiro para a TV sueca. Na Suécia, país onde viveu mais tempo durante o exílio, exerceu desde o jornalismo, principalmente na Rádio Suécia, até a função de condutor de metrô, em Estocolmo. Com a anistia, voltou ao Brasil no final de 1979. Nos anos seguintes, Gabeira dedicou-se a uma intensa produção literária, construindo as primeiras análises críticas da luta armada e impulsionando no Brasil temas como as liberdades individuais e a ecologia. Livros como O que é isso Companheiro, O crepúsculo do Macho, Entradas e Bandeiras, Hóspede da Utopia, Nós que Amávamos tanto a Revolução e Vida Alternativa apontaram novos horizontes no campo das mentalidades e colocaram na berlinda uma série de velhos conceitos da vida brasileira. Em 1986, candidatou-se ao governo do estado pelo Partido Verde e inaugurou uma nova forma de militância política. Os tradicionais comícios e passeatas, sisudos e cinzentos, ganharam uma nova estética. Dois momentos culminantes foram a passeata Fala, Mulher, que coloriu a avenida Rio Branco de rosa e a cobriu de flores, e o Abraço à Lagoa, em que milhares de pessoas deram as mãos em torno da Lagoa Rodrigo de Freitas, produzindo um dos momentos de maior força simbólica e plástica da cena política brasileira. Nos anos seguintes, Gabeira continuou jornalista, escritor e tornou-se um dos principais líderes do PV. Em 1987, cobriu em Goiânia o acidente radioativo com o césio 137 e escreveu seu décimo livro, Goiânia, Rua 57 – O nuclear na Terra do Sol. Sua atuação política e jornalística foi marcante em diversos outros fatos importantes da vida nacional, particularmente os ligados à questão ambiental, como a investigação do assassinato de Chico Mendes, a interdição da usina nuclear de Angra I por problemas de segurança e o encontro mundial dos povos indígenas em Altamira (PA). Em 1988, lançou o livro Greenpeace: Verde Guerrilha da Paz, uma reportagem-ensaio que apresentou ao Brasil a filosofia e os bastidores da maior organização ecologista do mundo. Em 1989, foi candidato a presidente da república. Gabeira era, já então, a mais visível liderança de uma nova opinião pública, mais escolarizada, mais atenta a questões ambientais, culturais e éticas. No mesmo ano, como jornalista, assistiu a queda do muro de Berlim. Em 1994, elegeu-se deputado federal pela primeira vez. (1998)(2002) Foi um dos mais influentes deputados do Congresso Nacional. Em 2006, foi o candidato mais votado no estado. Em 2008, Gabeira foi candidato a Prefeito e liderou uma onda verde no Rio que, apenas por pouquíssimos votos, não o fez prefeito da cidade. Em 2010, foi candidato a Governador e terminou a disputa em segundo lugar, com 20% dos votos. Tentando traduzir a importância de Fernando Gabeira na vida política nacional, a revista Veja escreveu que ele era “o guerrilheiro da lucidez, a materialização das utopias impossíveis”. É um grande elogio: não é fácil harmonizar lucidez e utopia.



FÁBIO CAMPOS ASSISTIU E RECOMENDA "NÓS", NOVO FILME DE JORDAN PEELE



Sempre tive um problema em relação a Corra!. Foi difícil aceitar o Oscar de roteiro quando eu torcia para Três Anúncios Para Um Crime, mas o Oscar e o filme elevaram Jordan Peele à categoria de celebridade. A grande maioria dos críticos se curvou ao filme, viu uma forte e elaborada metáfora ao racismo, enquanto eu só consegui ver um filme divertido com uma pegada forte de filme B. Agora veio Nós, que teve um trailer instigante, e eu fui assistir tentando compensar a má vontade que tive com o filme anterior.

O filme começa com uma garotinha que se perde dos pais num parque de diversões e vai parar num labirinto de espelhos – daqueles típicos de parques de diversões toscos – e então acaba encontrando com uma cópia de si mesma, numa cena deliciosa, que antevê o clima de tensão do filme.

Depois disso avançamos no tempo e reencontramos Adelaide, a garotinha já crescida – Lupita Nyong’o, num grande papel –, voltando para o mesmo lugar, agora com a família, marido e dois filhos, para a casa que foi de sua Vó.

Adelaide precisará encarar os seus traumas e voltar à praia e ao parque de diversões de anos atrás, mas o isso só serve pra manter o clima de tensão, nada de especial acontece, o problema começa quando eles voltam pra casa e uma família similar à deles aparece na frente da casa. Aí começa a tensão, já prevista no trailer. A família não é similar, são exatamente iguais a eles, exceto por um modo mais bruto de se comportar. Há uma necessidade de vingança, nunca deixada bem clara mas, vocês se deram bem e nós nos demos mal, isso já é um bom motivo pra conflito.




Esse conflito consigo mesmo é o que mantém a primeira metade do filme, a tensão de como escapar de si mesmo e a dúvida de como aquelas pessoas foram parar ali sustenta essa metade, o que não é pouco.

Aí, pra mim, vem a grande diferença entre Corra! e Nós. Em Corra!, depois da metade, o filme se torna escancaradamente uma homenagem aos filmes de terror B, algo que eu não consegui comprar totalmente e me fez sair do cinema um tanto incomodando. Em Nós não existe a necessidade exagerada de explicar, as coisas acontecem e a tensão está lá. Foi algo muito mais fácil de comprar do que no filme anterior.

O clima de tensão constante e muito bem construído me remeteu a filmes de Hitchcock, especialmente Os Pássaros. Quando o filme chega à luz do dia, as coisas passam a ser mais explicitas e os conflitos passam a ter de ser resolvidos na base da porrada, claro que Hitchcock nunca chegaria a isso, mas estamos falando com uma plateia complemente diferente daquela com que ele falava, é preciso algo diferente.



Assim como Corra!, é possível enxergar uma série de metáforas em Nós, se o filme anterior tratava explicitamente de racismo, Nós pode tratar de vários outros temas. É possível enxergar facilmente uma crítica à desigualdade e uma valorização da liderança – alguém pode levar a massa a algo muito maior do que ela consegue entender. Além disso há uma boa e divertida referência à cultura pop, criando situações divertidas no meio de toda a tensão.

Ao final de tudo isso, Peele consegue entregar um final engenhoso – algo muito raro em filmes de terror – que consegue nos deixar incomodados.

Jordan Peele é um daqueles amantes do cinema que tem referencias no passado, mas que estão dispostos a fazer cinema para as novas gerações e, levando em conta o resultado dos seus últimos filmes, é algo muito maior do que a maioria tem feito. Espero que isso continue na nova versão de Além da Imaginação que ele está preparando para estrear esse ano.



NÓS
(Us 2019)

Diretor
Jordan Peele

Escritor
Jordan Peele

Elenco
Lupita Nyongo'o
Winston Duke
Elisabeth Moss

Duração
1h 56m



Fábio Campos convive com filmes e música
desde que nasceu, 52 anos atrás.
Seus textos sobre cinema passam ao largo
do vício da objetividade que norteia
a imensa maioria dos resenhistas.
Fábio é colaborador contumaz
de LEVA UM CASAQUINHO.

EDUARDO CAVALCANTI COMENTA A "MEXICAN INVASION" EM HOLLYWOOD EM PRÓXIMA PARADA










Eduardo Rubi Cavalcanti
é jornalista desde a década de 80.
Trabalhou em A TRIBUNA de Santos
e em outras publicações.
É Mestre em Comunicação Social
pela Universidade Metodista de São Paulo
e leciona Jornalismo na Unisantos,
onde cursou sua graduação.
Publica domingo sim, domingo não,
em A TRIBUNA de Santos,
a página PRÓXIMA PARADA,
que reproduzimos aqui.




DIÁLOGOS DE PLANTÃO (por JR Fidalgo)


DIÁLOGOS DE PLANTÃO 





E agora?




E agora o quê?


O que você vai fazer?


Por que a gente tem sempre que fazer alguma coisa?


Por que é a ordem natural das coisas. Acaba uma coisa, começa outra.


Se é assim, a gente não precisa fazer nada, já qua as coisas simplesmente começam assim que as outras coisas acabam.


Não enrola. Você sabe do que eu estou falando.


Não, não sei do que você está falando e gostaria que você me deixasse em paz, aqui no meu canto. Eu não preciso fazer porra nenhma pra continuar existindo. Basta continuar respirando, é o suficiente. Será que você é tão idiota que não percebe isso?


Você vai acabar se intoxicando, tendo uma overdose.


De quê?


De tanto ar entrando pelo seu nariz.


Não seja estúpido.


– Tudo bem, então diz aí!


Diz aí o que, porra?


O que você vai fazer agora?


Nada, absolutamente nada. Vou ficar sentado aqui, quieto, bem quieto, respirando…


-Boa sorte, então.


Obrigado. Abra a janela antes de sair.





JR Fidalgo: um jornalista que tem preguiça de perguntar, um escritor que não tem saco pra escrever e um compositor que não sabe tocar. (mas que, mesmo assim, já escreveu três romances e uma quantidade considerável de canções ao longo dos últimos 45 anos)

AUGUSTA ERA SÓ E IMENSA (por Flávio Viegas Amoreira)



O quarto tinha sido arrumado pela diarista que a acompanhou por cinco anos gentis, tudo disposto com esmero sem tirar o jeito distinto de Augusta nesse mundo indiferente.  Pensei na meia dúzia de vasos com antúrios na pequena sacada, a estante brilhava de uso e eu perguntei ao zelador sobre os parentes distantes. Apartamento parecia ter o tamanho do seu despojamento:  lembrei do chá de erva-doce nos dias frios e a cerveja preta no almoço; deveras ela dizia, deveras.... Sábia não teve filhos não faltaram amantes nos anos antes do recolhimento e nenhum apego a animais domésticos, ela era sábia melhor adjetivo extenso a tudo que refletisse sua inquietação mansa.  Seria tão somente eu a remexer seus guardados....

- Ela deixou para o senhor essa mobília espero que tenha uso ´Seo Alfredo´.  Ela estimava sua família sua luta o carinho da sua esposa...

-  Levo a geladeira e fogão os moveis vão para meu sobrinho que casa Dr. Rodrigo

- Me ajuda abrir aquela cômoda e eu entrego a chave quando sair na portaria.  Vez ou outra eu passo por aqui saber de cartas e algum recado.  Forte abraço Alfredo.

Ela me acenava rapidamente, por vezes encetávamos conversa, sabia que eu era ator, tinha ar de dama inglesa, uma sobriedade indiferente, bebia no mesmo bar um delicado cálice de campari seguido de aguardente isso aos sábados. Tudo nela contrastava com o redor do mundo da esquina do comércio das coisas do bulício da cidade . Alguns meses quando vim de Nova York já fizera amizade e conversávamos quando em dias de chuva ou festas de final de ano. Tentara escrever poesia, fora correspondente de guerra,  era frugal nos gastos por natureza nunca mesquinhez, recusou ajuda do governo de sua terra de origem, escolhera o Brasil na cara e coragem e ponto final para todo risco,  solidão,  falta de contato. Tirou ovário, quebrou o pulso,  nunca recorreu a ninguém para quase nada. ´´Não incomodo ninguém para não ser incomodada´´ - dizia com sorriso maroto. Passados dois anos de convívio ela notara que eu também era um desgarrado do bando e me confiara alguns pontos altos da vida: o amor por um pai carinhoso, a morte da mãe na infância, uma irmã bem casada e nenhuma expectativa sobre seu futuro além mar desde que se embrenhara na selva como missionária leiga duma ONG humanitária. Usou eufemismo para dizer uma grande amizade por uma companheira de viagem que se estabelecera no Rio de Janeiro. Fazia algum tempo não dava notícia desde sua viuvez. Me solicitara ensinar-lhe mandar e-mails e o rudimentar daquela internet que surgia em 1999 : ´´Não quero aprender esse troço , mas sei importante, me ajuda nisso ´Rodrrrigo´ com o gutural de meu nome acentuando o imperdível sotaque de alsaciana. Ela falava alemão logicamente, arranhava italiano, se recusava ao inglês sem necessidade mesmo tendo um jeito desleixado de Virginia Woolf, tentara aquarela razoáveis, me dedicou algumas tapeçarias esmeradas mas principalmente reunira em muitos anos versos que tinha certeza a fariam uma nova Emily Dickinson habitante das matas brasileiras encerrada na velhice num quarto e sala na beirada do mar. Estiquei-me naquele outono perto da sacada com luz intensa ,  desfiei os laços dos guardados de Augusta e um calhamaço em linhas seguras de papel sulfite entre correspondências, outros cadernos escolares e uma pasta recheada compunham seu inventário ao mundo que nunca lhe dera sinal de apreço ou entendimento ao menos. No alto do livro improvisado um título nítido como o sol prematuro que me acordara dessa aventura: ´´Anabella´´.


Poeta, contista e crítico literário,
Flávio Viegas Amoreira é das mais inventivas
vozes da Nova Literatura Brasileira
surgidas na virada do século: a ‘’Geração 00’’.
Utiliza forte experimentação formal
e inovação de conteúdos, alternando
gêneros diversos em sintaxe fragmentada.
Participante de movimentos culturais
e de fomento à leitura, é autor de livros como
Maralto (2002), A Biblioteca Submergida (2003),
Contogramas (2004) e Escorbuto, Cantos da Costa (2005).
Este é seu mais recente trabalho publicado:


UMA DESPEDIDA (OU OS MERCEEIROS TAMBÉM CHORAM) (por Marcelo Rayel Correggiari)



Semana passada, este pobre merceeiro passou pelo seu ‘momento epifânico’.
Após a magnífica apresentação da jornalista e mediadora de leitura Goimar Dantas, dia 19 último no Senac-Santos,  pus-me a pensar. Enquanto esperava a fila do autógrafo diminuir, fiquei sentado em meu lugar, olhando aquilo tudo, ainda tocado pela performance da velha amiga.
E uma única pergunta: “Onde é que você se perdeu, ‘Marcelão’?!”.
A Goimar é da minha época de Primo Ferreira, mas somente a conheci melhor (ela e o marido Maurício) nos tempos de Facos (nas famosas escadarias da Euclides da Cunha). Um quarto-de-século, caro(a) freguês(a)! Depois de tanto tempo, ao vê-la em ação, a impressão que tive é que o hiato não existe ou, se existiu, passou muito, muito rápido.
Foi uma trombada vê-la com aquela mesma energia da juventude. Goimar não envelheceu. A casca... ‘tá’, tudo bem. Todos nós ficamos com a casca meio avariada pela passagem do tempo. Mas o espírito... ah, aquele espírito não mudou nada!
A mesma pessoa apaixonada pela Literatura! A mesma! A mesma paixão pelo livro e pela leitura desde os tempos de Primo Ferreira. Um troço impressionante!
Quase fui às lágrimas enquanto esperava a fila do autógrafo diminuir. Não, caro(a) freguês(a), por incrível que pareça, não foi só pelo reencontro ou pela atuação dessa profissional na mediação de leitura e formação de novos(as) leitores(as). Foi porquê, descobri, como um tapa na cara, de que sou uma pessoa ‘desapaixonada’.
Fiquei ‘sem chão’ na hora. Paixão, paixão, mesmo... aquele que deixa a gente insano(a), quem tinha era ela. Não eu. Talvez tenha caído minha máscara de embusteiro, de alguém que, de fato, não possui talento algum, mas força o convívio com os(as) demais por intermédio da Literatura.
Convenhamos: não é assim que se faz. Literatura não foi feita para isso.
Fiquei ali sentado, vendo a costumeira alegria e o sorriso da Goimar; o Maurício fazendo ‘a social’, os pais e a irmã dela presentes (era aniversário da mãe!), amigos & amigas, e mais amigas & amigos na fila. Todos sequiosos pelo autógrafo em seus exemplares. E eu ali sentado na poltrona, estático, fazendo uma força para não desabar no choro e sair correndo dali.
Pois é: descobri que não tenho paixão nem por escrever, nem por Literatura.
Foram dez anos de ‘pancadas’: de várias formas, maneiras, de várias frentes. Tentei fazer o meu melhor, só que esse choroso merceeiro descobriu que, depois de tanta desautorização, desidratação e isolamento compulsórios, acabou a paixão!
Esse merceeiro não tem mais certeza se é realmente apaixonado por textos, livros e Literatura (a Goimar é! Sem sombra de dúvida!). Talvez até goste, mas não é ‘uma paixão’. Acho & penso que não. Como dito há pouco, um engano em tentar se colocar no mundo como 'um homem das Letras’.
Engano!
Foi bom descobrir que, de fato, não tenho paixão alguma. Não que deixasse de querer uma, porventura até tivesse, mas nutri-la demanda uma outra arte que sinceramente acho que não tenho.
Essa Arte talvez demandasse mais cuidado comigo mesmo, não achar que seres humanos são recíprocos. Não há reciprocidade desde o século XIX, essa ‘reciprocidade da cortesia’. Não! No século XXI, é “foda-se, você!”, “... se vira...”, “... cada um por si, Deus por todos...”, uma espécie de ‘unilateralidade de troca’. “Seja feita vossa vontade, tudo; venha a nós o vosso reino, nada!”.
Mais cuidado que esse merceeiro devesse ter consigo próprio, sem essa de ‘amizadinha’, a maldita violinada do ‘elogio’; no fundo, estão todos se cagando de tonelada. Aí, o erro deste comerciante que vos fala: pago, hoje, caro por não ter cuidado da própria vida e torná-la esse amontoado presenciado nesses correntes dias.
Na hora que a vaga de estacionamento se anuncia, não há solidariedade. Não há mesmo. Quem chegar primeiro, leva. É assim que funciona. E “foda-se o resto!”. Como já disse o astuto Bernard de Mandeville, “... o mundo como ele é”, não o mundo que boa parte das pessoas fala da boca para fora.
Meu pecado: o da crença; de que eu podia confiar.
Talvez isso tenha ‘matado a minha vida’ (e, consequentemente, ‘matado a minha paixão’ por algo). Esse merceeiro “... correu atrás do vento” e não cuido de si.
Não tem vida que aguente um troço desse por uma década.
Esse merceeiro achou melhor juntar os cacos e botá-los na lata do lixo. Lá se vai tudo, outra vez, do zero. E dessa vez sem as Letras por perto, ao redor. Hora de ‘dar adeus’ à Cultura, às Artes, a todo esse tipo de coisa que não paga as contas e não dá futuro para ninguém.
Pelo contrário: só serve para muita desilusão, frustração e destruição dessa preciosa energia chamada “vida”.
Rezo somente para que não me falte saúde & energia para fazer tudo de novo (sem as Letras & a Literatura por perto, fiquem avisados!). Começar tudo de novo aos 48 é bem mais duro do que quando se é mais jovem. Enfim, hora de mudar e deixar para trás toda essa construção que parece ter sido benéfica para muitos, mas que deixou muita ruína e desolação pelas bandas de cá.
A Literatura não existe! O excelente texto literário não faz ‘grandes coisas’: quem realmente as faz são as relações públicas (coisa que esse merceeiro não tem lá grande talento). Queridos jovens, se pudesse antes de minha passagem deixar um conselho, seria o de ter muita cara-de-pau e, absolutamente, muita, mas muita grana no bolso.
Como diria o famoso cantor cearense Falcão, “o dinheiro não é tudo, mas é 100%”. Ajuda a pagar ‘os pedágios’ para se alcançar aquilo que se quer. Tenham-na em profusão!
No mais, para mim, a Literatura acabou. Atividades culturais e artísticas também. Só tenho uma coisa em mente: dinheiro. Só isso. Arte & Literatura só servem de dissabor, desautorização, desidratação.
Se o(a) prezado(a) jovem tem talento para as Artes, um dica: fuja! Nem pense! Vá ganhar dinheiro, tenha uma ocupação que preste (leia-se, nada dessa coisa “de Humanas”) e fuja dessa merda. Seja como eu, um merceeiro bem a fim de encher o bolso de grana.
Só isso é que é vida. O resto é vontade de encher linguiça.
Não percam tempo com os(as) vivaldinos(as); é o que mais tem na área de humanas e, principalmente, nas Artes. Se tiverem pouco apreço a livros, cinema, artes plásticas, teatro, fotografia, dança, entre tantos, já é um excelente começo! Não percam tempo com essa bosta!
Corram atrás da ‘paixão’! Com muito dinheiro no bolso & na conta bancária, s.v.p.!!!
Nem pensar uma ‘paixão’ “de Humanas”! Não façam isso! Nem ‘paixão’ “por Artes”! Os dois são um poço de destruição da vida. O(A) querido(a) jovem pode até se endereçar a tal, mas sempre com muito dinheiro no bolso & um espírito de mercador-de-escravos. Ah! E sempre prontos para ‘matar’ a concorrência, sem dó!
Bom, preciso descansar. Estou exausto. Sabe, dá até certa leveza deixar para trás a Literatura & as Artes, não ter mais de encarar decepção & desapontamento aos borbotões. Não quero mais ser visto como ‘o cara legal’, ‘o bacanudo’, ‘o erudito’, e mais um monte de falsidades que falam sobre esse cansado merceeiro. Meu mestre, agora, é o falecido Armênio Mendes: muita grana no bolso, pagando o sistema e, se for o caso, tocar no frosquete de uma penca (como se não houvesse amanhã!).
Se caso o querido editor desse espaço permitir, a Mercearia continua. É o único contato com texto escrito que ainda tenho algum prazer de ter. Para aqueles que ainda me veem como “alguém da Literatura”, é bom começar a definitivamente me deixar de lado. Mesmo! Na tora! Parto para outra, lá não tem essas preocupações estéticas & uma tremenda punheta-siririca verborrágica que, pelas bandas de cá, só deixaram escombros.
Para os que continuam, meus parabéns & desejo sorte. E que Deus ilumine o caminho de todos.




Marcelo Rayel Correggiari
nasceu em Santos há 47 anos
e vive na mítica Vila Belmiro.
Formado em Letras,
leciona Inglês para sobreviver,
mas vive mesmo é de escrever e traduzir.
É autor de Areias Lunares
(à venda na Disqueria,
Av. Conselheiro Nébias
quase esquina com o Oceano Atlântico)
e escreve semanalmente em
LEVA UM CASAQUINHO