Friday, January 25, 2019

TUBARÃO (um poema de Germano Quaresma)




TUBARÃO

Lá no fundo do mar, enquanto dorme a gente
Um triste penitente nada, olhos de vidro
Como eu, na madrugada, escrevo, renitente
Meu caro Tubarão, 'stamos mesmo fodidos.

Que sina o Criador nos deu, peixe doente,
Escrevo pra viver, coração comprimido
Escrevo enquanto nadas, seguimos em frente
Sou solidário à tua dor, monstro querido.

Tua sede por sangue, a minha por libido
Não nos deixam dormir, põem-nos em movimento
Levanto pra fumar um cigarro sentido

Enquanto segues cego pelo mar profundo.
Tens que nadar pra sempre, quieto, triste, lento -

Eu, se não escrever, também, meu peixe, afundo.


  1. Germano Quaresma, ou Manoel Herzog,
    nasceu em Santos, São Paulo, em 1964.
    Criado na cidade de Cubatão,
    trabalhou na indústria química
    e formou-se em Direito.
    Estreou na literatura em 1987
    com os poemas de Brincadeira Surrealista.
    É autor dos romances
    A Jaca do Cemitério É Mais Doce (2017),
    Dec(ad)ência (2016), O Evangelista (2015)
    Companhia Brasileira de Alquimia (2013),
    além dos livros de poemas
    6 Sonetos D’amor em Branco e Preto (2016)
    A Comédia de Alissia Bloom (2014).
    Este é seu mais recente trabalho publicado: 



JENIFER, MON AMOUR (por Marcelo Rayel Correggiari)




O verão... ah, o verão!
Com suas musas de biquíni, “aquela gelada”, caipora de pinga, vodka, saquê...
... um calor desumano e todo mundo indo para a praia...
... caixas de som ‘no talo’ com bastante funk-putaria-ginecológico...
... dentadura, conversor de canal a cabo, brinquedo, pedaços de caibro, coco, tudo ao longo da praia...
... dança do acasalamento, bastante rebolado, essas coisas...
... e depois chamam esse pobre merceeiro de chato, de que só gosta de “ir à praia” nas meias-estações. Mas... parafraseando o lendário personagem Caco Antibes, “... é, ou não é, a visão do inferno?!?”.
24/7.
Ah, o verão!
E tem o “hit” do carnaval (pelo jeito!) que não mais seria a boa e velha marchinha (José Roberto Kelly & Cia Ltda.) com letras bem sacadas e que levantam a multidão.
No Brasil ‘mudérrnu’, saiu do samba e foi parar numa estilo que ora é reggaeton, e ora é um troço perto do indescritível.
Anotem, aí: é Jennifer, o nome da ‘sujeita’.
“... não é minha namorada/mas poderia seeeeeeer...”.
‘Forçação’ de barra linguísta-poética: rimar “Jennifer” com “Tinder”. Tudo bem: se Chico Buarque pôde rimar “futebol” com “rock and roll”, ... ‘tá’ em casa.
Reputam ao filósofo canadense (Herbert) Marshall McLuham (Edmonton, 21 de julho de 1911 - Toronto, 31 de dezembro de 1980) a batida frase “o meio é a mensagem”. Tão profunda tal constatação que sequer esse inepto merceeiro seria capaz de trocá-la em miúdos. Deixemo-la a quem consiga.
Coração do existencialismo (faaaala, Sartre! Aquele abraço!): “mas que caralhos isso significa?!?”.
Bom... deixa para lá.
Talvez (e bem ‘talvez’!) seja também de sua autoria as teorias de ‘mensagem quente’ e ‘mensagem fria’. Não fazemos muita ideia se é ou não: afinal, isso aqui ainda é um ‘secos-e-molhados’ à beira do mar.
A quantidade de aparato e bagagem cultural-cognitiva para se destrinchar a nona de Beethoven é bem, mas bem maior da utilizada na rebolação de “Jennifer”. Você não precisa gastar ‘fé & tutano’ para uma letra como essa, algo razoavelmente diferente para “Never Let me Down”, do Depeche Mode.
Quase nenhuma metáfora & metonímia no caminho, três ou quatro acordes ‘planos’ (esqueçam inverter a quinta ou a sétima), refrão ‘sensual’, desinibidor e ‘sugestivo’: dança do acasalamento, como se diz em Minas, “na tora”! Eis o segredo da elaboração da tal “mensagem fria”.
Sim! Porque ninguém é doido de, num bloco de carnaval pelas ruas da cidade de vossa preferência, substituir “A Banda” por “Construção”: tudo tem seu tempo e hora.
O problema é que “A Banda” também é mensagem fria: ninguém precisa de altíssima intelectualidade para entendê-la. Só que essa é bem diferente da moça de 2019, possui melhor métrica, elaboração de rimas internas e externas...
... mas, afinal: o que foi que fizemos de errado para a coisa chegar no ponto onde chegou?!
Esse merceeiro costuma jogar a responsabilidade no sistema escolar, esquecendo-se de que, muitas vezes, o sistema escolar é apenas reflexo do que rola na rua.
As gerações que, mesmo a contragosto, eram obrigadas a estudar poesia em sala-de-aula desenvolveram certa ‘sensibilidade’ a um prazer estético de versos bem feitos ainda visto nas atuais marchinhas de carnaval.

Pular para “Jennifer” sem passar pelas marchinhas está além de um sistema escolar falido: também incluiria mídia-de-massa e redes sociais no deletério ‘servicinho’ de solapar quaisquer inclinações para gostos um pouco mais edificantes.
No mais, é ligar o celular para fazer ‘live’ de baladas: mostrar o próprio rosto ao invés do ambiente (ou o artista em questão), cantar junto como se não houvesse amanhã, sem se ater a qualquer melhor labor artístico & estético que até mesmo as mensagens frias podem carregar (e/ou conduzir).
Tristes tempos...
Aí, fica o lance de se ‘sentir deslocado(a)’: não se trata de uma questão ‘moralista’ como muitos costumam acusar. É difícil, para qualquer um, ver muita gente boa cair na emboscada da “autoafirmação” por intermédio de recursos que roubam dela a sensibilidade à percepção.
É ‘osso duro de roer’ ver gente boa não prestar atenção na singeleza que uma mensagem fria também pode trazer. Mensagem fria não significa mensagem ‘desenriquecida’.
Como “Jennifer” é produtor da indústria, e a indústria quer fazer dinheiro, compreende-se. Contudo, se esse inominável merceeiro tivesse o nome de Jennifer, estaria, nesse exato momento, dentro de um cartório pleiteando uma mudança de nome.

Marcelo Rayel Correggiari
nasceu em Santos há 47 anos
e vive na mítica Vila Belmiro.
Formado em Letras,
leciona Inglês para sobreviver,
mas vive mesmo é de escrever e traduzir.
É autor de Areias Lunares
(à venda na Disqueria,
Av. Conselheiro Nébias
quase esquina com o Oceano Atlântico)
e escreve semanalmente em
LEVA UM CASAQUINHO


ACIDENTES ACONTECEM (por JF Fidalgo)



Os fios estão bem na sua frente. Vermelho, azul e verde. Você sabe a sequência em que devem ser desconectados para, digamos, evitar acidentes. Vcoê foi treinado para isso.
É tudo uma questão de lógica, você pensa, enquanto observa os fios: um azul, outro verde, outro vermelho. Incrível como ainda há gente que se confunde, e você não consegue entender como isso acontece.
Não importa, você conclui: é tudo questão de lógica.
Não há, portanto, motivo para esse suor frio escorrendo da sua nuca pescoço abaixo. Como também não há razão para suas mãos, de repente, estarem úmidas.
Não, nada disso está realmente acontecendo. Você deve estar imaginando coisas. Uma breve alucinação, mero sintoma de um possível e leve estresse. Sim, é somente isso.
Interessante, essa sensação nunca surgiu antes. Você sempre foi lá, desconectou os fios, fechou a maleta e deu o fora. Agora está aí, olhando fixamente para esses fios, hipnotizado. Vermelho, azul, verde e amarelo.
Amarelo? Não, não há nenhum fio amarelo. Apenas um verde, outro azul, outro vermelho. Só três fios, três: um azul, outro vermelho, outro verde. Três e somente três, e não quatro, e nunca amarelo.
Tudo é uma questão de lógica, apenas e tão somente lógica. Amarelo, azul, vermelho. Espere! Você disse azul,vermelho e amarelo? E onde está o verde? O verde!  Apenas três fios, lembra? Três, nenhum deles amarelo.
Afinal que diabos está acontecendo? E essa merda de suor gelado ainda deslizando de sua nuca pescoço abaixo? E essas mãos úmidas? E esse fio amarelo?
Porra, não há nenhum fio amarelo aí, você esqueceu? Só vermelho, azul e verde. Lógica, questão de lógica. Três, apenas três, três fios amarelos. Não! Amarelo, não. Apenas três fios, azuis, vermelhos e verdes. Nove, no total.
Ei, você está se perdendo de novo. Volte a fita, vá com calma. Apenas três fios, esses três fios que estão aí, nas suas mãos, bem próximos à sua cara. Você precisa desconectá-los na sequência correta para, digamos, evitar acidentes. Uma questão de lógica, pura e simples lógica. Você foi treinado para isso.
Então você puxa primeiro o segundo fio amarelo, depois o primeiro fio amarelo e, por fim, o último fio amarelo.
Incrível, tão simples que até uma criança seria capaz de fazer. Claro, se as crianças tivessem um senso mínimo de lógica.
Você respira fundo, bem fundo, e continua respirando fundo, ritmadamente, cada vez mais fundo e mais ritmadamente, até sentir seus batimentos cardíacos voltarem ao normal.
Sua nuca não está mais fria e úmida, suas mãos estão secas. Uma intensa e arrebatadora sensação de paz e totalidade envolve você como um grande casulo aquecido.
Pronto, passou.
Tudo está bem agora.
Interessante, esse sentimento  nunca surgiu antes também. Você sempre foi lá, desconectou os fios, fechou a maleta e deu o fora. E, por falar nisso, onde a maleta? Ela devia estar bem aí, ao seu lado, ao alcance da sua mão direita, mas não está. Sua mão tateia o vazio até tocar alguma coisa gosmenta, pegajosa.
Como tudo ficou escuro quando você desconectou o último fio amarelo, você não consegue ver onde está sua maleta, nem identificar essa coisa gosmenta e pegajosa que você tocou, depois apertou e agora está grudada em sua mão direita.
Com a mão esquerda, você tenta limpar sua mão direita, mas elas acabam ficando grudadas. Quanto mais você tenta afastá-las, mais elas ficam presas uma na outra.
O estranho é que isso não chega a incomodar muito, pelo menos não tanto quanto a sensação de que suas pernas, do nada, pareceram crescer alguns metros, talvez muitos metros, entre seus pés e suas virilhas.
Então você percebe que essa sensação de pernas elásticas não pode ser  real, porque, na verdade, você não consegue sentir seus pés e, assim, não há como saber se suas pernas cresceram muitos metros entre seus pés e suas virilhas, até porque você descobre que também não consegue  sentir suas virilhas.
Você aperta os olhos e tenta enxergar alguma coisa, quem sabe sua maleta, através da escuridão, mas não consegue ver um palmo diante no nariz. Aliás, você gostaria, neste momento, de coçar seu nariz, apenas porque sabe que isso é impossível, já que suas mãos estão grudadas.
Mas, espere um pouco. Estranho, suas mãos agora não estão mais grudadas. Então você tenta tocar seu nariz com a ponta do indicador da mão direita, mas você não consegue ter a noção exata de para onde encaminhar seu dedo em direção à ponta do seu nariz. Seu polegar vaga no escuro, de um lado para o outro, para cima e para baixo, até, de repente, tocar naquela coisa pegajosa e grudenta que você já tocou antes, com sua mão direita.
Você fica com raiva e enfia o dedo bem fundo na coisa pegajosa e grudenta e sente como se a sua mão toda estivesse sendo sugada para dentro dessa coisa nojenta. Agora metade de seu braço direito já está dentro da coisa. Você tenta puxar o braço, mas percebe que está completamente sem forças.
Você começa a desconfiar que algo muito sério está acontecendo.Tenta repassar os fatos a partir do momento em que  puxou o último fio amarelo e tudo ficou escuro, mas não consegue lembrar de absolutamente nada, embora tenha certeza de que tudo aconteceu minutos ou mesmo segundos atrás.
Você sente um gosto horrível na boca. Oh, não, a coisa pegajosa e nojenta está agora grudada em seus lábios, o que signifca que sua mão direita, seu braço direito e pelo menos metade do seu rosto já foram sugados pela coisa. Mas você não sente dor, apenas um terrível enjôo e vontade de vomitar, vomitar muito. Mas como vomitar com os lábios grudados por essa coisa nojenta?
Você procura se controlar. E, curiosamente, tenta fazer isso pensando nos fios que há pouco você desconectou, os três fios amarelos. Espere um pouco, não havia nenhum fio amarelo, lembra? E você desconectou três fios amarelos. Como isso é possível?
Fique calmo, fique calmo, você implora para si mesmo, mas algo nojento está subindo como um míssil a partir de seu estômago em direção à sua boca. E sua boca está grudada pela coisa nojenta, e o míssil está subindo, e sua boca está grudada, e o míssil está subindo…e você desconectou os três fios, três fios amarelos, mas não, não poder ser, não existia nenhum fio amarelo, lembra? Então, como é possível?
O míssil, a sua boca grudada, a coisa pegajosa e nojenta, as luzes se acendendo de novo, fortes, muito fortes, um grande clarão, sua maleta voando em direção…em direção de onde?
Não, não importa, nada disso importa agora. É tudo uma questão de lógica, pura e simplesmente lógica.

E, afinal, acidentes acontecem…



JR Fidalgo: um jornalista que tem preguiça de perguntar, um escritor que não tem saco pra escrever e um compositor que não sabe tocar. (mas que, mesmo assim, já escreveu três romances e uma quantidade considerável de canções ao longo dos últimos 45 anos)



EDUARDO CAVALCANTI COMENTA A GENIALIDADE MEDÍOCRE DE M. NIGHT SHYAMALIAN EM PRÓXIMA PARADA




Eduardo Rubi Cavalcanti
é jornalista desde a década de 80.
Trabalhou em A TRIBUNA de Santos
e em outras publicações.
É Mestre em Comunicação Social
pela Universidade Metodista de São Paulo
e leciona Jornalismo na Unisantos,
onde cursou sua graduação.
Publica domingo sim, domingo não,
em A TRIBUNA de Santos,
a página PRÓXIMA PARADA,
que reproduzimos aqui.



VARIAÇÕES PARA O FUTURO (por Flávio Viegas Amoreira)




O futuro é sempre fascínio, por vezes ansiedade, o homem é mais projeção do que qualquer outro predicado. No pessoal os desejos, no coletivo a busca da Utopia.  Convenhamos que os desejos pessoais pesam mais ultimamente que a bem-aventurança do grupo, da comunidade, do ideal fraterno de convivência mais igualitária e justa. No passado dizia-se que o importante é ser e não ter, hoje existe uma imposição quase histeria por querer. Querer coisas, viagens, alternativas de vidas, cessar o processo de envelhecimento, querer não como reflexão mas anseio em si. A prática da acumulação desmedida, da renovação de utensílios, móveis e imóveis, a mutação constante do perfil, a reciclagem que é bem mais aparente que essencial. Aliás o conceito de essencial caiu em desuso, tudo é prioritário e urgente, eficiência é um mito endeusado pelo mercado assim como descartabilidade um valor frenético.  A ultima onda é a descartabilidade do trabalho, das funções, do humano.  Sempre observo os prismas e existem esperanças de resistência: jovens que não querem adquirir um carro, tornam-se veganos, despojados, preferem conhecer a adquirir, optam por não ter filhos. A robotização, a precariedade dos empregos, a digitalização são aspectos que se somam a um planeta cansado, um meio ambiente exaurido e a falta de perspectivas duma consciência generosa para o ser humano. Faz uns vinte anos descobri um livro impactante desde o título: “O horror econômico” da jornalista francesa Viviane Forrester quando ela traça a visão sombria da sociedade pós-industrial e o primado do neo-liberalismo. A inevitabilidade das “forças do mercado” nos dá pouca margem de imaginação ideológica: como enfrentar com justiça social os ditames das grandes corporações? Até meu estoque de socialismo vive impasse cético: poetas não são tolos ideológicos. Nessa obra a autora pontifica sem concessão ao otimismo lírico: “Será útil viver quando não se é lucrativo ao lucro? É preciso merecer viver para ter esse direito?” Aqui ela ecoa outro fetiche contemporâneo: a “meritocracia”. O homem supérfluo diante da engrenagem é a face mais tenebrosa e cínica do porvir. Qual o lugar do artista, do homem do espírito em toda essa aridez de assepsia mercadológica é que me tocam especialmente: quem “merecerá” viver em 2200 afinal? Algumas soluções se colocam como opção: a biotecnológica nos redimirá? o antinatalismo será tão eficiente com tanta voracidade de consumo?  Particularmente não ter filhos é uma característica de bons pensantes desde Machado de Assis: “Não transmiti a ninguém o legado de nossa miséria” dizia o bruxo do Cosme Velho.  Para novas respostas recomendo um outro livro : “Pequeno tratado do decrescimento sereno” do economista e pensador (não se excluem!) Serge Latouche francês que expressa esse conceito audacioso : o decrescimento sereno, sem rupturas traumáticas, a decisão por gastar menos, consumir menos, viver com menos na superfície e melhor nas relações com os outros e o meio ambiente. Afinal ler Proust e ouvir Mozart não são mais prazerosos e desgastantes que lotar estradas e aeroportos, danificar os oceanos, poluir as cidades? Quem sabe o retorno as hortas comunitárias, as quitandas de esquina, os cinemas de bairro? Ser de esquerda será ser visceralmente ecológico e questionador do crescimento sem propósito, a matriz do progresso não será o consumo, sim a felicidade. Retomar ideário de Thoreau se impõe: “De que vale uma casa se você não tem um planeta tolerável ondo o colocar?” Feliz 2019.


Poeta, contista e crítico literário,
Flávio Viegas Amoreira é das mais inventivas
vozes da Nova Literatura Brasileira
surgidas na virada do século: a ‘’Geração 00’’.
Utiliza forte experimentação formal
e inovação de conteúdos, alternando
gêneros diversos em sintaxe fragmentada.
Participante de movimentos culturais
e de fomento à leitura, é autor de livros como
Maralto (2002), A Biblioteca Submergida (2003),
Contogramas (2004) e Escorbuto, Cantos da Costa (2005).
Este é seu mais recente trabalho publicado:


OS FARISEUS DO FACEBOOK (por Denise Marino)

Imagem do filme "Monty Python: A Vida de Brian" 


Que atire o primeiro post quem nunca cometeu uma contradição!

Essa singela corruptela da “Perícope da Adúltera” deveria estar escrita na entrada do Facebook.

A exemplo de Jesus, que teria escrito na areia, à entrada do Templo, a frase original que sintetiza a história: “aquele que não tiver pecado, que atire a primeira pedra.”

Tem sido quase impossível adentrar ao FaceTemplo tranquilamente, sem precisar desviar das pedradas.

Todos os dias tem um fariseu – “formalista e hipócrita” por definição – cobrando alguma postura.

Há, por exemplo, os que cobram atitudes:
“– Cansei de esperar por atitudes de pessoas que não têm nada de positivo para dar.”

Quer dizer, o fariseu esperava as “atitudes” dos outros na atitude passiva e nada positiva de esperar...

Há, também, os fariseus ecológicos. Cobram dos amigos e dos governos políticas de despoluição do ambiente, mas não dispensam o automóvel-poluidor para ir à padaria.

Porém, creio que os mais agressivos e arrogantes são os fariseus políticos.

Hoje, por exemplo, deparei com um fariseu que chamava de “burros” ou “defensores da corrupção” a todas as pessoas que votaram no Collor, no Aécio e no Bolsonaro ou que apoiaram o “golpe do Temer” como uma atitude de combate à corrupção.

Por “conveniência” ele esqueceu de mencionar os 4 mandatos do PT. Ignorou que milhões de eleitores votaram no Lula, em 2002, contra a corrupção.

Por hipocrisia – conforme a definição –, o fariseu “esqueceu” de uma das mais lindas campanhas políticas já produzidas a “Xô corrupção”, em que os ratos roíam e arrastavam a bandeira do Brasil para o buraco, enquanto o narrador declarava: “a gente acaba com eles ou eles acabam com o Brasil.”

Ou seja, das duas uma: o fariseu chama de burros as pessoas que acreditaram no PT e sua campanha ou ele admite que os eleitores do PT defendem a corrupção.

Há também os que atiram pedras contra os eleitores do Bolsonaro, esquecendo que, somente uns 10% deles, podem ser considerados “bolsominions convictus”.

O restante é formado, principalmente, por pessoas que não queriam um 5º mandato para o PT, não apenas pela corrupção (o maior escândalo da história do ocidente) ou pela incompetência demonstradas pelo partido e aliados, mas, porque, para parte dos eleitores, a alternância de correntes ideológicas no poder é essencial para a democracia.

Concluindo, alguns fariseus atuais, como nos tempos primitivos, são pessoas que de alguma maneira se sentem afastadas ou “superiores” à população comum.

Essa sensação de superioridade é o manancial das pedras que atiram nos demais. A arrogância é a fonte de suas cobranças.

Eu, que sou agnóstica e não tenho goiabeiras no quintal, prefiro ler as passagens da Bíblia como textos de belíssima literatura antiga. O episódio da adúltera, termina mais ou menos assim. Jesus, que recusava a ser considerado um sábio, disse a mulher:



“– Eu tampouco te condeno. Vai e não peques mais.”



Meu nome é Denise Mattos Marino, mas fui sintetizada: Denise Marino ou, simplesmente, Dê, acompanhada ou não do Marino. Sou historiadora e professora de história. Atualmente aposentada – fui mais rápida que a reforma. Mas ainda levo para os meus aposentos a curiosidade, o “só sei que nada sei” e a vontade de ensinar. Ah! Sou libriana.



Wednesday, January 16, 2019

EDUARDO CAVALCANTI APRESENTA O OUTRO LADO DA DÉCADA DE 80 EM PRÓXIMA PARADA




Eduardo Rubi Cavalcanti
é jornalista desde a década de 80.
Trabalhou em A TRIBUNA de Santos
e em outras publicações.
É Mestre em Comunicação Social
pela Universidade Metodista de São Paulo
e leciona Jornalismo na Unisantos,
onde cursou sua graduação.
Publica domingo sim, domingo não,
em A TRIBUNA de Santos,
a página PRÓXIMA PARADA,
que reproduzimos aqui.


SATORI EM BAGDÁ (por JR Fidalgo)



Absurdo não é viver nessa guerra sem fim, mas sim sentir que não há nada a fazer sobre isso. Você está nas cordas. Os socos em sequência fazem você beijar a lona. O gosto do sangue se mistura à sensação de pedaços de dentes se mexendo de um lado para o outro na boca. Ainda assim você se levanta antes do juiz gordo e careca conseguir contar até dez. Dessa vez, vai ser diferente. Você vai, enfim, descobrir um jeito de acabar com a porra dessa guerra.

Mas logo você percebe que a coisa ficou ainda mais violenta. Então tenta arrancar as entranhas com as mãos. Apesar da dor insuportável, não consegue parar. Na guerra não há espaço para compaixão. É privilégio para fracos, covardes, desertores. E eles vivem te assegurando que você não é um deles. E eles sempre têm razão, porque já lutaram em mais guerras do que o número de anos que você já viveu até hoje. E você descobre que já não se lembra mais quantos anos já viveu até hoje. Tudo passou muito rápido.

No momento, porém, isso não tem importância, porque você acorda no dia seguinte, olha para o chão e procura por suas entranhas. Elas deviam estar bem ali, no chão, ao lado da sua cama. Mas não estão. Tudo está limpo, muito limpo. Até você está limpo. Limpo e inteiro. Ao que parece, suas entranhas ainda estão dentro de você.

Então você se levanta, pronto para continuar. Continuar a guerra. Começa a bater forte com a cabeça contra a parede do quarto. De repente percebe que já está bem em frente ao espelho do banheiro.  Cacos brilhantes de diversos tamanhos se espalham pelos ladrilhos, misturados com o sangue que esguicha do seu rosto.

Você perde algum tempo tentando recompor a imagem do seu rosto refletida nos pequenos caquinhos de espelho ensangüentados espalhados pelo chão do banheiro, mas logo desiste. Não há dúvida de que você está em desvantagem perante o inimigo. Precisa revidar de imediato. E revida.

Os dedos da sua mão direita se quebram em vários pedaços ao atingirem com toda a força possível a porta do guarda-roupa. A dor foi forte e você urrou como um gorila que esmaga os bagos contra o galho da árvore onde estava sentada a última fêmea do grupo ainda no cio.

O golpe, contudo, foi inevitavelmente necessário. Retaliar o ataque inimigo de imediato é vital para impedir que ele deduza que você está começando a ficar debilitado, vulnerável, mesmo que você, no fundo, saiba que é exatamente isso o que está acontecendo. Na verdade, você não está apenas muito debilitado e vulnerável. Você está literalmente fodido, mas esse é um segredo de estado que até mesmo seus últimos e poucos neurônios ainda ativos se recusam a revelar, mesmo sob a mais cruel e infinita das torturas.

É justamente nesse ponto que eles lhe garantem que a melhor defesa é um ataque. E claro, como sempre, eles devem saber do que estão falando. Já mataram muito mais gente do que vários terremotos e furacões, incendiaram vilas, povoados, fizeram cidades sumir dos mapas, acabaram com países e até exterminaram raças que hoje ninguém mais lembra que existiram, foram absolvidos em mil julgamentos de crimes contra a humanidade, condecorados com mil medalhas por atos de extremo heroísmo e inestimáveis serviços patrióticos prestados aos seus respectivos governos.

Então parece lógico que você precisa levar a sério o que eles dizem. Deve atacar o quanto antes, para evitar que o pior aconteça, embora você já não tenha a mínima noção do que seria esse pior que todos eles se esforçam tanto para evitar. De qualquer modo, você sabe que há uma guerra lá fora, ou aqui dentro, ou lá fora e aqui dentro, ou aqui dentro e lá fora. Afinal, você já não sabe mais onde os combates estão sendo travados nos últimos tempos, embora as explosões e os tiros pareçam a cada dia mais perto, lá fora e aqui dentro. Talvez mais perto aqui dentro do que lá fora. Ou talvez ao contrário. A cada explosão e a cada tiro sua noção de dentro e fora se alterna e se confunde em ritmo progressivamente alucinante, ou aliciante. Foda-se!

Seja como for, mesmo que essa guerra talvez nunca mais possa ser vencida ou justificada ou explicada – e você nem saiba direito onde ela está sendo travada neste exato momento -, ela precisa ser lutada até o último homem, até o último pedaço de dente cuspido da sua boca depois do último soco que te faz beijar a lona, até a última entranha arrancada de dentro de você por suas próprias mãos, até o último pedaço de dedo esmigalhado contra a porta do guarda-roupa, até a última gota do sangue misturado aos cacos brilhantes de espelho espalhados no chão de seu banheiro.

A melhor defesa é um ataque. E é óbvio que eles sabem do que estão falando. Então, só pra clarear um pouco as idéias, você engole alguns calmantes e anfetaminas, obviamente empurrados goela abaixo com água mineral. Vodca ou gim seria algo muito radical e você não quer saber de radicalismo, mas sim de um plano sutil que engane o inimigo a respeito da sua total, absoluta e inconfessável vulnerabilidade.

A melhor defesa é um ataque. Mas exatamente o que essa porra significa, você se pergunta, enquanto vomita na privada e percebe que uma razoável quantidade do vômito caiu também na sua camisa.

Já havia acontecido inúmeras vezes antes, mas era sempre estranho acordar com aquela sensação de que alguém estava armando alguma coisa perigosa para você, alguma coisa que poderia definitivamente foder com você de uma vez por todas.

No entanto, era melhor deixar isso pra lá por enquanto e se concentrar em trocar os curativos dos pulsos. Você não fazia isso há uns dois dias pelo menos e aquela merda podia acabar infeccionando e provocando problemas realmente graves.

Nada radical, nada radical, você repete em voz alta, enquanto tenta nervosamente desenfaixar os pulsos. Aliás, aquilo, dos pulsos, havia sido uma coisa realmente estúpida. Estupidamente burra e estupidamente radical.

Consegue primeiro retirar a atadura do pulso esquerdo, depois, do direito. Os cortes estão com aspecto razoável, embora ainda sem nenhum sinal de cicatrização.

Aperta os pulsos, tentando ver se consegue fazer sangrá-los de novo. Não parece uma idéia nem um pouco sensata, mas você continua fazendo isso, sentado na privada, enquanto, como sempre acontecia quando estava com sua bunda em cima de uma privada, se esforça ao máximo para tentar fazer com que seus intestinos funcionassem sem que uma grande e longa batalha precisasse ser travada para liberar o que precisava ser liberado, o que raramente acontecia. 

Não demora muito para que seus pulsos, pressionados alternadamente por você, primeiro o esquerdo, depois o direito, comecem a sangrar de novo, e bastante, no chão do banheiro, bem próximo à privada.

Logo, porém, você deixa de prestar atenção nas poças de sangue que se formam ao redor da privada, já que seus intestinos começam finalmente a se movimentar – e de forma rápida e violenta. Você começa a sentir então que sua bunda é constantemente molhada pelos respingos que a grande quantidade de bosta que sai do seu rabo provoca, ao bater com força na água do fundo da privada.

Conclui que terá que lavar o rabo no chuveiro, quando aquele bombardeio de merda finalmente acabar, o que parece já estar começando a acontecer, já que suas entranhas dão os primeiros sinais de que estam finalmente se acalmando.

Mas aí você percebe que, para lavar a sua bunda lambuzada dos respingos de toda aquela bosta que saiu do seu rabo, bateu na água do fundo da privada e voltou em pequenas gotas para o seu traseiro, você terá de sujar os seus pés, que estão descalços, naquele sangue todo que continua a escorrer dos seus pulsos para os ladrilhos do chão do banheiro, próximo à privada onde você continua sentado, sentindo suas entranhas irem lentamente se acalmando.


Talvez seja melhor ficar ali, imóvel, sentado na privada, esperando o resto do sangue escorrer dos pulsos. Pelo menos você não vai precisar lavar a bunda quando terminar de cagar, nem sujar os pés.



JR Fidalgo: um jornalista que tem preguiça de perguntar, um escritor que não tem saco pra escrever e um compositor que não sabe tocar. (mas que, mesmo assim, já escreveu três romances e uma quantidade considerável de canções ao longo dos últimos 45 anos)


TRANSFERÊNCIA DE PEPINO (por Marcelo Rayel Correggiari)




Um dos prazeres das férias para um merceeiro sem filhos é a paz encontrada na ‘padoca’ da esquina.
Porque morar ao lado de um dos clubes mais famosos do mundo que recebe centenas de ‘candidatos a Neymar’, mais duas escolas estaduais, duas particulares e uma municipal, tudo num raio de 50 a 100 metros, é passar a maior parte do ano em eterno turbilhão.
Chega essa época do ano, das tais ‘férias’, e um sossego impera em cada centímetro de chão.
Uma belezura!
Sem filas, sem pais fazendo filas duplas em boa parte das ruas do bairro, uma tranquilidade que esse envelhecido merceeiro já tinha perdido o costume.
Que tesão!
Paz! Uma coisa...
Tudo geladinho, no ponto, dentro do tempo cronológico. Uma maravilha!
Sim, porque a algazarra, nessa época do ano, empurramos para os chamados ‘bairros da orla’.
Três meses que nós, cá no fundão da ilha, mandamos nossas boas energias de força & fé, mais nossas extremas-unções para os(as) cidadãos(ãs) moradores(as) dessas localidades.
“Vai, meu povo! Curte a praia aí... que eu ‘tô’ te vendo!”. Se é que dá para curtir praia até o Carnaval chegar.
A mais nova ‘coqueluche’, nos litorais brasileiros, é uma tal caixinha de som chinesa com conexão por ‘dente azul’.
Imaginem! Cada um leva a sua!
Numa praia com, por baixo, 50 mil no meio da semana, é de se calcular que, se todo mundo tiver a mesma ideia, ...
É a “guerra da imposição”: “... meu ‘funk putaria’ tem mas putaria & sacanagem do que o seu!”, pensam os usuários. Sim, porque ninguém vai com caixinha de som à praia para a execução de uma 9ª de Beethoven, 25ª de Mozart ou qualquer obra-prima de Dvórak.
Costumam dizer que é “educativo”: aprende-se muito sobre ginecologia, urologia e obstetrícia. Tem grandes lábios, pequenos lábios, clitóris, ânus, glande, “socar” colo do útero, próstata, “... senta, senta, senta, senta, senta...”.
Corre-se à boca pequena que o ‘must’ desse verão é um funk que ensina aos(às) residentes o passo-a-passo da postectomia com requinte de detalhes. Um troço! Tudo isso na disputa sonora de quem executa o trambolho mais alto (uma espécie de “frevo-abafa”) na presença dos mais ‘pequerruchos’ com suas pás e baldinhos de areia.
Um problema dos compositores ou da ouvinte plateia?! Às vezes, há certos problemas que tem tudo a ver com os usuários.
De qualquer forma, empurramos esse trem para as faixas de areia.
“Até fevereiro, pessoal!!!”.
Aqui é só sossego...

No ar-condicionado da vazia ‘padoca’ (ô, ‘bença’!), esse merceeiro acaba por recordar sua velhice indesejada: ele era de uma época que fazia parte do passeio ouvir a beleza dos sons que uma praia e o mar são capazes de produzir.

Marcelo Rayel Correggiari
nasceu em Santos há 47 anos
e vive na mítica Vila Belmiro.
Formado em Letras,
leciona Inglês para sobreviver,
mas vive mesmo é de escrever e traduzir.
É autor de Areias Lunares
(à venda na Disqueria,
Av. Conselheiro Nébias
quase esquina com o Oceano Atlântico)
e escreve semanalmente em
LEVA UM CASAQUINHO