Saturday, June 30, 2018

SEGUIMOS COM O FESTIVAL CLÁUDIA CARDINALE, TRAZENDO O CLÁSSICO "OS CARBONÁRIOS" (1969, legendas em espanhol)




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POSTERS E LOBBY CARDS
















PARADISO TOP 5: CINCO FILMES PARA QUEM ACHA QUE HOSPITAIS PODEM SER ENGRAÇADOS


POR CHICO MARQUES



O HOSPITAL
(Hospital, 1971, 103 minutos, dir: Arthur Hiller)

A vida do Dr. Bock (George C Scott) está de ponta cabeça desde que a mulher o deixou, os filhos pararam de falar com ele e seu antes amado hospital-escola começa a cair aos pedaços por falta de investimentos em manutenção. À beira de um colapso nervoso, ele se apaixona por uma jovem lindíssima (Diana Rigg), filha de um paciente bruxo que lembra o Don Juan de Carlos Castañeda, e coisas fantásticas começam a acontecer. Roteiro genial de Paddy Chayefsky que o sensível Arthur Hiller dirige com precisão. Um filme magnífico, que infelizmente nunca foi lançado em home-video aqui no Brasil, e há muito tempo não frequenta a programação da TV. Mas se for exibido em algum lugar qualquer hora dessas, não deixe de ver. Vale (muito) a pena.
HOSPITAL DOS MALUCOS
(Brittania Hospital, 1982, 116 minutos, dir: Lindsay Anderson)

"Brittania Hospital" encerra de forma notável a "trilogia britânica" de Lindsay Anderson composta pelos poderosos "If..." (1968) e "O Lucky Man" (1973). Um Hospital tradicional se prepara para receber a visita da Rainha-Mãe mas não sabe o que fazer para esconder pacientes insatisfeitos, manifestantes irritados e um cirurgião-chefe (Malcolm McDowell) que virou um cientista louco e agora desenvolve um projeto semelhante ao do Dr. Frankenstein. Essa black comedy impagável é a obra-prima da série, mesclando elementos realistas com elementos fantásticos com doses cavalares de humanismo, anarquismo e "wit". Um filme que deveria ser visto por todo profissional de medicina, como uma espécie de tira-teima vocacional. 
M*A*S*H
(M*A*S*H, 1970, 116 minutos, dir: Robert Altman)

Eis aqui o filme favorito de nove em casa dez sobreviventes dos Anos 60. Sátira debochadíssima e devastadora sobre dois médicos fanfarrões (Donald Sutherland & Elliott Gould) que trabalham numa unidade médica bem festiva na Guerra da Coréia nos Anos 50. O filme de Robert Altman faz alusões muito engraçadas à Guerra do Vietnam, que vivia então seu momento mais sangrento, e foi rodado às escondidas de Darryl Zanuck, chefão da Fox, que estava preocupado apenas com uma superprodução de guerra bem careta: o hoje esquecido "Tora Tora Tora". Quando soube que "M*A*S*H" e estava fazendo sucesso em Festivais e exibições especiais pelo mundo afora, não teve outra alternativa senão lançar o filme no circuito comercial. E foi um grande sucesso, dando origem a uma série de TV de mesmo nome, estrelada por Alan Alda e Wayne Rogers, que permaneceu em produção de 1972 a 1983). O tom antibelicista do roteiro de Ring Lardner Jr. (vencedor do Oscar daquele ano) pode ser atribuído à prisão dele na década de 1950. O escritor fez parte do Hollywood 10, grupo de roteiristas e diretores que foram denunciados pelo Comitê de Atividades Anti-Americanas que na época perseguia prováveis comunistas em Hollywood.
S.A.Ú.D.E.
(HEALTH, 1982, 105 minutos, dir: Robert Altman)

Um hotel na Flórida recebe uma convenção que trata de alimentação saudável. Enquanto membros de uma das organizações tentam eleger seu presidente, cria-se uma guerra de poder entre uma empresa e sua subsidiária. Nesse seu décimo-quinto longa metragem, Robert Altman. recrutou Carol Burnett, Glenda Jackson, James Garner, Lauren Bacall, Dick Cavett e Paul Dooley, e mais 40 e poucos atores na esperança de tentar repetir o sucesso artístico de "Nashville" e "Cerimônia de Casamento". Mas foi brecado pela 20th Century Fox, que, apesar de bem recebido em Festivais Internacionais, não gostou do resultado e decidiu não lançar o filme em circuito comercial em 1980. Só em 1982 ele viu a luz do dia, totalmente reeditado à revelia de Altman (com uma hora a menos de duração, todo truncado e incompreensível), e rapidamente seguiu para a TV. Um "director's cut" de "HEALTH" com certeza vai revelar um "grande filme perdido" na filmografia deste grande e destemido diretor. 
DR. MUMFORD
(Mumford, 1999, minutos, dir: Lawrence Kasdan)

Durante a faculdade e uma carreira rápida como investigador da Receita Federal, um homem (Loren Dean) é preso por envolvimento com drogas. Vai para um centro de reabilitação para drogados, administrado por monges bem compreensivos, com quem aprende a dar atenção aos problemas das pessoas -- que, por sua vez, confiam no seu sorriso e confiam a ele seus segredos bem íntimos. Ele decide então usar seu conhecimento em computadores e sua habilidade em falsificações para criar uma nova identidade: Mickey Mumford, nome de um amigo de infância, que morreu com 6 anos de idade. Torna-se um "psicólogo", passa a ser conhecido como "Dr. Mumford", e, ao procurar um lugar para viver, acha uma cidade chamada Mumford e vê nisto um sinal. Muda-se para lá. Em pouco tempo consegue vários pacientes. que começam a experimentar novas sensações através de seus métodos pouco ortodoxos -- como Sofie (Hope Davis). Até que, um belo dia, ele é desmascarado por um programa de TV sensacionalista. Uma comédia romântica incomum, irresistível e pouco conhecida de Lawrence Kasdan, que merece uma chance.




O LEITOR MISTERIOSO (por Marcus Vinícius Batista)



No domingo à noite, vi o primeiro suspeito. Parecia ser uma senhora – eu estava a uns 50 metros de distância -, vestindo um casaquinho verde, daqueles de senhora mesmo, como uma personagem do jogo de tabuleiro Detetive.

Descobri sem querer, havia descido para deixar o lixo na rua, mas percebi que ela parou uns dois segundos antes de subir a escada, tempo suficiente para medir os livros, ler as capas e levá-los para casa.

Tinha colocado os livros ali, no hall de entrada do prédio, há menos de duas horas. A intensidade e a frequência do sumiço das obras reforçavam o modus operandi e a suspeita das especulações: alguém estava montando uma biblioteca a partir da minha.

O quase flagrante – ou a alucinação literária – é mais um episódio da história que começou há um ano e meio. No prédio onde moro, há uma caixa de correspondência grande, de quase um metro de diâmetro, no hall de entrada.

Nessa época, inspirado por projetos semelhantes, passei a deixar livros e revistas em cima da caixa, encostados na parede. Na caixa, ficam as cartas, a burocracia, as contas a pagar da vida concreta. Acima dela, morariam temporariamente a liberdade da literatura, o ácido em forma textual.

Era uma forma simples de compartilhar textos bons, mas que não seriam mais lidos por mim e que mereciam novos olhos de leitura. Uns dois meses depois, a então subsíndica, Marlene, sem saber quem era o autor da ideia, oficializou a caixa de correspondência como endereço oficial para troca e doação de livros. Um cartaz plastificado selava o compromisso público com a literatura.

O espaço começou a receber gente de toda ordem: de Cervantes com seu Dom Quixote a apostilas de Ensino Médio, sem autoria definida; de Bram Stoker com seu Drácula – capa dura, repassado para meu irmão André Rittes, vítima de alguém com a “síndrome do pego emprestado, mas sumo com o livro” – a revistas Tititi, variação contemporânea da lógica do terror. Vários saíram e outros acabaram nas minhas estantes, como Cristóvão Tezza, Agatha Christie e coletâneas de crônicas brasileiras.

No último mês, dois fatores alteraram a dinâmica em torno dos livros. Marlene deixou o cargo de subsíndica, e alguém encarou o lugar como cemitério: abandonou à própria sorte dois volumes da Enciclopédia Larousse. Foram 30 dias de agonia, que – a cada dia – reforçavam como certos livros podem se tornar fora do catálogo da vida. Ninguém mais quis saber das enciclopédias. Como concorrer com a maior e menor de todas elas, o Google, com muito mais volumes que cabem no bolso?

Ao mesmo tempo, percebi nos últimos 15 dias que os livros desapareciam mais rápido do que de costume. Questão de horas. Notei também que ninguém mais doava exemplares de coisa alguma. E os volumes da Larousse sofriam a agonia em praça pública.

Não dava para abrir duas frentes de atuação. Um passo por vez para não perder o esforço. A primeira saída foi escolher um destino digno, dentro das circunstâncias, para o pedaço de enciclopédia. Pensei em diversas hipóteses, todas elas resultariam em lata do lixo, em qualquer ponto da cidade, no anonimato.

Decidi que a morte honrosa pela reciclagem era a opção. Os volumes, se reciclados devidamente, poderiam reencarnar como livros didáticos. Ou romances de qualidade. Ou obras de poesia. Ensaquei-os como uma caixa de enterro decente e os encaminhei para uma nova vida, em outro plano espiritual.

Voltando ao desaparecimento dos livros. Por causa de uma redução da minha biblioteca, intensifiquei a doação de livros nos últimos 15 dias. De 20 a 30 obras por semana, parte para meus alunos, um pequeno pedaço para amigos no caso de livros específicos, e o restante para o hall do prédio.

No hall, minhas doações evaporavam em duas horas, talvez três. Cheguei a fazer quatro doações no mesmo dia, para manter o espaço ocupado. Até porque a nova gestão aqui no prédio é modelo temer. Suspenderam a reciclagem de lixo, retrocesso na política ambiental, um passo para acabar com o departamento de Cultura, desconfio que sem a gritaria da classe artística-artesanal do condomínio.

Os "sequestros" pareceram, para mim e Beth, minha mulher, ato bem intencionado, um relacionamento consentido. Primeiro, acreditamos que havia muita gente interessada em ler, que os livros estavam tirando tempo da TV e da Internet. Depois, mudamos a hipótese: e se uma família toda resolveu ler, de repente? Refletindo melhor, parecia improvável que o hábito nascesse, por geração espontânea, para todos os integrantes de um único apartamento.

Sobrou a terceira hipótese: um único beneficiário, reconstruindo ou construindo uma biblioteca a partir da biblioteca aqui de casa. Hoje, aposto que foi a senhora de casaquinho verde, com as próprias mãos, no hall de entrada. Não tenho outros suspeitos, e ela pegou a escada em direção aos apartamentos da frente. Em um deles, mora uma família nova há um mês.

A senhora, por sinal, apresenta semelhanças físicas e etárias com a moradora nova. Mas a suspeita não traz confiança, pois era à noite, com chuva, e eu estava a 50 metros de distância, como escrevi, e sem óculos.

Hoje, doei livros novamente. Eles sumiram outra vez. Independentemente do novo leitor, queria só matar minha curiosidade, conhecê-lo, saber o que já leu, discutir o conteúdo, sugerir novas obras e, acima de tudo, desejar bom passeio, boa leitura. Sem crime, não há suspeitos.

P.S.: Eu e Beth nos mudamos em 1º de setembro. Não sabemos como ficou o espaço.


Obs.: Texto publicado no site QLivros, em 1º de junho de 2016. Texto publicado no blog Palavra Cultural, em 10 de junho de 2016.


Marcus Vinícius Batista
é o cronista santista número um, ponto.
É autor de "Quando Os Mudos Conversam"
Realejo Livros),
coletânea de crônicas escritas
entre 2007 e 2015.

ONANISMO (por Carlão Bittencourt)



“O que eu gosto na masturbação
é que você não tem
de dizer nada depois”
(Milos Forman)


O redator estava atrasado. Passava da meia noite quando chegou à festa de lançamento do Anuário do Clube de Criação de São Paulo, no Palace. Lotado.

Riu. Melhor assim. Antes tarde do que nunca. Afinal, àquela hora, quem precisava ir embora já tinha se escafedido. Quem ficou, foi para meter o pé na jaca. Com tudo. Homens ao bar!

No balcão, pediu ao barman um uísque à la Vinicius de Moraes. Sabe como é? Copo alto, gelo cristal e uísque até a boca. Perfeito. Apesar da sede, desértica, ficou mexendo a bebida com o dedo até o copo embaçar. Pronto. Matou o drinque de um longo e delicioso gole. Mais um, por favor. Gêmeo idêntico.

Enquanto esperava, tragou o cigarro e espiou o salão. Indócil mulherio. Que agito! Podia ouvir as vozes e gargalhadas de onde estava. A noite prometia. Pegou o segundo copo e entrou na festa. De cabeça.

Logo de cara, esbarrou numa mesa amiga. A ruiva da cabeceira abriu-lhe um sorriso que dizia tudo. E o decote ainda mais. É hoje. Sentou praça junto daquelas sardas.

Três horas depois estavam atracados no carro. Dele. Em frente ao prédio. Dela. Pediu para subir. Negativo. Mas a mão que abria sua braguilha, dizia-lhe que nem tudo estava perdido.

Com o bimbo livre, desfraldado e orgulhoso da ereção, recostou no banco e deixou a moça mostrar a que vinha. Deu azar. Ela foi de mão. Melhor que nada. Salve Onã, rei dos solitários!

Cinco minutos depois, sentiu que a ela não era do ramo. Mal de ritmo, acelerava e desacelerava, como motorista amadora. Uma tristeza. Resolveu dar uma mãozinha. Isto é, um palpite. Sussurrou:

"Pega mais na base...isso, assim... Agora toca em frente, benzinho, rápido..."

A ruiva bem que tentou fazer a vontade do freguês, mas não acertava a mão. Deu outra dica:

"Insista na cabecinha, por favor..."

Novo fracasso. Definitivamente, ela não entendia do assunto. Fez força para se concentrar, pensando na esposa, Rosa. Quem sabe? “Rosinha, sim, bate um punhetaço!” Sem sucesso.

A dor que vinha do saco escrotal se estendia por longos minutos. Insuportáveis. Suava em bicas. E a ruiva não melhorava o desempenho.

Finalmente, concluiu: “Chega de terceirização! Quem gosta das coisas bem feitas que as faça.”

Empurrou a mão da moça. Num assomo de loucura, continuou ele mesmo o serviço, bem ao seu modo, gritando para a pobre coitada, pasma, ao seu lado:

"Vê se aprende, ô sarará, é assim que se descabela um palhaço!!!"

Carlão Bittencourt
é redator publicitário
e cronista.
É autor de
"Pela Sete - Breves Histórias do Pano Verde"
(2003, Editora Codex),
um mergulho no universo
dos salões de bilhar de São Paulo

Thursday, June 28, 2018

NOSSA CORRESPONDENTE EM MADRID JULIANA ROSANO FALA DE ANTHONY BOURDAIN E DE COMO SUA MORTE A ABALOU PROFUNDAMENTE



Madrid, algum dia de junho de 2018

Caros Amigos,

A inesperada e temprana morte de Anthony Bourdain me fez, uma vez mais, pensar que diabos fazemos aqui. E mais que isso, foi a primeira morte de um grande ídolo que vivi. Eu ainda não existia quando Jim, Jimi e Janis partiram e era pequena demais quando foi a vez de Lennon. Em 2011, Amy nos deixou e egoísta de mim, fiquei mais triste de não poder vê-la ao vivo aqui em Madrid em 2008, do que a sua morte propriamente dita.

Em 94, quando Kurt Cobain se uniu ao clube dos 27, pensei “putz cara babaca, pegou um rifle e acabou com tudo... se nunca quis ser um rockstar, que tivesse feito outra coisa...” Nunca perdoei o grunge por ter acabado com o “Hair Metal” dos 80 e  nunca consegui entender o porquê daquela gente que tinha tudo e de repente, boom! Se acabou!


(Anthony Bourdain, Nova York, meados dos Anos 80)

Passei mais de vinte anos sem saber que eu mesma tinha uma depressão profunda – eu sempre fui, apesar de ter tido uma infância, digamos, mais ou menos solitária, algumas coisas me faziam feliz e nunca me faltou de nada. Quem sabe, até tive muito de tudo, no sentido material.  Aí eu descobri o rock e os solos de guitarra e decidi que seria ser uma rockstar.

Quando eu acordei do meu sonho rock'n'roll, despertei para um pesadelo vivo. Desorientadíssima, escolhi fazer uma faculdade, que não tinha muita certeza, acabei fazendo tudo nas "coxas", mas levei grandes lembranças e bons amigos até hoje. Entretanto não foi a indecisão profissional que me levou à depressão. Foi um ataque sexual que sofri quando tinha 18 anos, voltando de uma noitada. Foram mais de vinte anos, sentindo culpa, medo, vergonha, odiando meu próprio corpo, buscando relações vazias e muitas vezes desejando que aquele desconhecido tivesse me matado, só para não viver com aquela dor. Uma dor que eu guardava no mais profundo do meu disco duro - às vezes penso quando gigas-mega-tera-bytes pode armazenar a nossa memória. Muitas vezes desejei que existisse como naquele filme da Kate Winslet e o Jim Carrey, um aparelho que apagasse as nossas bad-trips. Mas como isso nunca existiu, aprendi a viver com isso na minha cabeça, e ainda que tentasse dar uma aparência de que estava tudo bem, eu cada vez me afundava mais.

Até unos dois anos atrás, cheguei no meu pior estado físico. Não cheguei a ter nenhum problema grave de saúde, mas tomei uma decisão radical (como muitas que tomei na minha vida – talvez pelo fato de ter nascido prematura – sempre com pressa) de reduzir o meu estômago. Em uma história que pareceu um filme da franquia Bourne Identity- viajei a Lituânia para um turismo médico e finalmente consegui a tão sonhada operação.

Em todo esse processo, cheguei a perder quase 70 quilos. Sempre fui uma pessoa muito segura, e achei que estava preparada. Mas não estava. Depois da operação sofri distúrbios alimentários. Primeiro a anorexia – simplesmente não queria comer para não "joder" a operação - me sentia como se tivesse comprado um Masseratti sem seguro e o batia no dia seguinte. Cheguei a pesar 58 quilos, com o bastante alta que sou. Parecia um judeu de um campo de concentração. A mandíbula marcada, as costelas salientes, qualquer um podia contar os discos da minha coluna e o meus braços finíssimos me davam um ar frágil.  Um dia no verão do ano passado, fui à Gran Via dar um passeio e as pessoas me olhavam como se eu fosse um alien e algumas inclusive davam a volta para continuar me olhando o magra que eu estava. Depois da anorexia, veio a bulimia. Quando o meu corpo começou a aceitar mais comida, comecei a me sentir culpada por comer, porque justamente não queria estragar tudo. Além disso a pressão no meu ambiente de trabalho, porque mesmo que eu tivesse conseguido um ótimo emprego e tinha tudo, eu não era feliz.

Não era feliz quando era gorda, nem feliz quando fiquei magra. Fui diagnosticada com um quadro de depressão severa, agravada pela bulimia. Fiquei três meses de licença médica - nesse tempo, no auge da minha doença, raspei a cabeça e tentei me suicidar duas vezes. Agora eu entendia o que era ter tudo, o trabalho dos seus sonhos, dinheiro, liberdade, mas não se sentir completa. Essa era a famosa depressão. Voltando à morte do Bourdain, me doeu muito porque ele se suicidou da mesma forma que eu tinha tentado menos de um ano antes. Ainda que me doa muito a perda do cozinheiro rock star, ele teve "cojones"; como dizemos aqui na España. Eu não tive. Quando percebi que estava quase conseguindo, parei. Parei porque alguma coisa dentro de mim ainda queria viver. Hoje com 40 anos, como se diz em inglês, "I came to terms with my life, with my body, my sexuality and with evertyhintg that happened." Aceito tudo o que aconteceu comigo e aprendi a viver com isso. É como uma a ferida que cicatriza, mas que de vez em quando você sente um repuxão.

E aqui estou. Escrevendo, colocando todos os meus demônios para fora e tomando a famosa droga da felicidade, o Prozac. Ainda estou sob tratamento médico e não estou cem por cento, mas infinitamente melhor do que há um ano atrás. And in love – in love with Mr. Blue Eyes. Nesse meio tempo curti noites e noites com roqueiros veteranos da cena madrilenha, mas nada se compara ao Mr. Blue Eyes.


(Grafitti de autor desconhecido no bairro de Valdeacederas, Madrid. Foto por Juliana Rosano)


Bom, falei muito e não falei nada. Mudando de alhos para bugalhos.  Recentemente mudamos de governo, passamos do arcaico Partido Popular ao governo socialista do PSOE, que aos dois dias já teve o seu primeiro escândalo: o Ministro de Cultura sonegou mais de 500 mil euros em impostos e acabou demitindo. Apesar disso, em outra esfera, acolhemos os barcos de imigrantes que nem a Itália nem Malta aceitaram. Eu, como estudiosa do Holocausto, não poderia ficar impassível a esta situação e uma lágrima rolou quando li que o governo español decidiu deixar desembarcar os imigrantes no porto de Valencia. A Europa está cada vez mais dividida e sinceramente não sei quanto mais tempo vai durar esse papo de um continente unido.

E no âmbito cultural, duas exposições muito bacanas começaram há pouco: uma sobre o Dadaísmo Russo e outra sobre o nascimento da Op Art – tenho intenção de visitar as duas, mas antes no sábado vou curtir um rock e vou ver o show do Ozzy Osbourne, como diz um querido amigo meu, o pior melhor cantor de todos os tempos – ou alguma coisa assim.

Bueno, por fin, creo que por hoy es todo... Ah, por cierto, ya empezó el verano y con él, o cheiro de esgoto na rua, o cheiro de suor no metrô e todos os cheiros ruins que alguém possa imaginar... Mas é o tempo do calor e como não, nossa natureza humana nunca está contente com nada.

Pues nada, amigos, aquí os dejo y hasta la próxima,

Un beso a todos,

Juliana (aka La Juli)


Juliana Rosano nasceu
em Santos SP em 1978,
e vive na Espanha há alguns anos.
Esta é sua segunda colaboração
para LEVA UM CASAQUINHO.



VAMOS EM FRENTE (por Alvaro Carvalho Jr)




Ninguém, ou melhor, nenhuma equipe, tem a obrigação de ser campeã do mundo. Quem define o maioral é, exatamente, a regularidade, a vontade de vencer e a condição técnica. A seleção brasileira, nesta última quarta-feira, mostrou que sabe o que quer e que pode, sim, chegar ao título. Não que a vitória sobre a Sérvia tenha demonstrado uma equipe defintiva, eficiente, brilhante. Mas, com muita atituide, mostrou uma equipe decidida e em condições de evoluir ao longo de competição.

O futebol é a grande definição da imponderabilidade, basta usar como exemplo a derrota alemã para os coreanos e a vibrante e sofrida vitória da Argentina quando ninguém mais apostaria um níquel, tanto na Coréia como na Argentina. Por isso, nem mesmo essa vitória brasileira coloca o Brasil como o grande favorito. México será um adversário complicadíssimo e, caso passe para a outra fase, preparem-se para enfrentar os gigantes do futebol mundial, mesmo com a saída alemã.

Mas, detalhando a partida, descobrimos que Neymar fez sua primeira boa partida neste Mundial. Não caiu, não abusou das jogadas individuais e, principalmente, não abusou das firulas. Jogou para a equipe, tocou a bola na hora certa, deslocou-se bem e arrastou consigo, sempre, dois ou três zagueiros quando pegava a bola. Hora, se três preocupavam-se com ele, outros dois ficavam mais à vontade na partida, matemática simples. Assim, o Brasil passou 90 minutos sem sofrer grandes surpesas, ou sentiu-se afogado e pressionado.

Considero interessantes as análises pós-jogos, quando nosso “entendidos em futebol”, derramam várias teorias, colocam em dúvida a partida ou, simplesmente, acham que o Brasil ainda não jogou bem. Ora, se o futebol é a arte do imponderável, o que discutir de uma vitória de 2 a 0 sem grandes sofrimentos? É preciso entender que duas equipes entram em campo para vencer, independente da qualidade técnica de qualquer uma delas. Volto com o exemplo de Coréia e Alemanha. Tudo se decide dentro das quatro linhas, onde 22 jogadores procuram, incansavelmente, o gol. Lembrem-se, tudo pode aconceter. O mais fraco (teoricamente), pode vencer o mais forte (teoricamente), demonstrando a grande beleza desse esporte bretão. Quando o juiz apita a saída, não existem favoritos, existem tão somente levantamentos que informam quantas vezes um time venceu o outro e nada mais. Caso fosse diferente, os chamados tabus nunca seriam quebrados. Simples assim.

Portanto, o Brasil dá um passo enorme e tem boas chances de chegar à final. É favorito? Quem se arrisca a afirmar. O futebol é tão louco e tão imprevisível que substituições, mesmo que indesejáveis, acabam transformando a partida. Marcelo, considerado o melhor lateral esquerdo do mundo, saiu logo no início e André Luis deu conta do recado, transformando a seleção mais forte em sua defesa. O mesmo se diga do outro lado, onde Danilo era o titular absoluto e acabou derrubado por uma contusão. Seu substituto, o único jogador que não atua em times europeus, Fagner, mostrou que é competente o suficiente para ser o titular. Ou seja, seleção é conjunto, é grupo. Lembrem-se, este talvez o maior exemplo do futebol mundial, Pelé era reserva em 1958 e deu no que deu.

Assim, chego à conclusão de que o Brasil pode chegar lá. Campeão? Não sei, a imponderabilidade do futebol me impede dos dotes de pitonisa. Mas, vamos ser sinceros, a seleção mostrou outra cara, mostrou outro comportamento e mostrou, principalmente, atitude. Uma equipe de futebol se forma com homens, não com meninos. Sinto apenas a falta de um grande líder, Casimiro parece não querer assumir o cargo, e a falta de um capitão. Em todas as cinco Copas que vencemos, saímos do Brasil com o capitão definido, homens inesquecíveis e que comandavam a equipe com linha dura, exigiam garra e determinação. Sempre é bom lembrar que os melhores e mais famosos, nas velhas seleções, nunca foram capitães. Eram, e sempre foram, aqueles quem demonstravam liderança. Esse rodízio de Tita pode ser contra producente, na reta final. Mas, o futebol é imponderável, lembram??? Inté.

PS: A Itália caiu e não chegou até a Copa. A Alemanha (que delícia!) foi desclassificada pela Coréia. O Brasil continuará a ser a única quipe penta campeã. Não sei se isso é importante, mas é um tesão...HE!HE!HE!



Álvaro Carvalho Jr. é jornalista aposentado
e trabalhou para vários jornais e revistas
ao longo de 40 anos de carreira.
Colabora com LEVA UM CASAQUINHO
quando esquece que está aposentado.

A POUCOS DIAS DO DIA MUNDIAL DO ROCK, EDUARDO CAVALCANTI SAÚDA O DISCO QUE FOI O MARCO ZERO DO ROCK BRASILEIRO









Eduardo Rubi Cavalcanti
é jornalista desde a década de 80.
Trabalhou em A TRIBUNA de Santos
e em várias outras publicações. 
É Mestre em Comunicação Social
pela Universidade Metodista de São Paulo
e leciona Jornalismo na Unisantos,
onde cursou sua graduação.
Publica domingo sim, domingo não,
em A TRIBUNA de Santos,
a página PRÓXIMA PARADA,
que reproduzimos aqui.

DICIONÁRIOS (por Marcelo Rayel Correggiari)




De vez em quando, é bom nos debruçarmos sobre os dicionários.
Um dos principais perigos para o mundo hoje não está somente na destruição do meio-ambiente, atentados contra a vida ou estilo-de-vida que mais parece uma fábrica de fazer loucos(as): a capacidade de cognição também está sob sério risco.
Uma boa visita ao dicionário, nesse caso, pode ser bastante relevadora.
O bom e velho ‘livrinho’ de palavras (com versões online, pela internet, que atendem a todos os gostos) pode auxiliar na noção exata do que precisa ser expresso. Grande parte das pessoas não o utiliza. Por causa da preguiça, presunção, ou por entender que o bom uso das palavras é coisa de gente esnobe, pretensiosa, que deseja, acima de tudo, manipular todas as demais, os dicionários não são consultados.
Há, igualmente, uma outra explicação: um bom dicionário pode escancarar nossa limitação e ignorância sobre aquilo que julgamos ser o uso correto dos conceitos.
Em suma, um dicionário pode desmascarar o(a) querido(a) freguês(a), sem antes pôr abaixo qualquer princípio ou crença que bem poderia ser adotada pelas demais pessoas.
Nos dias correntes, não há livro mais subversivo do que um dicionário.
Simplesmente porque o danando contém, por intermédio da etimologia, o significado inicial e consagrado das palavras, boa parte delas bem mal utilizada nesses tempos bicudos.
Em caso de dúvida, esconde-se o ‘maledetto’ e “... abafa o caso!”.
Mal começo...
Nos dias atuais, o perigo, às vezes, vem com o nome de “ressignificação”. Tudo precisa ser revisitado e “ressignificado”. Um troço meio chato e canhestro. “Ressignificar” algo que já possui um significado consagrado esconde, em si, uma presunção e arrogância bastante perigosas.
Vamos por partes, então...
Se algo possui um significado consagrado, tal coisa não precisa de “ressignificação” (ou um “significado novo”, como queiram). Tal objeto já é entendido (ou quase isso!) por um número considerável de usuários de um código (no nosso caso, a Língua Portuguesa) e não haveria cabimento “... criar um novo significado...” para qualquer coisa que já possui o seu.
Confusão: uma costumeira ‘forçação-de-barra’ para que todos os demais incorporem um significado sobre algo que já possui o seu quando, na verdade, o jogo-de-fundo é a reutilização desse mesmo objeto sob o pretexto de ‘cenários diferentes e inéditos’.
Imaginemos “ressignificar” coisas simples e corriqueiras como cachorro, automóvel, muro, colher, teto, pasta, escrivaninha... seria somente uma “ressignificação”ou uma nova utilização de algo que já possui seu significado consagrado?!
Afinal, utilização nova e diferente de algo é uma coisa, “ressignificação” (ou significado novo) é bem outra.
Nem precisaríamos apontar um certo “cheiro da tramoia” contido nisso: como precisaríamos acobertar certa ‘picaretagem’ para novas utilizações que bem atendem interesses extremamente pessoais, colocamos o nome de “ressignificação” para ‘ficar bonito’ (ou ver se cola).
A presunção aumenta mais quando detectamos que “ressignificação” é um gesto (questionável!) do emissor da mensagem, jamais do seu receptor. O gesto do receptor é o de “interpretar” a mensagem, decodificá-la.
Voilá! É muita arrogância do emissor jogar tudo nas costas do receptor sob a égide de “... falta de lastro para decodificar mensagens mais quentes...”, “... fracasso do sistema escolar...”, “... mídia que não colabora em nada...”, “... educação de baixa qualidade...”, e por aí vai...!
Mesmo que com parco repertório e bagagem, qualquer ser humano tem capacidade de interpretar a mensagem que recebe. E essa interpretação acontece com os significados iniciais e consagrados das coisas, não sobre um “... novo significado...”, ou “ressignificação”, que só existe mesmo na cabeça do emissor.
Se um(a) receptor(a) de uma mensagem não entendeu a mensagem que recebeu é sinal que ele(a) interpretou corretamente o hermetismo característico daquela mensagem enviada (daí não ter entendido grande coisa). Ou seja, a leitura possui sua correção cognitiva básica (identifica que há metáforas e metonímias presentes na mensagem, e que o(a) receptor(a) precisaria de maior enriquecimento para uma completa decodificação).
Porém, tudo isso é feito sobre significados iniciais consagrados e não sobre “coisa ressignificada”. Uma ressignificação pode soar, da parte do receptor, uma espécie de “puxada de tapete”: uma imposição meramente idiossincrática.
Muito da baixíssima capacidade de cognição encontrada nos dias de hoje se deve a severas alterações na plasticidade do cérebro acompanhadas de diversas neuroses e psicopatias cada vez mais consideradas como “normais” em nossa lida diária. Coisas que atentam contra a segurança de qualquer exercício social, independente da ordem ou esfera. Isso é uma coisa. Entretanto, não são todas as pessoas que portam esse tipo de estado. Ainda há pessoas em perfeita sintonia com seus sentimentos e afetos. Logo, torna-se razoavelmente perigoso a “ressignificação” de algo sob o risco de se perder de vez um excelente contato que se tenha com uma plateia justamente por desautorizá-la em seu exercício de interpretação daquilo que lhe foi posto.
Em caso de dúvida, querido(a) freguês(a), todas vez que estiver diante de um discurso “ressignificado”, consulte um dicionário. Afinal, um grande mérito para tempos futuros é ter a sofisticação de saber o significado inicial e consagrado de tudo aquilo que nos cera.




Marcelo Rayel Correggiari
nasceu em Santos há 48 anos
e vive na mítica Vila Belmiro.
Formado em Letras,
leciona Inglês para sobreviver,
mas vive mesmo é de escrever e traduzir.
É avesso a hermetismos
e herméticos em geral,

e escreve semanalmente em
LEVA UM CASAQUINHO