Tuesday, November 27, 2018

A MAIS NOVA INVESTIDA DE SPIKE LEE NO CONFORMISMO REINANTE EM HOLLYWOOD (por Eduardo Cavalcanti)





Eduardo Rubi Cavalcanti
é jornalista desde a década de 80.
Trabalhou em A TRIBUNA de Santos
e em outras publicações.
É Mestre em Comunicação Social
pela Universidade Metodista de São Paulo
e leciona Jornalismo na Unisantos,
onde cursou sua graduação.
Publica domingo sim, domingo não,
em A TRIBUNA de Santos,
a página PRÓXIMA PARADA,
que reproduzimos aqui.

IMPRESSÕES RÁPIDAS SOBRE TRÊS FILMES EM CARTAZ (por Fábio Campos)


O QUEBRA-CABEÇAS

Escolhi assistir a O Quebra-Cabeças, refilmagem do filme argentino Rompecabezas de 2009, por causa da Kelly Macdonald. Ela é uma as atrizes mais subjugadas do cinema atual, desde Transpotting já demonstra o seu talento, mas sua carreira nunca decolou de verdade – seu melhor trabalho foram as 5 temporadas de Boardwalk Empire.

O filme acabou sendo bastante agradável, apesar de tratar de um tema bastante recorrente no cinema, por isso não conseguir escapar de alguns clichês.
Kelly é Agnes, uma dona de casa que se dedicou ao marido e aos filhos durante 20 anos de casamento, que segue uma rotina previsível até que ganha um quebra-cabeças de presente de aniversário.

Ela descobre que é muito boa em montar aquilo e é aí que fica difícil escapar dos clichês, já vimos várias vezes filmes sobre donas de casas desvalorizadas pela família que a partir de algum evento passam a questionar a vida que levam. Mas o filme tem dois trunfos, Kelly, que está ótima, encantadora, passando toda a sutileza necessária para a mudança gradual da personagem, e a própria ideia do quebra-cabeças – pessoas com raciocino logico apurado tentam em vão encontrar padrões para encaixar na vida e a ideia de conseguir formar algo ordenado a partir do caos acaba sendo um alento – que traz originalidade e alguns bons diálogos ao filme.

Ao longo do filme Agnes encontra um parceiro, se inscreve num concurso de montagens de quebra-cabeças, entra em conflito com o marido e um dos filhos e, obviamente, questiona suas escolhas de vida. Mas uma vez, nada que nunca tenhamos visto, mas contado de uma maneira competente, com alguma originalidade.  Não é um grande filme, mas dá pra ser assistido com prazer.


EM CHAMAS

Em Chamas é um filme sul-coreano adaptado de um conto de Haruki Murakami, gosto baste dos livros dele, mas sempre imaginei que seria dificílimo adaptá-los ao cinema. O forte de seus livros são as palavras, a maneira de contar a história, e não a trama, o que torna bem difícil imagina-los como filmes.

O diretor Chang-Dong Lee, que foi ministro da cultura da Coréia do Sul, troca a força das palavras pela força das imagens de forma muito eficaz, conseguindo, com isso, transmitir o poder das palavras de Murakami e criando no filme um ritmo muito parecido com os seus livros.

Lee Jong-su encontra por acaso uma antiga colega de escola e começa a se relacionar com ela até que aparece o rico e misterioso Ben – Steven Yeun, de Walkind Dead – e os três acabam envolvidos num triangulo, opondo a condição social e a personalidade dos dois jovens. Um é seguro e confiante, o outro inseguro e desconfiado, totalmente desconfortável no ambiente de Ben. Ao mesmo tempo, este parece sentir algum tipo de inveja em relação a Lee Jong, apesar do enorme abismo da condição social, causando um incomodo que vai crescendo ao longo do filme.

Em Chamas ganhou o premio da critica em Cannes, não é um filme fácil, é lento e longo, mas a história é interessante e intrigante - notei até uma certa influência de Festim Diabólico – cheia de referencias à desigualdade da Coréia do Sul, o que nos deixa mais próximos daquele dia-a-dia, apesar da imensa diferença cultural entre os países e que acaba gerando um interesse a mais.


INFILTRADO NA KLAN

Assisti a Infiltrado na Klan em setembro, no seu lançamento nos EUA, e a pergunta que me veio é por que o distribuidor não lançou o filme no Brasil antes das eleições?

Claro que não havia como prever que o líder da Klan, David Duke, que tem uma grande participação no filme, declararia afinidades com um dos candidatos da eleição brasileira, mas o filme é extremamente político e teria se valido da polarização da época para aumentar o seu potencial de bilheteria.

Spike Lee faz o seu melhor filme em anos contando a história verídica de Ron Stallworth – John David Washington, filho de Denzel, que tem começado a despontar com trabalhos interessantes –, um policial negro da pequena cidade de Colorado Springs que nos anos 70, ao ver um anuncio de recrutamento da KKK num jornal, resolve tirar o telefone do gancho e se inscrever como membro. Após ser aceito, Ron recorre a outro policial, Filp Zimmerman – o excelente Adam Driver – para se passar por ele e participar das reuniões da Klan.
Lee faz uma mistura de estilos, uma história dessas não poderia ser contada sem um tom de comédia, mas ele caminha no limite entre uma comédia de absurdos, um filme policial e uma crônica de costumes da época, com toda a efervescência do movimento de direitos civis nos EUA.

Essa mistura de estilos feita com maestria é um dos pontos altos do filme, o filme consegue ser homogêneo, mesmo alternando estilos tão distintos – tenho apenas alguma restrição às cenas enxertadas no final, mas isso não consegue estragar o filme.

Outra escolha inteligente é não caracterizar os racistas como típicos vilões, o filme se aproxima tanto deles que é possível perceber a sua humanidade, apesar das escolhas totalmente idiotas e de destilarem ódio o tempo todo.

Apesar do tom de comédia, há sempre espaço para reflexão, o que deixa o filme muito consistente, um dos melhores do ano na minha opinião.


Fábio Campos convive com filmes e música
desde que nasceu, 52 anos atrás.
Seus textos sobre cinema passam ao largo
do vício da objetividade que norteia
a imensa maioria dos resenhistas.
Fábio é colaborador contumaz
de LEVA UM CASAQUINHO.



BALANÇA, MEU BEM... BALANÇA! (por Marcelo Rayel Correggiari)

(...) O ponto principal é que nem todos os conjuntos de instituições, consideradas como um todo, são iguais. Há combinações boas e ruins. Em alguns conjuntos de instituições, as pessoas podem florescer livremente como indivíduos, como famílias, como comunidades. Isso porque as instituições nos incentivam efetivamente a fazer coisas boas – como inventar maneiras novas e mais eficientes de trabalhar ou de cooperar com nossos vizinhos em vez de tentar assassiná-los. Em contrapartida, há estruturas institucionais que têm o efeito oposto: incentivam o mau comportamento, como matar pessoas que nos incomodam, roubar propriedades que cobiçamos ou desperdiçar nosso tempo. Onde há instituições ruins, as pessoas ficam presas a círculos viciosos de ignorância, má saúde, pobreza e, muitas vezes, violência. Infelizmente, a história indica que há mais dessas estruturas medíocres do que boas. Um conjunto de instituições realmente boas é difícil de se alcançar, ao passo que é muito fácil ficar emperrado em uma instituição ruim. E é por isso que a maioria dos países foi pobre durante a maior parte da história, além de iletrada, doente e violenta. (...) Certamente, é desejável que as sociedades com instituições ruins tenham instituições melhores. Podemos ver esse processo acontecendo em todo o mundo: em grande parte da Ásia, em partes da América do Sul e até mesmo na África. Mas há um processo mais insidioso que vem ocorrendo ao mesmo tempo, em que sociedades com instituições boas pouco a pouco começam a ter instituições piores. Por que isso ocorre? Quem exatamente são os inimigos do Estado de direito, as pessoas responsáveis pela notória deterioração que detecto em nossas instituições de ambos os lados do Atlântico? (...)”[FERGUSON, Niall. “A Grande Degeneração”. Tradução: Janaína Marcoantonio. São Paulo: Planeta, 2013, p. 15-16]
Os(As) ‘urubulinos(as)’ da carniça pútrida já andam com seus maus-agouros: daqui a 40 dias, um 2019 novinho em folha, mas prometendo um buraco bem maior do que esse onde já nos encontramos.
Pode ser pior?!
Aaaahh... pode, sim! Acreditem!
Funcionalismo público do Rio Grande do Norte ainda não recebeu o 13º de 2017. O desse ano, é bom já ir tirando da cabeça tal tola esperança...
Errado?! Claro! Quem trabalha quer receber! O justo salário, a justa paga de sua atividade profissional. Onde já se viu um troço desses?! Trabalha, e não recebe?! Isso não existe. É injusto!
Só que tem um ‘pobrema’, não há dinheiro. Nem para folha de pagamento, remédios em hospitais e postos de saúde, gasolina para viaturas policiais.
É um tal de ‘comunidade solidária’ com brasão das forças policiais dos estados em faixas espalhadas pelas cidades que é uma coisa...!
‘Nós somos a polícia, mas, com a falta de combustível, você vigia, caro(a) cidadão(ã)’.
‘Entonces’... “tá”! Fazer o quê?!
A ‘pregunta’: mas como é que chegamos nesse ponto? Onde foi que tudo deu errado?
‘Cabeça de colonizado’ é uma desgraça! ‘Cabeça de colonizado’ é capaz das piores barbaridades jamais imaginadas em toda história da humanidade. Um troço!
‘Cabeça de colonizado’ pensa bem que dinheiro nunca acaba. ‘Cabeça de colonizado’ vai ‘pra’ praia na certeza de que pau-brasil e palmital nunca acabarão. ‘Cabeça de colonizado’ não vigia Estado Democrático de Direito, imaginando, sei lá, que basta estabelecer uma Constituição e o próprio EDD que tudo se resolve sem grandes esforços.
“Orai, e vigiai!”, já ouviram falar?!
‘Cabeça de colonizado’ é preguiçosa: “... a gente arruma uma boca, tipo ‘Capitanias Hereditárias’, e tudo mais se ajeita”. Abre concurso, apadrinha ‘uma penca’, mantém aposentadorias para B&B, Caixa, militares e magistratura, e foda-se o resto!
“O dinheiro dá”, entende?!
“Não, caríssimo(a)! Dá, não!”. Cobertor minúsculo essa peça de ficção chamada orçamento.
E quando o lugar é pobre (‘Brasil-sil-sil-sil!’), a coisa piora sensivelmente.
O que anda matando em termos de custo da máquina é um trem obsceno que envolve as aposentadorias das “cabeças coroadas”. Citados acima, os cargos de elevado ‘escalão’ são piores que qualquer marajá e/ou monarquia ainda existente no que tange a torrar o dinheiro duramente coletado das atividades ligadas a tal “iniciativa privada”.
É de se avisar: a “iniciativa privada” quebrou, já não anda com as próprias pernas há muito! Mexer numa reforma da previdência (nas três esferas) sem colocar cerca na dinheirama dos “cabeças coroadas” é foder de vez! Os trabalhadores da “iniciativa privada” estão desempregados, fodidos, já não conseguem sequer contar mais com os serviços públicos, uma bosta completa.
Empurrar mais uma continha para as atividades chamadas “da iniciativa privada” é já saber que a porra toda quebra em questão de meses. Não chega em outubro de 2019.
Uma das questões que movimentam os ‘programas de debate’, nos canais abertos, fechados e “Você Tubo” é como o presidente recém-eleito vai lidar com o corporativismo. Brasil é ‘jogo-de-empurra’, “... farinha pouca, meu pirão primeiro...”. E foda-se o próximo!
Católico-cristão, ‘pacas’!
“No cu, jaú!” que o corporativismo “100% made in Brazil” vai entregar a rapadura sem botar ‘pra’ foder. Classe política, populista e babaca, não entrará em ‘bola-dividida’ para perder eleições em breve. Ações necessárias, mas tremendamente impopulares, estão fora de cogitação. Judiciário, que é um outro ente corporativista, nem pensa em partir para o sacrifício “... em ‘prol’ do bem-estar de todos e da nação”. Nem fodendo!
Tudo bem! “Vai quebrar, beleza?!”.
E de um jeito que não vai ter dinheiro para mais ninguém.
Se uns receberem e os demais, não, preparem-se para uma ‘quebra-de-ordem’ que partiu... da... própria governança! ‘Úia!’.
O salário do presidente ‘tá’ garantido, mas o do resto da população, não?! Humm... como gostam de brincar com fogo.
‘Cabeça de colonizado’ é uma bosta, mesmo!
Há o peso, nesses últimos tempos, do empobrecimento mesmo de países ‘considerados’ mais ricos. O mais assustador dos índices, entre os pertencentes à OCDE, é o dos Estados Unidos. Algo aterrador! O que gerou a pergunta presente na abertura da Mercearia dessa semana, feita pelo historiador escocês Niall Ferguson: como podem países ricos entrar, ultimamente, na ‘espiral descendente’?!
As investigações de Ferguson são extensas: recheadas de muitos pormenores numa equação de sétimo grau macabra e forrada de intermináveis variáveis. Em suma, o que daria para afirmar é: onde o dinheiro é escasso, desaparece a ética.
Ética é algo que, por incrível que pareça, todos possuem. Só que uma pessoa enfia a cara em CDs & DVDs piratas, PDFs de livros e demais cópias do que seja, por completa falta de dinheiro. Seria quase como afirmar que “... o dinheiro que uma pessoa tem a faz mais ética do que as demais”.
E há alguma linha de raciocínio pertinente nisso.
Ainda que longe de uma boa explicação para tal, a relação entre ética & finanças rechonchudas acaba por explicar porque nossa cidade, aqui, por essas bandas de cá, tornou-se ‘dinheirista’. Super simples: dinheiro permite ética.
Porque, quando não há bastante para todos, vira ‘terra-de-ninguém’. Questões éticas são postas de lado na busca do acesso ilimitado ao dinheiro. Pessoas passam a ter ‘preço’ e uma vida só vale quando enquadrada na “possibilidade Azevedo Sodré de ser”. Os valores humanos passam por um crise forte diante do desaparecimento de abordagens mais consistente e não tem existência que aguente o tamanho das trombadas que sempre pintam no caminho.
A solução é “flexibilizar” as instituições para: a. ocupá-las; e b. fazê-las instrumento (ou caminho) para o acesso ilimitado ao dinheiro. Como isso gera uma conta, o costume é empurrar o boleto para aqueles que já não possuem muito. O calote sempre se aproximaria a passos largos.
O que o professor-doutor em filosofia Paulo Arantes chama de “rebaixamento”. Nesses casos, pega todo mundo: inclusive os países tidos como ‘ricos’.
Ferguson vai para o caminho da degeneração das instituições ocidentais: seus desmantelamentos garantem que mesmo ‘os ricos’ apresentem problemas sérios para garantir o bem-estar de suas populações. Empobrecimento galopante. Tudo fica muito ruim, mesmo para lugares onde imaginamos rios de dinheiro cortando suas principais cidades.
Em algum ponto, o historiador escocês vai ter de se deparar com uma certa escrotice & escrotidão comum no DNA humano: “... farinha pouca, meu pirão primeiro”. Produzir riqueza em escala global é destruir o planeta e ter como entendimento que toda cabeça “bate no teto”.

Riqueza ilimitada não existe. Enquanto isso fizer parte do imaginário humano, é a dor-de-cabeça que nunca vai embora. Uma assombração perene. Na hora de se resolver problemas, vira um troço: balança tudo! Entra ano, sai ano, e a precariedade só aumenta.



Marcelo Rayel Correggiari
nasceu em Santos há 47 anos
e vive na mítica Vila Belmiro.
Formado em Letras,
leciona Inglês para sobreviver,
mas vive mesmo é de escrever e traduzir.
É autor de Areias Lunares
(à venda na Disqueria,
Av. Conselheiro Nébias
quase esquina com o Oceano Atlântico)
e escreve semanalmente em
LEVA UM CASAQUINHO

NOVA ADMINISTRAÇÃO, PROBLEMAS ANTIGOS (por Alvaro Carvalho Jr)



Não será nada fácil para a nova administração brasileira, agora sob o comando do capitão Bolsonaro, tocar em frente todas a necessárias mudanças na economia. Tanto que, numa forma de revolta subliminar, deputados de vários partidos já lançam torpedos contra as reformas tão necessárias para que este País saia de sua inércia.

E o cinismo desses deputados chega a níveis tão descarados e cínicos que assustam: falam claramente que dificilmente apoiarão a reforma da Previdência, por exemplo, sem que não haja uma contrapartida, usando a impopularidade da reforma como moeda de troca. Uns canalhas.

Segundo esses deputados, só há uma maneira de tocar as reformas: os partidos precisam ser ouvidos e receber, proporcionalmente, o que tem de direito, como se nossa política fosse um pedaço de carne a ser repartido. Argumentam, Pasmem!, não encontrarem motivação suficiente para aprovarem uma proposta tão importante e tão rejeitada pelo eleitorado! Só há uma saída: a troca por alguma coisa, no caso cargos e dinheiro.

A situação ficou mais complicada à partir do momento em que o capitão Bolsonaro resolver entregar três cargos importantes para o DEM-Democratas, um partido que quase foi aniquilado pelo PT e que agora volta ao cenário político com toda força. Mas, fazendo justiça, o DEM nem foi consultado para a entrega desses cargos. Foram personagens escolhidos a dedo pelo presidente eleito, escolhas pessoais e que, segundo ele, seguiram questões de competência, nada além disso.

Fica claro, portanto, que o toma lá dá cá parece um câncer colado à política brasileira como tatuagem de péssimo gosto. O mundo mudou, as pessoas mudaram, o eleitorado brasileiro –para o bem ou para o mal- demonstrou sua ânsia de mudanças nas urnas e meia dúzia de políticos ainda insistem nesse hábito terrível. Até quando seremos obrigados a conviver com esse tipo de política velho, carcomido, sujo?

Chegou o momento de enterrar certos mitos que vem nos atrapalhando pelos séculos. Esse negócio de afirmar que privatizar é de direita ou intervir no mercado é de esquerda; priorizar o mercado internacional é de direita, combater a desigualdade de renda é de esquerda, não passam de jargões políticos muito úteis no horário de propaganda eleitoral. Mas bem pouco úteis na hora de tocar um País em frente. Durante a Ditadura Militar, considerada de direita, o mercado sofreu intervenções sempre que o ditador de plantão decidia. E a maior onda de privatizações foi com FHC, um social democrata, portanto de esquerda.

Na realidade, o que interessa é o ajuste e aplicação de uma política econômica que atenda ao País; que torne a vida de todos mais fácil e que leve a Nação para um bem-estar geral. Sempre é bom lembrar que o dinheiro tem duas qualidades fantásticas: não leva desaforo para casa e nem tem cor ideológica. Fica claro, portanto, que direita e esquerda servem apenas para disputar poder, mas a economia deve ser levada com seriedade, dentro das necessidades que o País exige.

O Brasil, por exemplo, enfrenta uma crise fiscal histórica. E 10 entre 10 economistas de plantão consideram que as reformas da Previdência, trabalhista e Tributária são a única saída para se tentar equilibrar as contas lá por 2023. Sim, crianças, lá por 2023, ou seja, dentro de uns 5 anos. Isso se essas reformas forem aprovadas ainda este ano! Como sair desta enrascada? Apenas com sacrifício, muito sacrifício. Não serão as teorias de Marx ou de Keynes que irão alterar o panorama tenebroso que enfrentamos. Ou une-se o País e vamos todos colocar uma só camisa, ou iremos, todos em uniformes diferentes, para o mesmo buraco.

Não dá mais para conviver com bancada da bala, a bancada ruralista, a bancada evangélica, a bancada católica, a bancada seja lá do que for. Gostaria de saber quando teremos a bancada do Brasil, a única que realmente interessa. Esse negócio de cada um puxar a sardinha para o seu lado é política superada, enterrada e sepultada.


E, finalmente, acabar definitivamente com esses políticos do tipo Dalário Beber, senador por Santa Catarina, do PSDB, que, cinicamente, tentou baixar de 8 para 3 anos a proibição de ocupar cargos públicos dos políticos corruptos pegos na Lei da Ficha Limpa, a única lei popular aprovada. Um País, para chegar ao seu destino, precisa respeitar as leis. Sujeiras como essa desse senadorzinho não levam a nada. Um político que nunca aprovou nada e que vive às nossas custas a um custo altíssimo. Mais um que o eleitorado esqueceu de defenestrar...Adiós.


Álvaro Carvalho Jr. é jornalista aposentado
e trabalhou para vários jornais e revistas
ao longo de 40 anos de carreira.
Colabora com LEVA UM CASAQUINHO
quando esquece que está aposentado.

O LANCE PERFEITO (um contículo cult de Flávio Viegas Amoreira)



Serpenteava pela Frei Caneca pensando o que é uma cidade? O que faz pensar que uma cidade é aquilo que vejo? Não será a cidade por onde Artur passa e onde imagino estar Artur bebericando sem minha espera, olhando as garotas,  fumando sem tédio por minha ausência? Parei de pensá-lo , ele voltou para Santos ,  surfando  e agora retomo inventar outra metrópole.  Sinuosa essa rua por quem ninguém dava nada e se inventa.  Um lugar são as pessoas que cruzam ,  cada boteco partícula dessa metáfora.  Como a lembrança do pau de Artur, sua bunda com marca de sunga,  o filete de caipiroska na baba pelo peito cabeludo. Não  tão desatento com entorno : ´´Por quê São Paulo não é tão conhecida nesse mundo?´´ ´´Será por estar em latitude meridiano fora de mão?´´  Mesmo sem Artur por perto havia ali um despenhadeiro vale um platô onde meteram imensa avenida:  mais um pouco iria me encontrar com Fiducia , eu sem jeito com as mulheres,  eu  sem assunto com as mulheres,  sem nenhuma astúcia com esse outra metade de toda gente do planeta.  Por amor a Artur procurava por  Fiducia .   Notava com a pressa estar com casaco puído, os sapatos com alguma lama seca, não tivera tempo se deter no seu aspecto ,  seu estilo não era de afetação no trato e tinha largado qualquer contato social estiloso.  Era só despojamento.  No fone de ouvido uma sonata de Mozart , por trás o vão do Masp,  um café ralo ainda no hálito,  - eu poderia ter pego um táxi, comeria o caminho e essa ansiedade,  não correria risco de assalto, agora foda-se todo medo ,  meus créditos de celular,  essa porra de guarda-chuva é um saco!  Ansiava pelo verão quando estaria livre dessa terra íngreme, solto e só com Artur numa praia abafada de gente e sensações onde pegar o dia a noite mesmo não indo além do mar em frente ao burburinho.  Como começar com Fiducia? Ela entretida com o deplorável mercado de estilo, moda,  galerias,  objetos fortuitos  e me dizendo sobre os dotes de Artur para a passarela, as vernissages ,  tudo aquilo de que se compõem uma ´saison´ ?  para mim que o criara como um filho decifrando os criptogramas da Divina Comédia?  Os vinis de Chet Baker?   Paciência da porra  ouvir Fiducia e sua ignorância reflexa sobre o mundo dos homens.... Porque levaria esse recado que recomporia seu amor ? que Arthur estava pronto retomar o namoro com uma imbecil de grife?  Essa que o arrastava a baladas sertanejas regadas de gim de terceira?  Por uma buceta trocaria nossas noites de Bach entre rodadas de ´rabo de galo´  em meu quarto sala entulhado da melhor poesia de Whitman? Não! não seria esse Hermes das encruzilhadas do Baixo Augusta.... Três meses de não resposta e ela o esqueceria naturalmente na primeira temporada de Aspen! Não seria esse Pigmalião por tudo a perder em nome do bom mocismo esquálido das novas gerações!  Entrei no bom e velho saguão no Hotel Jaraguá para filar seu banheiro decente entre mulheres de burkas e caipiras exitantes no saguão que guarda ainda algum charme de Errol Flynn.... piquei o bilhete em pedaços felinos e fui curtir a madrugada comendo o melhor sanduíche de pernil do mundo no Estadão.... aqueles livros ensebados que folheava já guardados para Arthur e seu futuro simbolista de hipster suburbano ....



Poeta, contista e crítico literário,
Flávio Viegas Amoreira é das mais inventivas
vozes da Nova Literatura Brasileira
surgidas na virada do século: a ‘’Geração 00’’.
Utiliza forte experimentação formal
e inovação de conteúdos, alternando
gêneros diversos em sintaxe fragmentada.
Participante de movimentos culturais
e de fomento à leitura, é autor de livros como
Maralto (2002), A Biblioteca Submergida (2003),
Contogramas (2004) e Escorbuto, Cantos da Costa (2005).
Este é seu mais recente trabalho publicado:

COISAS QUE ACONTECEM COMIGUINHO (por Germano Quaresma)



Chove de fato a cântaros na minha hortinha, e é por conta disso que eu, a princípio, julgava mais um presente/armadilha de Eros o fato de moça tão bela tomar assento ao meu lado naquele avião voltando de Salvador. Feitas as concessões de estilo, um sorriso acolhedor e meio tímido, pra que ela não visse ali um velho tarado, também retribuiu o sorriso e fechou-se em copas, de modo não visse eu ali uma oferecida. Protocolo feito, calados ouvimos a preleção da aeromoça, que nos convidava a eventualmente operar a porta de emergência. Foi quando a baianidade falou, um riso gostoso em minha direção, a mão no meu braço, Tamo lascado, espero que a gente não tenha que operar isso, Será doce morrer do teu lado. Fechou a cara de novo, pedi desculpas, Brincadeirinha, recolhemos.

Veio lanchinho da Azul, comi as balinha de goma tudo, ela sacou um livro. Bisbilhotei de rabo d'olho, livro de poesia, um poeta da moda que vai até na Fátima Bernardes. Sem sarcasmos, que seriam fatais ali, demonstrei interesse e falei-me também poeta. Qual livro o senhor escreveu, Senhor tá no céu, tenho é vários, mas poesia tem o Comédia de Alissia Bloom, Ai, que legal, Obrigado.

Conversa fluiu, contou sua vida: recém viúva, perdera o marido numa morte súbita, muito chocada, não chegaram a ter filhos. Contei meus desastres sentimentais, minha busca por não sei o quê, parecíamos irmãos a dada altura, e olha que íamos bem alto, além dos nimbos.

A um momento falou que desejava filhos e um novo amor. Tomado da dor da verdade, fiz-lhe saber-me avô já, e vasectomizado. E foi ali que senti, para aquela jovem viúva, ser eu apenas um bondoso frade mendicante. Don Fray Luiz de Atahualpa.

Em Campinas despedimo-nos com um beijo casto, prometendo nos escrevermos. Foi tudo muito rápido, não nos dissemos os nomes. Era tarde, peguei o ônibus da Azul pra um aeroporto em Sampa, onde cheguei à uma de uma manhã sem ônibus pra casa.

No guichê, onde fui saber um jeito de voltar, a jovem mãe índia chorava ao lado de sua menina. Moço, eu também perdi o ônibus pra Santos, meu marido foi ali ver. Em breve chegava o marido, frustrado com a frieza paulistana, que ignorava seu desespero de passar a noite perdido com a família sem saber voltar. Ficamos logo amigos, botei-os no táxi em que eu já ia pro terminal Jabaquara à busca de uma lotação pra praia.

Eram de Marabá, passaram dias em Santos nalgum parente, voltavam ao Pará mas perderam o voo. Eu mesmo, senhor, durmo em qualquer lugar, mas será que esse povo não vê que estou com mulher e uma filha pequena, Não, meu filho, não vê. Amor em São Paulo é artigo de luxo.

No Jabaquara tomamos um carro de aluguel pra Santos. O motorista nos explicou que era Jesus agindo quando todos nos encontramos. Talvez ele só enxergasse o fato de um santista velho e experiente puder ajudar um jovem casal estranhado numa selva tão urbana. Mas não. Eu vinha saudoso de casa, fui refugiar na Bahia a tristeza de ver meu país numa merda tão puta. Conversando com aqueles três eu fui fisgado é pela simpatia da menininha, na qual vi semelhanças incríveis com a minha neta. Foi impressionante o modo como aquela criança gostou de mim, talvez tenha captado a gratidão dos pais, creio mesmo que não, era afinamento de almas, a minha velha alma de eremita com aquela jovem alma em flor. A criança não parou de falar comigo por toda a descida da serra, e eu dando corda. Os pais riam, encantados da cria. O carro os deixou na porta de casa.

Despedi-me, desejando-lhes o melhor, e agradecendo as graças alcançadas naquele dia cansativo, desde a jovem viúva até a criança iluminada. Quando voltava ao carro pra seguir pra casa a menina perguntou:

"Qual o seu nome?"

"Puxa, é mesmo, nem nos apresentamos. É Manoel. E o seu?"

"Alissia."


Que Deus nos abençoe a todos.


Germano Quaresma, ou Manoel Herzog,
nasceu em Santos, São Paulo, em 1964.
Criado na cidade de Cubatão,
trabalhou na indústria química
e formou-se em Direito.
Estreou na literatura em 1987
com os poemas de Brincadeira Surrealista.
É autor dos romances
A Jaca do Cemitério É Mais Doce (2017),
Dec(ad)ência (2016), O Evangelista (2015)
Companhia Brasileira de Alquimia (2013),
além dos livros de poemas
6 Sonetos D’amor em Branco e Preto (2016)
A Comédia de Alissia Bloom (2014).
Este é seu mais recente trabalho publicado: 





Sunday, November 18, 2018

NA SEGUNDA TEMPORADA DA SÉRIE "THE DEUCE", MAIS UM PASSEIO NOTURNO PELO BAS-FOND NOVAIORQUINO DOS ANOS 70 (por Fábio Campos)



Tive o primeiro contato com uma produção do David Simon em Treme, a série que iniciou em 2010 e retratava a tentativa de volta à normalidade dos habitantes de Nova Orleans depois da passagem do furacão Katrina, em 2005. Logo depois assisti à excelente mini serie baseada num caso real Show Me A Hero, de 2015. Nas duas produções é nítida a preocupação em retratar ao máximo a realidade com toda a sua complexidade de forma quase documental, cobrindo a realidade de uma grande variedade de personagens sempre com foco seus respectivos ambientes. Com isso, além da esfera pessoal, são retratados em detalhes ambientes como a policia, os políticos, os músicos, os empreiteiros e vários outros, que vão formando um mosaico cada vez mais interligado e complexo. O que eu não sabia é que a sua obra prima tinha sido lançada em 2002 e durou até 2008 -- a série The Wire, que usa os mesmos elementos com maestria.

Ano passado, Simon se voltou ao ambiente da prostituição na Nova York dos anos 70 com a serie The Deuce, que encerrou agora a sua segunda temporada, mantendo-se fiel ao seu estilo. A serie recria a podridão que era a cidade na época, se concentra especialmente na região do The Deuce, que dá nome à serie. O foco da primeira temporada é na prostituição e nos cafetões, mas, fiel ao seu estilo, Simon envolve a Polícia, a Máfia, a Especulação Imobiliária (que deseja valorizar a área degradada), os políticos, a vida noturna, a cena gay e -- particularmente na segunda temporada -- uma indústria pornô que passa por um boom. Parece complexo -- e é --, mas uma série e com várias temporadas possibilita isso.



Normalmente, as séries de Simon não contam com atores famosos. Alguns acabam famosos depois de passar por elas, como Idris Elba e Dominic West em The Wire. Outros passam de uma série para outra, como Wendell Pierce e Chis Bauer. Sempre há a preferência por tipos comuns, confirmando assim o maior foco possível na realidade. Mas dessa vez ele despertou o interesse de Maggie Gyllenhaal e James Franco, que também assinam como produtores. Os personagens dos dois, no entanto, não tem nenhum glamour. Maggie está excelente -– ganhou o Globo de Ouro -– no papel da prostituta de rua que começa a se interessar por filmes pornô até chegar à direção. E Franco não compromete interpretando dois irmãos gêmeos que se envolvem com as atividades controladas pela Máfia.

Tudo é muito verossímil, os sonhos e ambições das meninas -- a maioria recém-chegada à cidade grande --, a relação de amor-ódio das prostitutas com os cafetões, os clientes -- a maioria perdedores e fracassados, alguns violentos --, a Polícia (quase sempre) corrupta e os bastidores da Indústria Pornô, desde as cabines onde os filmes eram exibidos até os cinemas especializados. O boom doméstico do lançamento do VHS ficou para terceira e última temporada da série.

Como é focada em vários personagens e ambientes, a série começa devagar, apresentando os personagens com calma e deixando o espectador se envolver no contexto e na conexão entre as atividades. Com o tempo, tudo fica interligado, sem simplificações. Todos os personagens, por mais repugnantes que possam parecer, são humanos e tem que conviver com as suas escolhas e suas culpas. Aliás, como todos nós. Não há mocinhos e bandidos, e isso é, entre muitos trunfos, um grande diferencial da série.

The Deuce tem muita nudez e sexo, como pede o tema. Mas tudo é cru, nada é romantizado, e nada é gratuito. Serve de antídoto a esse neo-puritanismo que está tomando conta das pessoas nos dias de hoje.

Se você é daqueles que não aderiram à onda neo-puritana, eu recomendo The Deuce fortemente, assim como Treme, Show Me A Hero, The Wire e qualquer outro projeto que venha a receber a assinatura de David Simon.



Fábio Campos convive com filmes e música
desde que nasceu, 52 anos atrás.
Seus textos sobre cinema passam ao largo
do vício da objetividade que norteia
a imensa maioria dos resenhistas.
Fábio é colaborador contumaz
de LEVA UM CASAQUINHO.








CELEBRAMOS OS 56 ANOS DE NASCIMENTO DO GRANDE WAGNER PARRA COM UM TEXTO SAUDOSO DE MARCELO RAYEL CORREGGIARI

Sem Conserto para o Sol
Mirada 2014. No serviço oficial de táxi do evento, tremenda sexta-feira, encerramento interno do festival que terminava no domingo seguinte, um DJ contratado para animar a festa.
O motorista, sujeito rústico e sem o refinamento linguístico, verbal, para as novidades que entravam e saíam de seu veículo ao longo do evento (um festival ibero-americano de teatro), adquiriu naquele cliente com uma mesa de mixagem, dois CDJs e um monte de caixas de discos, além dos CDs, a confiança necessária para “... abrir o coração e matar a curiosidade...”.
Curiosidade, sim! É de conhecimento geral que o mundo das artes possui forte presença LGBTI e, no teatro, não seria muito diferente.
Naquele ano, inclusive, “Valmor & Cacilda”, do Uzyna Uzona, tinha entrado na programação. Vai que o pobre do motorista tinha prestado serviço para o Zé Celso?!?
Ao descarregar o material de trabalho na porta do Sesc, o motorista não titubeou: não dava para deixar a oportunidade de lado. Em meio a sua total ‘falta de jeito’, boa capacidade de expressão para assunto tão espinhoso, correu o risco: “Olha, ‘seo’ Wagner... esse negócio de ‘Mirada’?!? É congresso de viado?!”.
Naquela noite de sexta, cheguei no Sesc no princípio de noite e fui recepcionado por esse Wagner ‘criança grande’: “Aí, você viu o que eu publiquei?! Que aconteceu agora à tarde, vindo ‘pra’ cá?!”. Mostrou a postagem no ‘Livro de Róstos’ e caímos nas gargalhadas.
Esse foi meu “princípio de festa” naquela noite. A técnica, para participar do evento interno de encerramento do Mirada daquele ano era não sair da mesa da comendoria. “Se liga... não sai daqui da mesa. Fica aqui com eu e a Cláudia, que eles lá pelas 10 fecham a unidade e, aí, liberou para participar da festa”.
Comentários e risadas, até às 22h. Depois, uma das melhoras festas que já participei na vida... birita a rodo, de graça! Bebi até começar a miar. Filei até uma “bóia-fashion” que rolou na linha de servir do famigerado restaurante. E Parra no lugar onde sempre fez parte: o alto do deck de discotecagem. Festa rolando... como sempre, música da boa. Bichos-grilo da América Latina, mais Portugal e Espanha, todos na vibe das grandes canções.
Era uma alegria garantida...

O talento desse paranaense que desde pequeno andava com um gravador pendurado no pescoço, distribuindo canções para as massas. Seguiu o instinto: nunca largou o lado musical, nem de fazer o povo dançar.
Lembro-me de uma explicação dada por ele próprio sobre qual o estilo de sua discotecagem: ele era um “DJ selecta”. O primeiro contato que tive com Parra foi por intermédio do Projeto Sol Maior, no Sesc local, noites de quarta (ou quinta?!?), trazendo o que havia de mais alternativo em termos de música nos anos 1990.
Ao gozo do hiato, muito Bar do 3, muito Torto e congêneres: o cara que tocava músicas que nunca tínhamos ouvido na vida. Foi pelas suas mãos que conhecemos Masillia Sound System, Zebda, Sonora Carruseles, entre tantos.
A minha aproximação, definitiva, se deu com a Vitrolada. Na base de “DJ Acidental”, numa noite em que dividi as ‘pick-ups’ com Baby Mendes, entrou na minha corrente sanguínea o lance de ser DJ, de discotecar.
Sempre com o conselho de quem ralou para chegar no ponto onde havia chegado: “DJ que não passa, pelo menos, 12 horas ouvindo música, pesquisando artistas e canções, não é DJ”, sentenciava.
Nem tudo são flores: Parra era esquerda, cubana, Fidel, igualdade social, era aguerrido em torno disso.
Nem preciso dizer que isso era, numa cidade conservadora até o último fio-de-cabelo, “veneno no sangue”.
Era cada “arranca-rabo” que até mesmo nós, os(as) mais próximos(as), amigos(as), pedíamos para ‘pegar leve’.
Talvez tenha sido essa a origem da expressão criada pelo cineasta Dino Menezes, o famoso: “Porra, Parra!”.
Chegavamos no balcão da Disqueria e não dávamos nem “boa tarde”: “Porra, Parra. ‘Cê num’ acha que dá ‘pra’ maneirar?!”. A preocupação tinha razão de ser: colecionar uma quantidade enorme de desafetos nunca é ‘boa conselheira’, como diziam os antigos.
Não tinha jeito: ativismo pelas redes sociais, capas da Veja coladas nos degraus da escadaria (a Disqueria fica numa sobreloja), tudo para não ‘ceder’ a uma baba-cósmica, grudenta & peçonhenta, que hoje é o éter natural desse pedaço de terra perdido nos mares-do-sul.
Havia os desafetos por conta da ‘crítica política’, além da tomada de posição ao ‘defender’ figuras & ideais. Podia estar tudo contra: ele não arredava pé.
Havia os ‘desafetos espaciais’: com esse tipo de temperamento, dentro de somente 40 km², era preciso ‘defender territórios’. Um sujeito generoso ao extremo, mas sob condições: ambição de ‘crescer na vida’, sim; mas canalhice, só se for lá na ‘casa-do-caralho’.
Tolhia eventuais espaços... errou na condução, era ‘sem chance’. Ficar surfando na aba do seu chapéu, levava um “chega-pra-lá” quase substancial.
Por conta disso, haverá histórias de injustiças. Sim. Ninguém é perfeito. Nem esse merceeiro, nem mais ninguém. Se a prática do dia-a-dia se mostrava cruel, não seria ele que iria ‘abrandar as coisas’.
Dizem que o luto costuma durar 3 anos. Sua passagem foi um choque.
De longe, o dia mais triste da minha vida, junto com o desaparecimento do Brizolinha.
Na lendária Vitrolada, numa noite de terça, 10 de fevereiro de 2015, chego para ‘bater o ponto’ e nem sinal dele. Nem da Cláudia. Fui indagado até pelo atual presidente do Concult, o Júnior Brassalotti: “cadê o Parra, hein?!”.
Soube, naquela noite, de um ‘mal súbito’. Na manhã do dia seguinte, a triste e chocante notícia.
No meio da madrugada, o Michel, dono do Torto, passou a informação de sua morte. Cheguei para o velório antes do corpo. Tirando uma situação aqui e ali, a única coisa que lembro daquela tarde foi uma enorme mistura de lágrimas e ranho.
Simplesmente uma dor do caralho.
Dizem que o luto costuma durar 3 anos.
Na última segunda-feira, 12 de novembro, Wagner Parra completaria 56 anos se ainda estivesse entre nós, de corpo presente. Estranhamente, depois desses três terríveis anos, algumas pessoas na cidade já conseguem falar dele sem cair em ruidosos prantos.
Início de um novo ciclo?! Tomara! Hora de acomodar melhor a dor e seguir em frente. Num lugar que colocou Paulo Alexandre num primeiro turno com 85%, e Bolsonaro com 71% dos votos válidos, tomara!
Tomara esse novo ciclo, esse ‘reerguer’...
Num lugar onde você só ‘é’ se estiver enquadrado pela “estética Azevedo Sodré de ser”, não é preciso ser nenhum gênio, ou ‘bidu’, para entender que o lugar merece a quantidade de farmácias que possui.
Nada mais adoentado...
Foi-se a terça, a Vitrolada, Chico Taboada voltou p/ França, Luiz Fernando Almeida foi para o Beco do Batman, Dino Menezes ressurge com o “Porra, Parra!”, silenciaram-se Masillia Sound System, Zebda, Sonora Carruseles.
Em breve, um conto que ele, Parra, me encomendou: “A Última Churrascaria do Mundo”. Para o primeiro semestre de 2019.
Lufer nas pick-ups, Dr. Caiaffo mundo afora.
Michel mantém a tradição: tem sempre um pedaço de Torto uma vez por mês no centro da cidade.
Julinho vai de Forum.
A vida continua.
Continua?!
Em que base?!
Essa que ‘tá’ aí?!
“Muito obrigado!”.
A cidade que tinha Rosinha Mastrangello, Circo Marinho, Bar da Praia, Bar do 3, Torto, Adega Marrocos, duas boates entre Praça Independência e a praia, e que era realmente 24 horas sem a necessidade de postos de gasolina, hoje, é a maior concentração de gente solitária no planeta Terra.
Desafeição em toneladas: às escondidas, “longe de Roma”, cuidados até para ver quem está no lado de dentro e nas mesas sobre a calçada para não azedar o pé-do-frango.
A que ponto chegamos!
Uma cidade que não confia mais em seus afetos.
Exatamente o contrário do que era o Parra.
Puta que pariu!
A que ponto chegamos!
Acho que hoje conseguimos falar melhor de seu desaparecimento.
Penso que terminou o luto e, agora, a saudade.
Saudade é o ponto de referência: de onde todos nós partimos.
Mesmo sem a menor garantia de chegarmos no destino: o trajeto, os feitos do trajeto, é o que conta.
Seu desaparecimento foi o início do sumiço de todos os sabores que esse lugar, um dia, teve.
Pessoalmente, era o meu ‘irmão mais velho’.
A canção diz que “o novo sempre vem”. Tenho lá minhas dúvida. Não tenho certeza de que ‘o que vem por aí’ brecará o descenso, uma espiral tortuosa, sempre para baixo.
Seu desaparecimento representou o fim da pluralidade pelas bandas de cá. Daquele ponto em diante, só ficou a ‘buniteza’ do jardim-da-orla: uma cidade sem o menor traço de viço.
Não é artística, não é turística, não é comercial... sabe-se lá para qual lado foi.
Canhestra, estranha... esquizofrênica.
Se estivesse vivo, o seu pedido: “Resista!”. Sempre pedia para que tivéssemos bons olhos, mesmo que tudo ao redor estivesse em ruínas.
Para que não caíssemos na armadilha das padronizações & pasteurizações.

No mais, essa saudade dele. Já podemos tocar no assunto sem chorar. Nessa órfã Mercearia, a saudade monumental. Forte o bastante para atingir todos os cantos do espírito.




Marcelo Rayel Correggiari
nasceu em Santos há 47 anos
e vive na mítica Vila Belmiro.
Formado em Letras,
leciona Inglês para sobreviver,
mas vive mesmo é de escrever e traduzir.
É autor de Areias Lunares
(à venda na Disqueria,
Av. Conselheiro Nébias
quase esquina com o Oceano Atlântico)
e escreve semanalmente em
LEVA UM CASAQUINHO