Friday, July 31, 2020

MARCELO RAYEL CORREGGIARI FALA SOBRE CENSURA, LACRAÇÕES, ETC ETC ETC




Se as queridas e queridos que leem corriqueiramente esse espaço de tempos em tempos fossem apossados da mais devastadora franqueza, qual a probabilidade de não chamarem a polícia para mim num cenário onde bato à porta lá pelas quatro da manhã já armando um escândalo do cacete?!
Por mais que vocês todos(as) me conheçam — o que sinceramente acho meio difícil posto que ninguém conhece alguém tão a fundo assim — é, no mínimo, suspeito um ‘conhecido’ agir de forma tão destrambelhada a essa hora ‘da madruga’, descumprindo o mínimo exigido de uma regra social igualmente consagrada que apregoa o não incômodo de pessoas a partir das 22 horas.
Na casa de vocês, tudo bem: regra social, sabe-se lá mais o quê. Na Google, é censura?!
Então, estabeleçamos um princípio de isonomia em torno do direito à propriedade: se pode na sua casa, pode na casa da corporação. Certo?!
E olha que quem escreveu a frase acima tem severíssimas críticas quanto à atuação das corporações. Podem apostar!
Se é guardado a cada um de nós o direito à privacidade — pela constituição, inclusive — onde cada lar e moradia funciona conforme as regras do(a) dono(a), isso não se aplicaria a uma corporação?!
“Ah, Marcelo... uma corporação é uma entidade pública de direito privado. Logo, se oferece serviços à população, é a população — através do uso — que dá a diretriz”. Bom... nesse caso, primeiro: com a palavra, os especialistas —advogadas e advogados — dessa área. Segundo, quais os limites dos hábitos sociais de usuários na geração de um regramento e controle de ente privado específico, hábitos sociais que geralmente orbitam em torno de mentiras, fake news e destruições de reputação?!
Se usuários(as) de mídias sociais estivessem acima de qualquer suspeita — do bem e do mal — e convidados aos nossos lares se valessem dessa equiparação, há mister de se registrar que nossos lares seriam ‘A Casa da Mãe Joana’.
Por baixo... só para começar.
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É espantoso a quantidade de ‘gritaria’ em torno de “censuras” promovidas por corporações que administram essas tais mídias (sociais). Se cada um de nós tivesse a paciência de ler o contrato linha a linha no ato da abertura de uma conta, estaríamos para lá de cientes de que as tais mídias sociais não permitem muita coisa. Aliás, se tem um troço mais encaixotado (e encaixotante!) é a tal da internet.
Contudo, é meio assustador a fé que as pessoas colocam em empresas ‘que têm dono’. Sim! Dono! Ou dona! Igual a sua casa, onde a(o) dona(o) é você!
Hmmm... vejamos... sua casa tem regras, mas o YouTube, não?! — YouTube é uma empresa da Google. É super simples: passo para um cafezinho em vossas residências e manifesto meu total desrespeito com os membros de vossas famílias. No mínimo, levo uma sova, na hora! Espancamento completo. Mas... ‘úia’!!! Se continuar desrespeitando sua família numa mídia social, caso a mídia social obedeça a uma ordem judicial de suspender minha mensagem, voilá...! “É censuuuuuura!!!”. Hmmm... que tal eu mudar meus modos e começar a incluir os vocábulos ‘respeito’ e ‘lisura’ no meu dicionário?!
A crença moderna de que ‘chuva é só na montanha, jamais na praia’ ainda vai acabar com esse mundo.
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“Fomos censurados(as)!”. Hmm... legal... mas... abre a sukita e conta ‘pro’ tio, aqui: o que você andou fazendo para chegar a tanto?!
As regras das mídias sociais são até bem claras do que é permitido fazer e do que não é. Ninguém é absolutamente enganado(a) — é só ler os contratos! Se para aquilo que você deseja fazer — de verdade — as regras do contrato não permitem, mais super simples ainda: não abra a conta e procure serviço similar que permita certas liberdades.
“Ah... mas o YouTube...”. Ah! “Escala”, ‘né’, meu anjão?! Coisa que a Vimeo não tem, ‘né’?! Você corre para o YouTube porque todos estão lá e não na Vimeo. “Escala” conta, ‘né’?! Bom... pessoalmente acho certas censuras meio estúpidas, já outras aprendi a entender porque elas existem. Como a mente humana é sempre mais ampla e arejada do que qualquer algoritmo, sempre há um modo de entregar sua mensagem sem que “o grande irmão” se aperceba do excessivo recato por ele adotado.
Pela quantidade de atrocidades por mim já testemunhada web afora, devo dizer que as empresas de mídia social não são santas, mas permitem certas coisas que daria tranquilamente para escalá-las como uma legião de conglomerados bunda-moles. Se tivessem que ser um pouquinho mais enérgicas no cumprimento dos contratos, mais da metade dos(as) usuários(as) teria rodado há muito.
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Esse é um dos ingredientes que fatalmente deságua no recrudescimento da liberdade de expressão. Além disso: coloca todos os que lidam com emissão de mensagem num questionamento posterior quanto ao conteúdo do que foi exposto.
Temos ‘liberdade de expressão’... certo. Mas... temos ‘liberdade de conteúdo’?!
Porque, hoje em dia, se o seu conteúdo “... não for do agrado...” do(a) receptor(a), com o perdão da má palavra... fodeu! Ninguém calibra mais a leitura, mas... mesmo estando descalibrada, “exerço o direito de acabar com a vida de quem ‘não vou muito com a cara’ caso o conteúdo da mensagem seja considerado (“por mim”!!!) inadequada ou errônea”.
Emicida, na última segunda, 27, sentiu isso na pele.
Bom... que tal primeiro ‘as calibragens devidas para uma leitura pertinente’ antes de lidar com um filme, livro, música, exposição, espetáculo... e tudo mais?! “Todo mundo é igual?!”. “Todo mundo pratica a mesma coisa?!”. É meio óbvio que não, ‘né’?!
Seria de perguntar a Sra. Adriana Couto se ela jogaria na fogueira, ou riscaria das bibliografias de um bom curso de Letras, um dos maiores e melhores contos da literatura universal, o “São Cristóvão”, do Eça de Queiroz, simplesmente porque o narra a história do santo católico e, por tabela, a do Jesus quando menino.
E olha que nem católico eu sou...
... e, quem sabe, justamente por isso, por não ser devoto de santos católicos, é que reputo “São Cristóvão” superior a “Sidarta”, do Hermann Hesse (para deixar o assunto próximo de nomes ligados à religião de boa parte das pessoas). O meu ponto não é religioso, mesmo que a minha análise inclua os personagens: o meu ponto é a estética.
E é justamente isso que se perde! As leituras encontram-se tão descalibradas que a variável de compensação que entra no lugar nada tem a ver com a mensagem em si, muito menos com o conteúdo na forma como veio ao mundo. Então, pessoal?! ‘Cadê’ a estética?! ‘Cadê’ a beleza das coisas em si, independente do conteúdo ou se o conteúdo me afeta, ou me atinge, ou não é do meu agrado?! Claro que entendo qualquer pessoa que, diante de um conteúdo ofensivo, agressivo, violento, que propaga o extermínio de pessoas, busque o cerceamento de tal manifestação, ainda que pessoalmente ache exagerado dependendo do contexto.
O ponto é que, em nome do ‘fim do mal’, mais mal chega ao mundo quando o assunto principal não seria o conteúdo desagradável, mas, sim, a interrupção do que há de beleza nos inúmeros elementos que compõem aquela mensagem e aquela obra ‘por causa’ de um conteúdo que julgo ‘isso’ ou ‘aquilo’. “Time’s Arrow”, do Martin Amis é uma baaaaaiitta obra literária, ainda que eu puxasse pena de homicídio por ter matado o Todd Friendly. Sempre manifestei que não gosto de nazismo, não quero ver nazista por perto, nem gosto do tema — aproveitado pela segunda vez numa recente obra do mesmo autor, um romance chamado “Zone of Interest”, de 2016 — mas é quase impossível não afirmar que a engenhosidade de Amis foi brilhante nesse livro pela produção de belo na forma do tecido verbal: uma tremenda obra literária como foram “Rachel’s Papers” ou a “A Viúva Grávida”, por exemplo.
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Penso que muita coisa nos dias de hoje ‘não vai para frente’ porque o discurso que supostamente nos libertaria vem e nos aprisiona por completo. Como dito na frase de Jean Le Malchanceux, do ‘A Crusader’s Journal’ — epígrafe constante na abertura do livro de Clifford Irving, “Daddy’s Girl: The Campbell Muder Case”, de 1988 — “A lei nos protege da barbárie, e nos dá a barbárie da lei”.

Todas as lutas são legítimas, mas a lacração ainda há de impedir um mundo melhor que estava prestes a surgir. 
Marcelo Rayel Correggiari
nasceu em Santos há 48 anos
e vive na mítica Vila Belmiro.
Formado em Letras,
leciona Inglês para sobreviver,
mas vive mesmo é de escrever e traduzir.
É autor de Areias Lunares
O Verão No Café Atlântico
(à venda na Amazon, em livro e e-book).







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