Monday, July 13, 2015

LEVA UM CASAQUINHO SAÚDA JOHNNY HANSEN, DO HARRY, NO DIA MUNDIAL DO ROCK

por Eduardo Cavalcanti

Com os músicos e fãs mais antigos na casa dos 70 anos, o prazo de validade do rock pode não ter expirado, mas o que diferencia o público fiel ao gênero não é mais a idade, e sim a inteligência. “O rock não se restringe mais aos jovens, mas sim a quem pensa”. Essa visão, por elitista que pareça, faz todo sentido quando dita por alguém que, desde o início da carreira, transitou pelo lado mais alternativo e experimental da música. Johnny Hansen é pioneiro do rock eletrônico no Brasil como guitarrista e vocalista do Harry, a lendária banda do final dos anos 80 que ousou ser vanguarda. Em entrevista exclusiva ao Próxima Parada, Hansen fala sobre música, solos de guitarra, cultura pop... e Beatles. “Que banda tem peito de fazer o que eles fizeram?”, questiona. Ele sabe do que fala.

Eduardo: O rock virou peça de museu, ou ainda é relevante?

Hansen: Eu acho que é relevante, embora no Brasil esteja com um alcance menor. As modinhas vêm e vão e o rock, por mais por baixo que pareça estar, continua. O prazo de validade não esgotou ainda.

Eduardo: Isso para um gênero que se apresenta como música para jovens, mas já tem 60 anos, não é um fenômeno?

Hansen: Eu li uma matéria, no comecinho dos anos 70, sobre o Paul McCartney, que falava justamente isso, que a preocupação dele não era saber se tinha vida após a morte, e sim rock depois dos 30. Hoje, o Paul está com 70 anos e ativo. Então, o rock não se restringe mais aos jovens, mas sim a quem pensa.

Eduardo: Ainda tem espaço para vanguarda no rock?

Hansen: Se você trocar rock por qualquer outro gênero, vai ter os mesmos problemas. Os jovens deveriam se preocupar com isso. Eu não tenho mais essa preocupação de vanguardismo. O Harry foi uma banda à frente, só que hoje virou retrô. Eu não fiquei nessa paranoia de ficar modernizando. Nos anos 80, a gente soava à frente do tempo, e hoje a gente soa como anos 80. Eu não vejo mal nisso, desde que as músicas sejam boas. O pessoal quer ser transgressor, mas ao mesmo tempo fica se impondo fronteiras. 

Eduardo: A guitarra ainda é um instrumento primordial no rock?

Hansen: Eu acho que é. Está cheio de solistas, mas infelizmente parece que eles tocam para outros músicos. Você pega o solo do Slash em November Rain que marcou muita gente. É isso que está faltando, aquele solo que você memoriza. Os caras hoje ficam tocando mil notas por segundo, a assimilação fica mais difícil. O que falta são bons compositores. Não se faz mais música que marque, que a pessoa queira ouvir de novo.

Eduardo: Não falta vivência para os músicos? Não tem muita gente para quem o mundo é o próprio quarto?

Hansen: Sim, os bedroom guitar players. Existem caras assim que até conseguem patrocínio, porque têm milhões de views no Youtube, mas nunca subiram num palco. A maioria deles impressiona, porque o cara reproduz o Malmsteen, o Hendrix, ou quem quer que seja, mas vira uma cópia carbono.

Eduardo: Tem a técnica, mas não tem alma.

Hansen: É, se você pegar um macaco e trancar num quarto com uma guitarra, ele vai aprender a dominar aquele instrumento, mas não vai saber aplicar a técnica. O cara toca muito rápido, mas põe ele para tocar com uma banda. Quando eu quero ofender os músicos mais estudados, sempre digo que prefiro o Sid Vicious ao Jaco Pastorius.

Eduardo: Você vê algum estilo apontando para o futuro da música? O eletrônico, por exemplo?

Hansen: O eletrônico não esgotou as possibilidades, ainda, mas precisa ter bons compositores. O que hoje chamam de música eletrônica não tem música. Tem uns patterns, unsloops, mas não tem criação naquilo. Não dá pra cantar um trecho, nem tocar no violão, coisa que você poderia fazer com Depeche Mode ou New Order. A maioria dos DJs é uma farsa descarada. Eles põem um pen drive e pronto. 

Eduardo: O rock criou sua própria mitologia. Qual seria o maior mito do rock?

Hansen: Os Beatles, porque talvez ninguém tenha feito o que eles fizeram. O que rendia, na época, era lançar compactos e sair fazendo shows. A partir do Rubber Soul, quando ficou inviável reproduzir aquilo, eles resolveram dar as costas pra esse esquema, parar de fazer shows e ir pro estúdio pra ver o que sai. Que banda tem peito de fazer isso? De repente, eles se trancam e sai o Sgt. Pepper’s.

Eduardo: Qual a maior farsa do rock?

Hansen: Não lembro de alguma farsa. Tem muita coisa que é superestimada. O próprio Nirvana, por exemplo. É uma banda que tem músicas legais, e tal, mas... O Guns n’ Roses é uma banda que me surpreendeu. Pra mim, era uma banda que no máximo em cinco anos ia sumir. 

Eduardo: O que é vendido como rock, hoje, e não é?

Hansen: Quase tudo, ultimamente. Alguma coisa tem que acontecer. Não tem uma música de massa hoje. Nem mesmo o rap. O rap virou descartável. Nada está se tornando conhecido, embora só o tempo vá dizer. 

Eduardo: Existe rock no Brasil? A cena que existia no início dos anos 80 era vendida assim, mas era rock?

Hansen: Eu acho que sim. O que aconteceu nos anos 80 aqui, basicamente, foi o que rolou nos anos 50 nos EUA. A juventude se direcionando para o rock, o aumento das drogas, todos os fenômenos se repetiram. Acho que rendeu bons discos de pop/rock, na época. Hoje, está tudo meio forçado. O mainstream é para ignorar mesmo. Nos anos 80, você ligava o rádio e acabava ouvindo alguma coisa legal. Hoje, nem ouço mais rádio. Não tem mais condição de ouvir.

Eduardo: Se você tivesse que escolher um único álbum para resumir o que é rock, qual seria?



Hansen: O Álbum Branco, dos Beatles. Ele aglutina todas as tendências da época. Muita gente pode pegar Revolution 9 e dizer isso não é rock, isso não é nem música. Mas estava tudo lá. Poderia dizer até o Never Mind the Bollocks, dos Sex Pistols, ou algum disco dos Ramones. Eles também sintetizaram tudo para que alguém de outro lugar, em outro contexto, pudesse entender. Claro, no caso dos Ramones e dos Pistols de uma maneira bem mais simplificada, mas a simplicidade era, talvez, a mola mestra do rock.

publicado em A TRIBUNA de Santos, 
no dia 12 de Julho de 2015,
véspera do DIA MUNDIAL DO ROCK.






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