Wednesday, January 16, 2019

GOYA, NÃO VAMOS A FLORIANÓPOLIS (por Marcus Vinicius Batista)



Eu o avistei enquanto esperava na fila do sorvete. O caminhar era lento, balançando para os dois lados, como o faz há 26 anos, quando o conheci no demolido prédio da Comunicação, na Pompéia, em Santos. O andar é compatível com a serenidade que, às vezes, abafa a pressão das redações jornalísticas onde convivemos por mais de 10 anos. Nunca o vi gritar com alguém, mesmo quando as notícias ferviam.

Ricardo Goya estava acompanhado de três primos. Como ele não me viu, matei os filtros sociais e gritei:

— Goya, vai subir! A Ponte vai subir!

Meus filhos me olharam assustados. Minha esposa me cutucou para chamar minha atenção pelo escândalo no meio do shopping center. Goya reagiu com o riso curto de sempre (“hehe”) e veio em minha direção. Não nos encontrávamos há um ano. Desde que sai das redações e passei a militar no Jornalismo de outras formas, nossos encontros ficaram mais esporádicos.

Após o abraço, engatamos uma conversa sobre futebol. A Ponte Preta, time de coração dele, pode voltar à série A do Campeonato Brasileiro. A reação é espantosa: oito vitórias e um empate nos últimos nove jogos. Uma vitória sobre o Avaí, concorrente direto, em Florianópolis, e o retorno acontecerá.

Goya é o único torcedor da Macaca que conheço. O único descendente de japoneses torcedor da Ponte que conheço. O único levantador de vôlei do Atlanta, clube da colônia de Okinawa, que conheço. O melhor editor de esportes com quem trabalhei. Um dos jornalistas mais corretos com quem pude conviver e aprender.

Goya foi meu parceiro de reportagem na primeira e na segunda matérias que escrevi na vida: 1) pescadores que se tornaram coveiros em Santos, por conta da crise econômica no Governo Collor. 2) um perfil dos candidatos a vice-prefeito de Santos, em 1992. Goya é único!

Na sequência, perguntei sobre o trabalho. Veio a má notícia, que me deixou sem o que dizer a ele.

— Estou de licença. Coloquei um marca-passo no coração. Cheguei a ficar na UTI. Arritmia. Agora, estou bem!

Dialogamos rapidamente sobre a rotina de afastamento do trabalho. Nós nos despedimos, ele retomou o passeio com os primos e eu permaneci na fila do sorvete em promoção.

Passei a semana inteira remoendo esse encontro e adiando a elaboração desta crônica. O texto saltou para todos os lados na minha cabeça, mas me faltou coragem de colocá-lo em pé.

Vê-lo me fez lembrar o quanto depositamos nas costas do trabalho o distanciamento de amigos que foram muito próximos e importantes ao longo de certas fases da vida. Tenho tentado essa mudança desde 2016 e, por conta disso, cafés e visitas em casa se tornarem praticamente semanais. Goya, peço desculpas, “escapou” dessa.

Vê-lo me injeta uma dose cavalar de saudades, não dos tempos que se esvaíram com a idade e os caminhos traçados, mas das conversas que poderiam ter nascido se não nos preocupássemos tanto com compromissos urgentes no curto prazo e irrelevantes quando os observamos com distância segura. Memórias, perspectivas, compartilhamento de experiências. Hoje, este pacote é essencial para minha sanidade.

O encontro casual no shopping e a Ponte Preta ressuscitaram um dos episódios mais malucos que vivi por causa do futebol. Há mais de 20 anos, a Ponte estava na mesma situação, na boca da caixa para voltar à elite do Brasileirão. Prometi ao Goya que o levaria em Campinas para o último jogo, contra o Naútico, de Pernambuco.

Cumpri a promessa. A viagem me permitiu testemunhar o acesso da Ponte e me rendeu, além de uma multa por excesso de velocidade, uma crônica. Este texto foi o único prêmio literário que ganhei. (aqui, o link da crônica)

Neste sábado, dia 24, a Ponte Preta pode retornar à primeira divisão do futebol nacional. No shopping, Goya oscilou entre o desânimo e a esperança escondida nos bolsos.

— Pôxa, a Ponte é especialista em falhar no último jogo.

Tentei animá-lo. Comentei com outro amigo, o Léo, de Maceió, que seria sensacional se Ponte e CSA subissem. Nenhum jogo se compara a qualquer amizade, mas ... vencer ajuda como pílula de felicidade.

Gostaria que o Goya não assistisse à partida, mais por razões emocionais e cardíacas, claro, do que por não poder levá-lo ao jogo decisivo.

Adoraria viajar à Floripa, pois acredito que damos sorte à Macaca nos momentos essenciais de sua história. A Ponte Preta condiz com minha predileção por times sofridos, para quem nada vem de bandeja ou 1 a 0 se comemora como goleada.


A Ponte, subindo ou não, sempre me conduz às lembranças de convivência com seu torcedor único, o Goya.

(publicado originalmente em
CONVERSAS E DISTRAÇÕES
em Novembro de 2018)


Marcus Vinícius Batista é professor universitário
e jornalista, além de cronista número um
da Imprensa Santista. É autor de
"Quando Os Mudos Conversam",
coletânea com o melhor de sua produção
publicado entre 2007 e 2015.



No comments:

Post a Comment