Friday, January 25, 2019

VARIAÇÕES PARA O FUTURO (por Flávio Viegas Amoreira)




O futuro é sempre fascínio, por vezes ansiedade, o homem é mais projeção do que qualquer outro predicado. No pessoal os desejos, no coletivo a busca da Utopia.  Convenhamos que os desejos pessoais pesam mais ultimamente que a bem-aventurança do grupo, da comunidade, do ideal fraterno de convivência mais igualitária e justa. No passado dizia-se que o importante é ser e não ter, hoje existe uma imposição quase histeria por querer. Querer coisas, viagens, alternativas de vidas, cessar o processo de envelhecimento, querer não como reflexão mas anseio em si. A prática da acumulação desmedida, da renovação de utensílios, móveis e imóveis, a mutação constante do perfil, a reciclagem que é bem mais aparente que essencial. Aliás o conceito de essencial caiu em desuso, tudo é prioritário e urgente, eficiência é um mito endeusado pelo mercado assim como descartabilidade um valor frenético.  A ultima onda é a descartabilidade do trabalho, das funções, do humano.  Sempre observo os prismas e existem esperanças de resistência: jovens que não querem adquirir um carro, tornam-se veganos, despojados, preferem conhecer a adquirir, optam por não ter filhos. A robotização, a precariedade dos empregos, a digitalização são aspectos que se somam a um planeta cansado, um meio ambiente exaurido e a falta de perspectivas duma consciência generosa para o ser humano. Faz uns vinte anos descobri um livro impactante desde o título: “O horror econômico” da jornalista francesa Viviane Forrester quando ela traça a visão sombria da sociedade pós-industrial e o primado do neo-liberalismo. A inevitabilidade das “forças do mercado” nos dá pouca margem de imaginação ideológica: como enfrentar com justiça social os ditames das grandes corporações? Até meu estoque de socialismo vive impasse cético: poetas não são tolos ideológicos. Nessa obra a autora pontifica sem concessão ao otimismo lírico: “Será útil viver quando não se é lucrativo ao lucro? É preciso merecer viver para ter esse direito?” Aqui ela ecoa outro fetiche contemporâneo: a “meritocracia”. O homem supérfluo diante da engrenagem é a face mais tenebrosa e cínica do porvir. Qual o lugar do artista, do homem do espírito em toda essa aridez de assepsia mercadológica é que me tocam especialmente: quem “merecerá” viver em 2200 afinal? Algumas soluções se colocam como opção: a biotecnológica nos redimirá? o antinatalismo será tão eficiente com tanta voracidade de consumo?  Particularmente não ter filhos é uma característica de bons pensantes desde Machado de Assis: “Não transmiti a ninguém o legado de nossa miséria” dizia o bruxo do Cosme Velho.  Para novas respostas recomendo um outro livro : “Pequeno tratado do decrescimento sereno” do economista e pensador (não se excluem!) Serge Latouche francês que expressa esse conceito audacioso : o decrescimento sereno, sem rupturas traumáticas, a decisão por gastar menos, consumir menos, viver com menos na superfície e melhor nas relações com os outros e o meio ambiente. Afinal ler Proust e ouvir Mozart não são mais prazerosos e desgastantes que lotar estradas e aeroportos, danificar os oceanos, poluir as cidades? Quem sabe o retorno as hortas comunitárias, as quitandas de esquina, os cinemas de bairro? Ser de esquerda será ser visceralmente ecológico e questionador do crescimento sem propósito, a matriz do progresso não será o consumo, sim a felicidade. Retomar ideário de Thoreau se impõe: “De que vale uma casa se você não tem um planeta tolerável ondo o colocar?” Feliz 2019.


Poeta, contista e crítico literário,
Flávio Viegas Amoreira é das mais inventivas
vozes da Nova Literatura Brasileira
surgidas na virada do século: a ‘’Geração 00’’.
Utiliza forte experimentação formal
e inovação de conteúdos, alternando
gêneros diversos em sintaxe fragmentada.
Participante de movimentos culturais
e de fomento à leitura, é autor de livros como
Maralto (2002), A Biblioteca Submergida (2003),
Contogramas (2004) e Escorbuto, Cantos da Costa (2005).
Este é seu mais recente trabalho publicado:


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