Monday, September 28, 2020

MESADA (por Marcelo Rayel Correggiari)

 


Mais uma vez, nossa resistente Mercearia volta a tratar de negócios. Negócios públicos... dinheiro de governo, arrecadação e os ‘escambau’.

Já diria o magnânimo Milton Friedman que governança é uma desgraça: como já sabem que todo final de mês pinta o ‘dinheirinho’ dos impostos nos cofres do governo, “... tendem a gastar muito mal...” essa arrecadação. O prêmio Nobel de ciências econômicas de 1976, diferente do que muitos pensam, era um quase revolucionário: “onde hay govierno, soy contra”.

No mínimo, já caberia a pecha de ‘desconfiado’. E ainda tem gente que sapeca umas de ‘o pai do neoliberalismo’: bom... se considerarmos que esquerda e neoliberais partem de uma mesma pauta progressista, ...

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Levando-se em consideração que o mundo não resolveu os graves problemas iniciados pela Crise dos Primes de 2008, já era de se esperar a quebradeira geral: uma depressão econômica internacional pior que o ‘crack’ de 1929! Só para se ter uma ideia, o PIB japonês já caiu 27%.

Até que...

... pintou a pandemia.

Bom, as restrições para o controle da pandemia meteram ‘o loko’ — feito uma ‘fratura exposta’ — para cima de uma economia internacional que mais parece uma ‘caozada’ daquelas bem monstro. Apregoava-se que a economia ‘ia bem, obrigado’ porque agora fica tudo no bolso, é tudo eletrônico... no celular. Fodeu lindamente! O que se viu é que a tal ‘proximidade social’ é que fazia a roda girar, até para lavar dinheiro de crime, bem como ilícitos. Afinal, sem povo na rua não é possível disfarçar que a galera precisa de uma ‘obrazinha’ tipo aquelas que têm ‘cartas marcadas’ com empreiteiras de estimação.

Até para assalto, homicídio, acidente automobilístico fatal, precisa-se de ‘povão’ nas ruas.

Ora, ora, ora... vejam freguesas e fregueses, queridíssimas(os) clientes: sem comprar o que seja, não tem imposto! ‘Úia’! ‘Cadê’ a arrecadação?! Como serviços públicos serão pagos?! Como o salário dos trabalhadores (públicos) serão pagos se já não circula mais dinheiro por conta do ‘isolamento social’?!

É um ‘êita’ atrás de ‘êita’.

Com isso, a aceleração da tal ‘reforma tributária’: necessita-se de ‘la plata’ urgentemente! Na maçaroca medonha de sumir com PIS/Cofins e botar em campo a Contribuição Social sobre Operações de Bens e Serviços (CBS), vai para ‘le derrière’ da geral uma belíssima de uma naba.

‘Úia’! Pegou o livro! Vejamos o que é possível ser feito... e qual lubrificante ‘la tchurma’ pegadora do bastão ‘pós maio de 1968’ escolheu para aliviar o esfíncter.

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A alegação do Ministro da Fazenda para tributar livro tem toda lógica do mundo: ele não é literato, andou sempre ‘cagando & andando’ para livro e toda vez que baixava numa livraria, para apoiar um amigo que lançasse sua mais recente obra, encontrava uma penca de gente chique, metida à besta e endinheirada. Logo, “... tributa essa merda, porra! Tem dinheiro, paga mais imposto!”.

Lógica mais ‘cartesiana’, impossível. Pela vivência que ele possui, faz sentido.

Quando acaba a grana, supomos que também acabam os argumentos que serviriam para brecar a taxação do ‘objeto livro’ — aqui entra a forma como o ministro enxerga livro e literatura. A turma do ‘deixa disso’ veio com uma argumentação do século XIX: uns troços de que “... um povo sem cultura...”, “... o livro traz o saber...”, “... é importante para a educação...”, “... não se faz uma grande nação sem livros...” já não seduzem mais ninguém. Para ‘o povão’, nunca houve tanto livro e a porra do buraco só aumentando

Vejamos os porquês literatas & literatos brasileiros, nesse momento, não podem nem ‘dar uma gemidinha’.

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O povão já não acompanha mais o livro. De verdade, não. Claro que há exceções! Mas, no geral, ambiente com livros soa como ‘coisa de gente metida’: se bobear, até nas áreas mais nobres de nossas grandes cidades. Esse elã entre massa populacional e o livro, de fato, nunca existiu: se existiu, foi aquele gozo bem rapidinho.

Começa aqui a primeira mentira que somente nossos ouvidos escutam: de que livro é importante. Cascata! Isso caía bem na época em que a melhor gráfica era a do Guttemberg e era uma penca de copista caprichando na caligrafia. Enquanto a eletrônica não entrou em campo, até daria para dizer que o livro ‘era o tal’. Rádio e televisão — somados ao cinema — já tinham dado a dica de que essas três áreas seriam os postos avançados das Letras.

Literata & literato que não viu isso, lamento: o livro, veículo ‘de tanta cultura’, com alguma sorte, já nos anos 1980, servia para facilitar a vida de arquitetas e arquitetos ‘designers de interiores’ para dar um ‘up’ — aquele ‘gasinho’ — no ambiente decorativo da sala de estar (se bobear, hoje, nem isso!). O livro virou coisa de entusiasta e apaixonado — como este humilíssimo merceeiro que vos fala — na lida ‘do mundo cada vez mais incompreensível’. Lógico que rola um lance com muito tesão ao qual damos o nome de estética — isso conta muito —o que deixa a existência bem mais saborosa. Só que quem não curte essa praia nem esquenta a cuca se o preço do livro subiu ou desceu. Cagando & andando.

Simples assim.

Logo, não entra na cachola da massa populacional as argumentações do tipo “... o livro é importante para o engrandecimento de uma nação”. Para ‘o povão’, isso é cascata da grossa! Nunca se teve tanto livro, leitura, loja, rede de livraria, festival e salão literário para o presidente ser o Bolsonaro.

Lamento, mas essas literatas & literatos perderam: um troço meio 7X1, saca?!

Então, essa relação perde completamente o sentido.

Sobrou para a educação, com uma molecada nervosa com celular no bolso: “... ah! O livro contém o saber”. A molecada se vira para você e fala: “Tio! O senhor já leu o PDF do Taleb ou do Jordan Peterson?!”. PDF, putada! Que ‘mané’ livro, o cacete!

Um dos meus grandes dissabores mais recentes, inclusive, foi o desdém de Noam Chomsky em relação a Peterson manifestado numa singela entrevista de outubro do ano passado para um grupo de alunos de pós-graduação de alguma ‘porta-de-esquina-acadêmica’ nos EUA, entrevista, essa, que gerou — numa decisão pessoal — o encerramento quase completo de qualquer boa vontade minha em relação ao linguista: Chomsky não entendeu que os novos heróis da molecada incluem Peterson que, aliás, é um enorme conhecedor de Jean Piaget.

“Vai lá, Chomsky! Morra em paz, meu velho! Que Deus te acompanhe...”.

Ainda que não goste dos novos heróis da meninada, há de se reconhecer que gente como Sam Harris, Jordan Peterson, Bret Weinstein, Heather Heying, Glenn C. Loury, Coleman Hughes, James Lindsay, Christina Hoff Sommers, Thomas Chatterton Williams, Kmele Foster e o professor de linguística da Universidade de Columbia, também colunista do The Atlantic, John McWhorter fazem um ‘para lá’ de excelente trabalho, mesmo que não tenha nada a ver com a minha cara. Ou seja, mesmo concordando ou não com o que eles dizem, isso jamais terá qualquer relevância quanto ao valor conferido por qualquer outra pessoa que aprecie esses intelectuais e pensadores, principalmente quando se trata de grupos mais jovens, enfiados — os coitados — num buraco que não foram eles que produziram e loucos para, finalmente, dar um jeito nessa porra toda.

 

Nem é preciso dizer que ‘as guerrinhas da engenharias sociais’ — responsáveis, na minha modestíssima opinião, por tombarem Chomsky como “um grande intelectual de ponta”, principalmente porque não teve colhões para bater de frente contra a própria ‘tchurma’ (que ele mesmo alimentou durante todo esse tempo) no caso da Universidade Evergreen e que vitimou um ‘colega de esquerda’ como Weinstein — fizeram do objeto livro quase um símbolo de treta e um poço interminável do pior enfado possível e existente.

 

Depois, é bom não ficar com ‘cartinha’ na revista Harper’s como ‘manifesto contra a cultura do cancelamento’. Porra, vão se foder! “Foram vocês que criaram essa bosta!”. Quando era contra “... o inimigo de vocês...” (ou alguém que vocês supõem ‘inimigo’), servia! Quando tomba gente do mesmo lado da mesa, numa covardia de doer no espírito, como o que aconteceu com Bret Weinstein e Heather Heying em 2017 na Evergreen, aí... “ai! Cartinha para a Harper’s”. É de mandar tomar no...

 

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É por essas e outras que rola o fim da isenção para livros prometida pela Contribuição Social sobre Operações de Bens e Serviços (CBS) (não é um ‘aumento de imposto’ como andam dizendo, mas o fim de uma isenção de 12%). Com o lance da quebradeira promovida pela pandemia, somado à ausência da massa populacional que anda passando a léguas de distância de um livro, as governanças aproveitam o ensejo para tentar, de uma forma ou de outra, derrubar as isenções que esses veículos tinham.

 

Governo ruim, que não quer lidar com Cultura?! Sem dúvida! Enxergam a coisa na base do “... esse bando de desocupados”. Só que eles têm apoio justamente na ausência de plateia: seria algo como: “... de fato, entendemos patavinas desse troço de Cultura. Mas, pelo jeito... vocês também não andam fazendo muito sucesso fora daquilo que chamam de ‘cultura de entretenimento’”.

 

Cabe o debate: qual seria o protagonismo social das Artes, em especial da Literatura, quando se descobre que as próprias Artes parecem ter perdido por completo a embocadura de uma lida mais abrangente com a massa da população?

 

 

Marcelo Rayel Correggiari
nasceu em Santos há 48 anos
e vive na mítica Vila Belmiro.
Formado em Letras,
leciona Inglês para sobreviver,
mas vive mesmo é de escrever e traduzir.
É autor de Areias Lunares
O Verão No Café Atlântico
(à venda na Amazon, em livro e e-book).






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