Sunday, September 20, 2020

TOFU DIDO, UMA COMÉDIA ALIMENTAR (por Germano Quaresma, aka Manoel Herzog, ou vice-versa)

  


COMÉDIA ALIMENTAR - TOFU DIDO

 

 I- Quadras

Sabendo que a carne é podre,

Fato que muito me enoja,

Querendo comida nobre

Fui comer carne de soja.

Daí que fiquei sabendo

De um parasita, meu sócio,

Que ganhava os dividendo:

Esse tal de agronegócio.

Levei sabugo de milho

(haja papel higiênico)

Aqui se come restolho,

é o alimento transgênico

Tiraro as floresta tudo

No lugar pôs soja e boi

Os pobre índio botocudo

Ganhou celular da Oi,

Da Tim, da Vivo, o cacete.

Brasil, celeiro do mundo:

Empresários cafajestes

Políticos vagabundos

Uma mídia bem canalha

Justiça venal e lerda

E o povo, nessa caralha,

Pagando e comendo merda

 

II - Tercetos

Cansado de carne com papelão

Assunto que virou carne de vaca

Foi que eu me decidi por abrir mão

De comer carne, já que a carne é fraca

E transformei inteiro o meu cardápio

Pra só comer soja, milho e alfavaca.

Rasguei meus ternos, me cobri de trapos

(Quase me interditou minha família)

Mas tinha dignidade em meus farrapos

Morreu papai, fiz chorar minhas filhas,

Família não é mais minha seara,

Veja, até Fátima largou de William

Chamou de brocha, cuspiu-lhe na cara

Deu piti, fez escândalo, que treta

Saiu do jornal, fichou na Seara,

E foi vender linguiça pra caceta

Mas a mais trolhuda socou no cu

Daquele que a trocou pela Poeta.

De minha parte eu, pobre e seminu,

Me viro como posso nesta piça

Montei a fabriqueta de tofu

Porque ruiu o império da linguiça

E assim foi que me tornei empresário

Da gororoba insossa, sem delícia -

Especialista em nutrição de otários

Eu me tornei, e fui bem sucedido

Pois procurei um bom publicitário

Pra criar um nome, um logo, apelido

Que fizesse bombar o meu produto

E ele me sugeriu meu nome: Dido.

Pensei comigo, que sujeito arguto

Este publicitário, este Olivetto

Botar meu nome no tofu, que puto,

Não achei bom mas, sei lá, nem me meto

Ele é publicitário, estudou tanto

Deve de ter razão, eu me submeto.

Com meu queijo de soja me agiganto,

Me deixou rico meu tofu querido

Feito da melhor soja da Monsanto

E hoje o Brasil consome Tofu Dido.

Tofu Dido vem lá do Mato Grosso,

Vem do Goiás, Pará, Rondônia, Obidos

Criar boi não é mais futuro nosso

Comprei uns matos, broquei, plantei soja,

Matei uns índios e enterrei num fosso

Sob o protesto de um bando, uma corja

De vagabundos e ambientalistas

Essa raça de putos que me enoja

Mas que, por paradoxo, uns ativistas

Do veganismo, adoram meu negócio -

E eu vendo preles, já que eu estou na pista.

Eu, pra ter lucro, aceito qualquer sócio

Hippie, petista, coxinha vegano,

Eu entrei nesse tal de agronegócio

Pra ficar rico a qualquer custo, mano,

Tô nem aí se dentro dos currais

O boi tem tratamento desumano,

Se foda o boi, eu quero é ganhar mais,

Se foda os bicho todo, o porco, o frango

Pra falar real, detesto vegetais.

O foco desta minha empresa é o rango

Se a moda agora é adorar o boi

Comprar bife de soja a centos mango

Tô dentro, minha ideia sempre foi

Acabar c'a Amazônia e encher de gado

E que, na frente, de berrante, entoe

O boiadeiro aquele som cagado,

O tal sertanejuniversitário.

Mas se o boi acabou vitimizado

E pro consumidor é prioritário

Cuidar da saúde e o colesterol

Inda que fazendo papel de otário

Nos frigoríficos passo o cerol

E planto soja nessa porra toda

Estou bem convencido de que o sol

nasceu pra mim, o resto que se foda,

Me nome é Dido, Dido que é meu nome

Se o Tony Ramos se queimou na roda

Bonito fiquei eu, sujeito home

Eu que vou sustentar toda a canalha

Não quero ver meu povo passar fome

Tô bem ligado que o esquema enxovalha

Quer destruir a empresa nacional

Pro americano vir meter cangalha

No lombo dos brazuca etc e tal

Meus concorrente vai ser dizimado

Também sei manejar o capital

Preciso destruir o tal Nikado

O fazendeiro japonês vizinho

Que diz o meu tofu falsificado

E o dele é bom, "melhor, mais gostosinho,

Né? japonês sabe fazer tofu."

Tem que tirar o japa do caminho:

Nikado vai ser pasto de urubu.

Portanto, ficamo assim combinado,

Quem comer carne vai tomar no cu

Come queijo de soja batizado

Essa bosta que tem gosto de rolha

Tem Tofu Dido e tem Tofu Nikado –

Importa é ter “liberdade de escolha”.

Germano Quaresma, ou Manoel Herzog,
nasceu em Santos, São Paulo, em 1964.
Criado na cidade de Cubatão,
trabalhou na indústria química
e formou-se em Direito.
Estreou na literatura em 1987
com os poemas de Brincadeira Surrealista.
É autor dos romances
A Jaca do Cemitério É Mais Doce (2017),
Dec(ad)ência (2016), O Evangelista (2015)
Companhia Brasileira de Alquimia (2013),
além dos livros de poemas
6 Sonetos D’amor em Branco e Preto (2016)
A Comédia de Alissia Bloom (2014).
Aqui, seus mais recentes trabalhos publicados:




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