O sul e
o norte dos EUA guardam muitas diferenças, gerando inclusive a tão conhecida
guerra civil. O sul, mais agrícola, mais religioso e menos educado acabou sendo
obrigado a engolir a abolição da escravatura depois da derrota na guerra civil.
Curiosamente, a maior religiosidade nunca pareceu conflitar com a convivência
com a escravidão, um argumento comum aos que questionam a religião como bússola
moral. Essa parece ser a questão fundamental do filme de Antônio Campos – filho
do apresentador do Manhattan Conection, Lucas Mendes –, O Diabo de Cada Dia, em
cartaz no Netfilx.
Apontando
para duas pequenas comunidades do meio-oeste americano, o filme mostra as
consequências da mistura de ignorância, religião, pobreza e violência e a
imensa dificuldade de alguém nascido ali escapar do que parece ser um destino
imutável.
Baseado
no livro O Mal Nosso de Cada Dia, Campos convidou o autor do livro, Donald Ray Pollock,
para fazer a narração em off, recurso que, se por um lado, tira um pouco da
inventividade do filme, por outro, deixa a trama, que acompanha duas gerações
de nascidos naquelas bandas, mais fácil de seguir.
Logo no início, dois casais são formados ao acaso numa lanchonete. Willard, que acaba de voltar da guerra do pacífico, e Charlotte e Carl e Sandy. A partir daí passamos a acompanhar a trajetória família de Willard, do nascimento do filho à doença da esposa. A cada novo acontecimento, Willard, apesar da reticência inicial, acaba abraçando cada vez mais a religiosidade até chegar ao fanatismo. Essa trajetória é repleta das contradições, a convivência entre a religiosidade e a violência parece não incomodar, aliás, é passada de pai pra filho impedindo que a próxima geração possa escapar do destino, aparentemente, já traçado antes do nascimento.
Carl e Sandy voltam a aparecer mais a frente, mas, antes, passamos a acompanhar Arvin – o atual Homem Aranha, Tom Holland – morando com a avô e a órfã Lenora, depois de uma serie de consequências trágicas. Apesar da grande religiosidade da avó, Arvin tem dificuldade em abraçar a religião por conta dos excessos do pai. Já Lenora a abraça com toda a força e a chegada na comunidade de um novo pastor, vivido por Robert Pattinson, vai escancarar ainda mais a convivência do mau inerente aos seres humanos com a aparente pureza da religião.
Essa dualidade é a força do filme, pessoas cheias de pecado tentando resistir, ou se entregando a eles, num meio altamente religioso. A culpa e a ignorância arrastam muitos ao fanatismo e à violência tão entranhados na comunidade. Fica cada vez mais claro a enorme dificuldade de alguém escapar disso à medida que o filme avança.
O Mal
Nosso de Cada Dia foi recebido de forma morna pela critica, o que, na minha
opinião, é uma injustiça. O filme pode não ser um primor de criatividade, mas tem
uma estória poderosa e impactante, muito bem contada e com boas atuações. Tem
um certo didatismo, mas nada que estrague o filme, pelo contrário, o deixa mais
digerível para os assinantes do Netflix sem abrir mão da qualidade. Uma ótima
opção em tempos de cinemas fechados.
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