Sunday, September 20, 2020

PANDEMIAS E ORELHADAS (por Marcelo Rayel Correggiari)

 



Foi uma tonelada de textos... todos prontos para publicação.

Chegava na hora, refutava: sempre tinha um dado novo para trazer à luz, uma mudança de paradigma... rolava sempre algum tipo de coisa — um troço qualquer — que me fazia meter o pé no freio, dar um jeito de não botar o texto para frente.

Quando deu um mês, meti um baita ‘textão-áudio’ para o editor dessa nobre revista. Por doze minutos, expliquei que não havia emudecido: havia textos aos borbotões, de dúzias, mas quase todos eles com um tom mais puxado para o niilismo e sempre com traços de uma certa agressividade que nem dava para explicar muito.

Esse texto foi escrito no sábado do feriadão de 07 de setembro — o feriado nacional cai numa segunda-feira. Para quem é de Santos, rola o 08 de setembro logo em seguida — dia da madroeira da cidade — garantindo à querida população de Enguaguaçu uma espécie de ‘carnaval’ no segundo semestre, mas sem quarta-de-cinzas.

Puxo aqui esse contexto por causa da quantidade de automóveis que desceram a serra em direção às praias do litoral paulista. Em plena pandemia de SARS-Cov-2, com números nacionais ultrapassando os 125 mil óbitos, as imagens de todos aqueles carros nas estradas — antes bem-vindas em momentos de paz e saúde — soavam como um belíssimo de um ‘foda-se quem está de luto’.

Mesmo considerando que não daria para ficar o tempo todo em casa e que, a partir de certo ponto, todos teriam de voltar a algum tipo de atividade — seja ela qual fosse — o momento exigiria algum tipo de recato, de reverência ao luto de mais de 125 mil famílias, mas não foi o visto no feriadão do Dia da Independência. De fato, não é possível viver o tempo inteiro com medo e muito menos a reboque de controles governamentais que definitivamente não sabem como guiar uma população inteirinha ao longo de uma pandemia.

Lá ia eu, outra vez, com mais um texto ‘cheio de raiva’ contra a insensibilidade humana diante de um momento de exceção. Repito que também concordo com o perigo de controle por intermédio do medo — o lance de uma ‘segunda’ e/ou ‘terceira’ ondas amedrontadoras, suficientes para enfurnar em domicílios bilhões ao redor do planeta para mais de ano. Todavia, trocar o feriadão de Independência pelo da Madroeira do Brasil (12 de outubro, uma segunda-feira) soava mais condizente se levarmos em consideração os números ruins trazidos pelo surto de Covid-19.

Isso posto — sabedor que ninguém é a ‘medida do mundo’ — recolhi-me em minha insignificância a fim de melhor elaborar as imagens de milhares se dirigindo ao litoral para o feriadão. Tem horas que é ajuizado engolir a raiva e o desgosto de certas visões a fim de se preservar: a. o bom andamento de alguma interação minimamente civilizada num futuro próximo e; b. a saúde mental.

Portador de um texto altamente inflamado, coloquei o danado na pastinha do ‘para mais tarde’. Aliás, era o quinto ou sexto nessa linha que não apaguei de todo, ou joguei fora, mas tive de segurar para outra oportunidade no claro objetivo de não sair por aí xingando quem passasse pela frente. Sim, porque na quinta e sexta da véspera, era doído ver conterrâneos fazendo campanha pelas mídias sociais em prol da presença maciça nas praias — como o ocorrido no 30 de agosto, o domingo anterior — transformando uma doença num ato político e/ou cívico para a prevalência dos ‘direitos civis’ de ‘ir-e-vir’ — uma espécie de “quem manda aqui nessa porra é ‘nóis’ — bem como a “derrubada do STF”.

Foi triste. Duríssimo: amigas e amigos que perderam pai, mãe, parentes, pessoas amadas e queridas tendo de topar com boçais transformando uma “ida à praia” num gesto de desobediência civil bem rastaquera sem se ater à excepcionalidade desse instante. Haja sangue-de-barata!

Mais dois meses e tudo teria alguma solução mais apaziguadora e abrangente. Mas... ‘não!’. Rolou uma espécie de “foda-se, você” e, no caso de pintar um solzinho, “... vamos a la playa...”.

Como dito há pouco, é duro vivermos a reboque de gente que ainda não conhece nada da doença, muito menos de como pedir o bom-senso das pessoas para se evitar sua propagação em escalas exosféricas. Essa pandemia mostrou (e bem!) o quanto arrotamos muita sapiência sobre coisas que, de fato, sabemos quase nada delas.

Foi, aí, que pintou a ideia: “ô, Marceleza?! Do que adianta você ler os livros do Taleb e ficar ‘putinho’ com o que anda rolando com essa pandemia?!”. Karakas, o próprio Taleb, em fevereiro e março, afirmou por “a+b” que o coronavirus jamais foi ou seria um “Cisne Negro” (quando muito, um cisnezinho cinza... e já fazendo muita força nesse sentido).

Bom, soltei o recado no sábado à noite, pelo ‘feicebúqui’: quem quisesse ter uns ‘drops’ de São Nassim Taleb, era só colar na banca. Afinal, nos próximos eventos, já se é possível selecionar quem está falando ‘coisa-com-coisa’ daqueles que utilizam mídias sociais e de massa para ‘fazer o trabalho do “cão”’ (a saber: engendrar, em todas e todos, a ‘máquina-do-medo’ e do pânico).

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Nassim Nicholas Taleb, como todos sabem, é formado em engenharia e hoje ensina probabilidade numa universidade nova-iorquina. Fugido da guerra civil do Líbano, seu país de origem, teve de lutar com unhas e dentes em sua nova vida na América, longe de toda a força e tradição de sua ancestralidade no Levante.

Taleb teve como tio-avô um ex-vice Primeiro Ministro libanês e a experiência política da família já havia deixado ares de que nem sempre políticos sabem, de fato e na realidade, o que estão fazendo. Confiar na capacidade de previsão de um político ‘profissional’ nem sempre é o melhor dos mundos. Aliás, é dele a frase “... meu tio sabia tanto de política quanto o motorista particular dele, o Mikail”.

Ao se formar na faculdade, a luta continuava, dessa vez, pelo ‘primeiro emprego’: a convite de um amigo, foi parar num banco, desses, de investimento, só conseguindo ganhar dinheiro se fizesse algo razoavelmente diferente do executado pelos ‘cabeças coroadas’ da época. Não tardou para que jogassem ele “na fogueira”: com a confiança dos principais acionistas das empresas por onde passou, ganhou de presente uma ‘cova-dos-leões’. A cova?! Operar uma “mesa de opções”, uma das mesas mais perigosas num banco de investimento.

Foi ali que Taleb viu a ascensão e ruína de muitos ‘gurus’ do mercado financeiro: uma turminha de ‘selecionados’, “... tocados por Deus...” que, no alto de suas arrogâncias, levaram tombos que incluíam tragédias econômicas, passando, inclusive, por ‘puxações de fase’ (Alô, Tim Maia! Aquele abraço!) conhecidas em território tupiniquim como ‘cadeia’ (ou ‘ver o sol nascer quadrado’).

Taleb, que já tinha a desconfiança de que o ser humano é um bichinho ‘meio teba’, passou a verificar que, de fato, não há especialistas em nada nesse mundo. Sua tese era a de que não dava para confiar muito nesses ‘gênios’ e ‘gurus’: nenhum deles se atinha a uma espécie de ‘visão periférica’ — em sentido metafórico — necessária para se tomar boas decisões. Pior: alimentavam seus próprios ‘auto-enganos’ ao afirmar que suas constatações eram uma espécie de ‘verdade absoluta’.

E tomem perder ‘zilhões’ quando “um ciclo se encerrava”: esse foi o tema de um dos seus primeiros livros, o “Iludidos pelo Acaso”. Nessa obra, Taleb observa que uma determinada postura acaba por ser muito bem sucedida porque o comportamento que gerava esse sucesso tinha muito pouco a ver com o ‘elemento gerador’ desse triunfo. Era como se dissesse que “aquela época” pedia certos procedimentos, posturas e comportamentos que coadunavam com o cultivo daquele instante.

Quando o ciclo se encerrava, e novos padrões mexiam nesse ‘elemento gerador’, tais comportamentos e abordagens passavam a ‘jogar contra’. Ao invés do futuro candidato a fracassado tirar o pé do acelerador para se aperceber ‘do periférico’, aquilo que passava ‘pela visão periférica do(a) observador(a)’, bem como tudo o que indicasse um novo ‘elemento gerador’ para a aquisição de uma determinada riqueza, o(a) sujeito(a) mantinha sua fé-cega no modelo anterior e acabava por arrombar as carteiras de investimentos dos clientes de uma determinada instituição financeira.

Ora... qualquer semelhança com a atual administração de uma ‘situação de exceção’ — uma pandemia, por exemplo — talvez não seja uma ‘mera coincidência’. Quando os governantes “que deveriam agir pelo bom-senso” não sabem quais decisões tomar, torna-se irrefutável a evidência de que somos nós que críamos um ‘bom-senso’ dos homens e mulheres de vida pública que só existe em nossos pensamentos e imaginações. Nunca nos passa pela cabeça de que mulheres e homens de vida pública não sabem o que fazer quando pinta uma pandemia na área: uma hora, fecha tudo; na outra, abre; num instante, estão proibidas as aglomerações; em outro, a praia está liberada, mas somente em pequenas faixas de horário.

Para Taleb, a confiança que você tem ‘no(a) outro(a)’ é diretamente proporcional à percepção que você tem de que ‘esse(a) outro(a)’ possui uma sensibilidade à visão periférica e age conforme à sutileza dessa periferia. Convenhamos, é tudo o que uma mulher e homem de vida pública não possui nos dias de hoje, não é verdade?!

Mas isso é matéria para a próxima coluna. Para o momento, apenas tente reparar naqueles que possuem essa visão que capta as sutilezas encontradas nas periferias de um dado da vida. Logo, logo, aprenderão a diferenciar quem realmente quer te ajudar durante uma pandemia ou não passa de um(a) gaiato(a) querendo te apavorar e te encher de medo.

Mas, por favor, façam esse exercício longe do mar: com um bom golpe de sorte (acreditem, o acaso também responde por 80% das coisas!), esse tipo de lazer retorna mês que vem. A praia pode esperar.

  

Marcelo Rayel Correggiari
nasceu em Santos há 48 anos
e vive na mítica Vila Belmiro.
Formado em Letras,
leciona Inglês para sobreviver,
mas vive mesmo é de escrever e traduzir.
É autor de Areias Lunares
O Verão No Café Atlântico
(à venda na Amazon, em livro e e-book).






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