Jenifer é uma garota e tanto. Acabou de se formar. Foi a melhor aluna do curso de administração de empresas. Fala francês, espanhol, inglês e mandarim. Agora, a jovem está procurando o que fazer, mas é um pouquinho ingênua, pois se recusa a admitir que a beleza é uma arma poderosa que pode facilitar as coisas. Enquanto preenche a ficha numa grande corporação, Jenifer está insegura: “Tomara que eu tenha acertado ao vestir essa saia e blusa. Será que essa meia cor da pele ficou bem? Quem sabe esse cara vai reconhecer o meu talento? Preciso me concentrar.”
O recrutador:
“Que coincidência! Estamos justamente cogitando uma assistente de exportação que fale mandarim.”
“Ai, que bom! Quando eu disse que ia estudar mandarim fui criticada pela minha própria família. Queriam que eu estudasse alemão. Mas o mandarim foi a decisão certa. Desde a reforma econômica de 1978, a China não para de crescer e expandir novos mercados.
O recrutador se recosta um pouco mais na cadeira, enquanto finge ler atentamente a ficha que Jenifer acabou de preencher. Na verdade, ele está mirando aquelas pernas. Pra disfarçar, ele comenta:
“Jenifer, você se interessa por política externa. Ótimo.”
“Ah, sim. Quer saber? É evidente que o Brasil precisa ir atrás de novos rumos e a China é hoje um grande mercado, e mais do que isso — uma superpotência em ascensão; embora ninguém acredite nos números que os chineses divulgam, não é mesmo?
O recrutador: “Será que essa mina é loira autêntica? O cabelo dela é tão sedoso e natural.”
“Bem, o que importa é que você é muito gostosa e vai trabalhar aqui de qualquer jeito.”
“O que será que ele quis dizer com “muito gostosa”? Acho que não entendi direito. Estou tão nervosa e quando a gente fica assim entende tudo errado”.
“Ah, que bom, então gostou do meu currículo?”
“Inclusive vou abrir uma exceção e apresentá-la já ao presidente da corporação. (O recrutador pega o telefone e disca três números): “Sim, é importante... Trata-se da candidata à vaga de assistente. Não, não, o senhor não vai perder o seu tempo, eu garanto!”.
“O sr. Henry Walter vai recebê-la.”
Tem uma coisa que Jenifer não colocou no currículo, talvez por humildade: é campeã de kick boxe. Mas ela só se vale disso em situações extremas, como a que está enfrentando agora: “Senhor Henry Walter, peço que retire as mãos dos meus seios, caso contrário vou denunciá-lo por assédio sexual.”
“Tenta.”
Com o cabelo grisalho um tanto quanto desarrumado, Henry Walter está agora com as mãos no saco, tentando amortecer sem sucesso um pontapé eficiente e certeiro de Jenifer, enquanto ela diz com gelada elegância:
“Isso é para o senhor aprender a respeitar as garotas de talento.”
OBS: Este continho serviu de base para uma história em quadrinhos escrita por mim e desenhada pelo Júnior MDA. Foi publicada em 2005 na revista Trampo, produzida como Trabalho de Conclusão de Curso/Jornalismo, de autoria de Fabiana Pellegata e Vivian Ortiz.
Márcio Calafiori é jornalista.
Nasceu em 1957 e se formou
pela Facos em 1986.
Exerceu quase todos os cargos
em redações de jornais em Santos,
Santo André, Campinas e São Paulo.
Foi redator, repórter, revisor, editor,
secretário de redação,
chefe de reportagem e ombudsman.
Aposentou-se em 2012
como professor da Unisanta,
depois de 29 anos
de dedicação exclusiva
ao Jornalismo Impresso.
Colabora regularmente com
LEVA UM CASAQUINHO.
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