“O melhor amigo do homem é o uísque.
O uísque é o cachorro engarrafado”
(Vinicius de Moraes)
Se os melhores perfumes estão nos menores frascos, o mesmo conceito pode ser aplicado às agências de propaganda. Quanto mais butique de criação o estilo da agência, mais gostosa de trabalhar.
A Momento de Propaganda era assim. Charmosa, ocupava dois andares de um lindo edifício na Haddock Lobo, quase esquina de Lorena. Ou seja, ficava num dos pontos mais agradáveis da cidade: os Jardins.
A Criação era no 12º andar, comandada por Sérgio Lima, grande Redator e Diretor de Criação. Inteligente, bem humorado e rápido no gatilho, Serjão montou um time tão afinado quanto enxuto. Modestamente. Luís Boralli, na Direção de Arte, eu, na redação, e ele, na supervisão.
Nossas contas mais importantes eram Encol e Brinquedos Mimo, clientes que faturavam horrores. Principalmente a construtora, então,
no auge do Plano Cruzado. Dinheiro a dar com pau. Ou com tijolo.
Com nosso talento e aquele tesão louco que só os bons salários inspiram, dávamos conta dos jobs da agência durante o dia, e de outras tarefas mais nobres a partir do happy-hour. Ambas jornadas com pleno sucesso.
Certo dia, o contato que atendia a Mimo, pediu uma reunião com
a gente. Queria nos passar o briefing da campanha de lançamento de
um brinquedo. Sérgio marcou para a manhã seguinte, às 10 horas.
No horário combinado, estávamos à espera do atendimento.
Duas horas depois o contato apareceu em nossa sala. Sérgio Lima estava
puto dentro das calças, mas não acusou o golpe. Ficou quieto.
O tal contato, que adorava a própria voz, levou mais de uma hora para nos apresentar ao novo mimo da Mimo. Não precisava. Resumindo
a missa pela metade, o brinquedo não passava de um autorama de pobre. Um carrinho elétrico muito sem vergonha que corria sozinho, preso a um fio de plástico da espessura de um macarrão spaghetti. Mais nada.
Sérgio, Boralli e eu ouvimos pacientemente toda a cantilena do rapaz que, no fundo, só queria impressionar a linda assistente. Mal sabia ele, que Sérgio já estava de trampolinagens com a moça. Há tempos.
Terminada a reunião, começamos a criar os filmes. Parecíamos
três moleques em volta do brinquedo. No fim do dia tínhamos várias idéias para TV. Deixamos para apresentá-las internamente na data estipulada. Prazo é prazo. Dois dias depois, mostramos ao contato. Eram seis filmes.
Sérgio, que entende como poucos de apresentação, contou os comerciais. Tudo foi bem, até que ele chegou ao último. A historinha do garoto que montou o brinquedo no quarto.
Com sua imaginação fértil de criança, ele decorou a trajetória do carrinho com os objetos que tinha no ambiente. Assim, correndo pelo fio de spaghetti, o carrinho passava por baixo da cama, tirava uma fina do pé da cadeira, acompanhava a lateral do baú de bugigangas e entrava num “túnel” feito de caixas de sapatos. Ao sair, ele passava rente ao focinho de um cachorro vira-latas, fazendo com que o bicho pulasse para trás, assustado. Pronto. Era isso.
O contato pareceu frustrado com o desfecho da trama. Tanto que deu um palpite:
“Porra, Serjão, tá cheio de cachorro no ar!
Não dá pra vocês botarem outro bicho nesse filme???”
Sérgio Lima prometeu mudar. A reunião acabou.
Corta para o dia da apresentação da campanha ao cliente. Eram dez pessoas em volta da mesa, imensa. De um lado, o time da Mimo, completo. Do outro, o pessoal da agência, formado por nós três da Criação, um Mídia, o tal contato e sua assistente, além do Diretor de Atendimento, Flávio Dragone, que era um dos sócios da Momento.
Sérgio Lima começou a contar os filmes com sua naturalidade habitual. Como estávamos de frente, eu e Boralli, fomos conferindo as reações dos clientes. E, a julgar pelos sorrisos e trocas de olhares, tudo ia bem. Até que Sérgio chegou ao último comercial, aquele em que o nosso contato pediu para trocarmos os bichos. Sérjão estava animadíssimo:
“Então, o carrinho passa por baixo da cama e tira uma fininha
do pé da cadeira. Depois, segue a lateral do baú
e entra num “túnel” feito de caixas de sapatos.
E quando sai, ele passa bem no focinho do jacaré,
que abre o bocão e dá um pulo pra trás, abanando o rabo!!!”
Nesse ponto, quem deu um pulo, foi o Gerente de Produtos da Mimo que, cheio de dedos, sugeriu:
“Um jacaré?!?!?!
Peraí, Sérgio, mas será que não dá pra usar
um bicho assim mais...normal???"
Para surpresa geral, Sérgio respondeu, apontando o dedo para
o contato da agência, encolhido na cadeira, morto de vergonha:
"Nós criamos o filme com um cachorro super fofinho...
Foi ele que pediu pra mudar!!!”
Poucas vezes em meus mais de 30 anos de propaganda, vi uma campanha ser aprovada em meio a tantas risadas, palmas e elogios.
Carlão Bittencourt
é redator publicitário
e cronista.
É autor de
"Pela Sete - Breves Histórias do Pano Verde"
(2003, Editora Codex),
um mergulho no universo
dos salões de bilhar de São Paulo
e escreve todas as quartas
em LEVA UM CASAQUINHO.
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