Sempre que assisto a um espetáculo oficial aonde o Brasil é narrado e explicado, meu estômago revira e minha psique decai; efeito oposto ao pretendido pela direção que seria mostrar a vibração e o milagre da convivência. O espetáculo de abertura das Olimpíadas provocou de novo a sensação de exílio em meu próprio pais, solidão na própria casa.
O país do futuro? Sim. Um país que suporta apenas o futuro e joga fora o presente e o passado, cada vez mais sem identidade e cultura.. reduzida agora apenas a bossa nova, aos famosos do momento e da História brasileira, cada vez mais curta. Uma nação de celulares, fibras óticas e uma lata de lixo aonde se joga fora tudo que não aparece na TV porque se não é famoso, não tem valor. Um país de centenas de milhões de pessoas onde apenas meia dúzia de notáveis podem ser lembrados. Desculpem, mas não aguento mais ouvir falar de Niemeyer! Existem outros arquitetos aqui. Existem outros cenógrafos, coreógrafos, fotógrafos, artistas plásticos, modelos e atrizes. Ou a memória é tão curta que só consegue guardar o nome da Fernanda Montenegro? O momento belo dessa festa foi o desfile da mulher ao encontro do cantor. No entanto, a Garota de Ipanema nunca foi uma, apenas uma, modelo internacional. A Garota é mítica porque é todas, muitas, centenas, milhares, milhões de mulheres lindas cruzando o espaço a caminho do mar.
E o povo.. ahhh.. o povo.. Vem cá, não existe povo. Existem pessoas, fatos e seus detalhes que são pedaços de estórias contadas, e essas estórias são a riqueza de uma nação. Um país não é o que se olha da janela de um carro, de um avião, do drone… é o que se conta dele, é feito de palavra, memória e pensamento. A cultura brasileira não foi inventada nos anos 60 em Ipanema ou na semana de 22, em São Paulo. Sim… somos historicamente provincianos e sendo um pais tão grande, devemos cultura ao mundo mas, como se viu no espetáculo olímpico, é pouca a cultura brasileira e conformada com a pobreza, porém, houve o Império e negros intelectualizados aconselhavam a corte em plena escravidão, em um Rio de Janeiro fervilhando musicalmente no século 19. Não havia apenas Machado de Assis e o Imperador conversava com os maiores intelectuais europeus, cultivava a filosofia e a fotografia. Antes dele, D. João sexto chegou a cidade e acreditem, a corte portuguesa era muito mais do que o rei glutão e a rainha louca. Os brasileiros têm obrigação de saber quem são, de onde vêm quando insistem em simplificar, apagar, reduzir sua formação a uma comédia de meia dúzia de erros, a uma eterna luta entre complexo de viralatas e a pretensão de filhos pródigos de Deus, eternas crianças com meia dúzia de tios famosos. Não é a toa que a gente atura o Galvão Bueno há séculos com o bordão do “é muita emoção”.. faltam razão e consciência.
Na América Hispânica, ignorada pelos brasileiros, a consciência de formação é clara: o passado cortando o presente como navalha suja de sangue, templos de culto panteísta emergindo no asfalto rachado por terremotos, dialetos indígenas vagando tristemente ao largo das rodoviárias, tristezas irreconciliáveis e luto insuperável. A consciência não é plena sem tristeza e dor. A alegria sem consciência é tola. As nações devem consciência a humanidade.
Ok, era apenas um espetáculo de boas vindas aos estrangeiros… o “dá licença que nós queremos vender o peixe” no mercado internacional. Mas quem é que está vendendo o que? Quem são os escolhidos dessa missão comercial? … Aonde está a densidade espiritual minha, sua, das pessoas passando embaixo da minha janela? Eu não faço parte de uma narrativa cada vez mais simplória, tecnológica onde a moral é uma leitura burra da luta de classes; capa e orelha de livro cujo conteúdo é o alpinismo social selvagem , iletrado, inconsequente e obscurantista. O Brasil é cada vez mais uma nação de fanatismo religioso e choradeira diante da TV, cantando vivas ao futuro e a tolerância.. tolerância a própria preguiça. Eu e você somos mais do que isso e muito menos do que merecemos porque nos recusamos a entender quem somos, de onde viemos e no que acreditamos. A elite intelectual que nos representa, e eu faço parte dela, se conforma em sobreviver confortavelmente sem correr o risco da incompreensão, adotando como linguagem uma sopa de letrinhas, repetindo bordões cada vez mais simplistas e suspeitos. O esforço de compreender a complexidade é o ponto de partida e chegada da cultura, da narrativa. A complexidade se mantém intacta em cada fábula infantil. Boas intenções não garantem que gato não seja vendido por lebre.
Foi apenas um espetáculo e irrepreensível tecnicamente.. mas não venham me convencer que é o resumo da nação.
Flavio Colker. Agosto de 2016
Flávio Colker
é um dos maiores
fotógrafos brasileiros.
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