Em sua nova empreitada pelo universo museológico, Alexandr Sokurov não alcança a mesma excelência de seu trabalho anterior na mesma temática, “Arca Russa” (Russkiy kovcheg, 2002). Alguns fatores talvez tenham conspirado neste sentido.
Enquanto em “Arca” a realização parte do desafio do filme todo em plano-sequência (numa única tomada, teoricamente sem cortes), por si só uma grande curiosidade, em “Francofonia” a montagem já assume ares mais convencionais (apesar de, a princípio, haver-se cogitado em torná-la outra produção em plano-sequência).
A indefinição entre “documentário” e “dramatização” parece também interferir no ritmo do filme, tirando a atenção do espectador do real enfoque. As muitas cenas de arquivo utilizadas – contando inclusive com algumas do próprio Hitler -, misturadas ao material dramatizado geram um ruído desnecessário para a história.
O diretor pretende, em “Francofonia” - passado na Paris da década de 1940, ocupada pelos nazistas -, além de contar a história do mais famoso museu do mundo, também discutir a relação entre arte e poder, assim como ela pode revelar o homem a si mesmo, e sua perenidade.
Os recursos de dramatização servem como guia pela parte histórica do filme – com a presença de atores no papel de Napoleão Bonaparte (Vincent Nemeth) ou da representação da república francesa, Marianne (Johanna Korthals Altes), até personagens mais especificamente relacionados ao museu, como Jacques Jaujard (Louis-Do de Lencquesaing), diretor do museu à época da ocupação nazista (considerado um colaboracionista), e Franz von Wolff-Metternich (Benjamin Utzerath), chefe nazista da Kunstschutz (Comissão Alemã para a Proteção de Obras de Arte em França), que teriam tentado evitar que o Louvre fosse dilapidado pelas forças de ocupação, transferindo grande parte das obras para outras locações pelo país afora. Mas esta mistura do “ficcional” com o “real” acaba confundindo mais do que esclarecendo.
E, finalmente, o fator que talvez seja o mais determinante para que a plateia não se envolva completamente com o filme, é a constante e monocórdia narração (e alguns diálogos, também) em off, realizada em russo (idioma que não faz exatamente parte de nosso léxico), pelo próprio diretor.
Premiado no Festival de Veneza 2015 - prêmios da “Federação de Críticos de Cinema Europeu e Mediterrâneo” e da “Fundação Mimmo Rotella” – “Francofonia” em absoluto é um mau filme, mas, dado o trabalho anterior do grande diretor russo, espera-se talvez um pouco mais. De qualquer forma, confira.
FRANCOFONIA - LOUVRE SOB OCUPAÇÃO
(Francofonia – 2015 - 88 minutos)
Direção
Aleksandr Sokurov
Elenco
Louis-Do de Lencquesaing
Benjamin Utzerath
Vincent Nemeth
Johanna Korthals Altes
Andrey Chelpanov
Jean-Claude Caër
Em cartaz no
Cinespaço Miramar Shopping
com sessões às13h40, 15h30, 17h20 e 19h10
Quem diria que tijolos de mais de 70 anos de idade fossem trazer à tona uma história tão escabrosa quanto esta? Explica-se: enquanto dava uma aula sobre governos totalitários, uma das alunas do historiador Sidney Aguilar lhe falou sobre tijolos encontrados na fazenda da família com suásticas em relevo. Interessado, Aguilar parte em busca das origens daqueles artefatos.
Esta busca o levou de volta aos anos 1930/40, quando cerca de cinquenta garotos negros, com nove anos de idade, órfãos ou abandonados, foram retirados do Educandário Romão de Mattos Duarte, no Rio de Janeiro, e levados para uma propriedade da família Rocha Miranda, em Campina do Monte Alegre-SP. Ali, sob o pretexto de serem criados e educados, são submetidos a longas jornadas de trabalho sem remuneração, cárcere, castigos físicos e constrangimentos morais. Tudo isso em uma espécie de experiência eugênica, promovida por pessoas abertamente simpatizantes da Ação Integralista Brasileira e seus princípios pró-nazistas. A devoção ao partido nazista era tal que acabou gerando os tais tijolos, que simulavam bandeiras brasileiras onde, no meio, ao invés das estrelas e faixas, continham uma suástica.
Estas pesquisas serviram de base para a tese de doutorado de Sidney Aguilar, e esta serviu como ponto de partida para o roteiro – da autoria de Bianca Lenti e Belisario Franca – deste “Menino 23: Infâncias Perdidas no Brasil”. E no filme, além do farto material documental apresentado – incluindo segmentos de época bastante raros –, foram incluídas cenas de dramatização de diversas passagens da história, além de tocantes depoimentos de dois sobreviventes do período, e da família de um terceiro.
Nestes depoimentos é possível avaliar o tamanho da ignomínia desta situação. Duas posturas diametralmente opostas são apresentadas. Primeiro, o Sr. Aloizio Silva, o Menino 23, que em absoluto se conforma com o grotesco da situação e mesmo aos 93 anos de idade ainda sofre muito para falar do assunto e não esconde sua revolta. Por outro lado, é apresentado também o Sr. Agenor, o Marujo, que, com a mesma idade de Aloizio, consegue encarar a situação como uma lição de vida, que o leva a ser considerado um verdadeiro herói por toda sua grande família.
E o terceiro caso, o mais emblemático de todos, é o caso de “Dois” (todos os meninos eram conhecidos por um número). Este garoto, por haver caído nas graças da família, foi criado separado dos outros, “como se fosse um filho” pela dona da casa, Esta, inclusive, o incumbiu de tomar conta de seu “irmão” (filho dela), o que ele fez até a morte. Ele e sua família encaram isto como uma distinção; já os outros meninos veem mais como uma situação de extrema subserviência. Antigos rancores, de ambas as partes.
O que é impressionante notar é que esta situação tenha sido gerada com a conivência – e o apoio – do Juizado de Menores do Distrito Federal, e embasada pelo Código do Menor de 1927. E o documentário de Belisario Franca nos apresenta esta passagem negra da historia brasileira ressaltando, nos créditos finais, dados curiosos sobre a população brasileira, concernentes à eugenia: em 2015, 52% da população brasileira se declara “negra”; 93% do total admite a existência de racismo no país; e deste todo, apenas 1,3% se declara racista. Algo não bate, e a matemática deveria ser uma matéria exata. Não perca!
MENINO 23: INFÂNCIAS PERDIDAS NO BRASIL
(2015 – 80 minutos)
Direção
Belisario Franca
Em cartaz no
Cinespaço Miramar Shopping
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