O jornalista Flávio Prado costumava compartilhar certo pensamento toda vez que uma equipe brasileira caía fora da Libertadores, aforismo baseado numa velha máxima de que a frequência faz a regra.
“O normal é perder. Somente uma equipe ganha o campeonato, enquanto todas as demais perdem. No esporte, a regra é perder. Ganhar é a exceção”.
Se realmente a frequência faz a regra, o raciocínio do jornalista é completamente pertinente. Se num campeonato de 20 equipes, somente uma vence enquanto as outras 19 perderam a chance de ganhar o torneio, o time campeão é a exceção ao passo que as demais formariam a regra.
Em momentos nacionalmente olímpicos iguais aos presenciados nessa primeira semana de jogos, vemos que os grandes astros do esporte não valem pela sua competência, capacidade, talento. Eles valem peso de ouro pela raridade da performance.
Nos jogos olímpicos, uma verdade nua-e-crua é meio que arremessada bem no meio da cara: se você quiser valer algo, não seja excelente, competente, talentoso. Seja raro!
O(A) sujeito(a) pode ser um(a) jumento(a), mas se sua performance cai nas graças ‘del pueblo’ por algum traço de raridade, durma com um barulho desses (e acorde de bom humor!).
Ser excelente, competente e talentoso faz parte da trilha para o sucesso. Contudo, a cereja do bolo é a raridade. Sem ela, uma pessoa se torna... assim... um time olímpico... brasileiro.
Talvez não deveríamos ser, assim, tão cruéis, ou intransigentes. A probabilidade de um time sueco de tênis-de-mesa derrubar coreanos, japoneses e chineses é a mesma dessa vulnerável Mercearia receber uma carta-de-amor apaixonadíssima da Gisele Bündchen.
Ou seja: se riqueza, alto grau de verniz civilizatório e exemplo de democracia garantissem excelente posição no quadro de medalhas, Noruega e Islândia botariam todos para correr.
É o que essa endividada Mercearia teme: na hora que o vil metal tilintar nos cofres tupiniquins, o dinheiro será gasto com a primeira tranqueira que se mexa, em detrimento de educação ou preparação de nossos atletas olímpicos.
Mais ou menos na base do(a) sujeito(a) que ganha na loteria e, ao invés de adquirir um Koenigsegg Agera R, um Bugatti ou um Aston Martin, se entope de Ferrari (ou algum Jaguar de plantão). Id est: o dinheiro ajudou a pessoa em questão a sair da pobreza, mas a pobreza continua a habitá-la.
O medo desse atento estabelecimento comercial é de que ‘falta de apoio’, e ‘... de dinheiro’, sirvam de certa justificativa para performances tépidas. O que diríamos quando esses problemas estiverem sanados, mas o rendimento persistisse? Qual seria o fôlego dissertativo, então?
Dinheiro somente remedia muita coisa, mas soluciona quase nada. Dinheiro com mentalidade resolve problemas históricos.
A maioria dos 10.500 atletas que participam dos jogos no Rio não aparecerá na televisão. Ninguém sequer terá notícias deles. Se ganharem alguma medalha, será por amor ao país e ao esporte. Na ponta do iceberg, grandes nomes do esporte que serão devidamente remunerados por suas vitórias ora pelas confederações nacionais, ora pelos patrocinadores.
O Comitê Olímpico Internacional nos presenteia com o que é chamado de ‘Regra 40’: um dispositivo que pode eliminar um(a) atleta de competições olímpicas se agradecer a um patrocinador ‘não-olímpico’. Gratidão a um patrocinador que não faça parte do ‘clubinho fechado’ pode custar caro. O COI nos convida à falta de consideração: tome cuidado com os ‘devidos agradecimentos’ a quem te sustenta.
E no ínterim, o COI fecha um contrato com a estação de TV estadunidense NBC por US$ 1,23 bilhão. O ‘doping’ comendo solto, a WADA desautorizada a realizar seu trabalho, os descamisados que não seriam, assim, algum Phelps tentando escrever seu nome (e o de seu país) na história.
O ‘grand finale’ da pantomima macabra: os voluntários que trabalham nos jogos, justamente a turma que põe ‘a coisa para andar’, com apenas um cachorro-quente no estômago ao longo das oito horas de jornada. Matam a fome com refrigerante. Até que... o patrocinador olímpico fabricante do refrescante líquido reclamou com o Comitê Olímpico local que os sedentos estavam bebendo demais.
Fome pode. Sede também. Muita opulência, alma sem ar. Quem preconiza o quê?
Marcelo Rayel Correggiari
nasceu em Santos há 47 anos
e vive na mítica Vila Belmiro.
Formado em Letras,
leciona Inglês para sobreviver,
mas vive mesmo é de escrever e traduzir.
É avesso a hermetismos
e herméticos em geral,
e escreve semanalmente em
LEVA UM CASAQUINHO
mas vive mesmo é de escrever e traduzir.
É avesso a hermetismos
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