A CRIAÇÃO DA XOXOTA
Sete bons homens de fino saber
Criaram a xoxota, como pode se ver:
Chegando na frente, veio um açougueiro.
Com faca afiada deu talho certeiro
Um bom marceneiro, com dedicação.
Fez furo no centro com malho e formão
Em terceiro o alfaiate, capaz e moderno.
Forrou com veludo o lado interno
Um bom caçador, chegando na hora.
Forrou com raposa, a parte de fora.
Em quinto chegou, sagaz pescador.
Esfregando um peixe, deu-lhe o odor.
Em sexto, o bom padre da igreja daqui.
Benzeu-a dizendo: ‘É só pra xixi!’.
Por fim o marujo, zarolho e perneta.
“filho do Freud com a rainha Vitória”,
como ele próprio dizia,
em 30 de Julho de 1906.
Não foi menino de brincar na rua.
Tímido, mimado, doente,
cresceu “por trás de uma vidraça
– um menino de aquário”.
Aprendeu a ler com a ajuda dos pais.
Aos sete, sabia um pouco de francês,
porque era a língua que a família usava
para não se expor aos empregados.
Aos nove, foi para a escola.
Aos treze, entrou para o internato
do Colégio Militar, em Porto Alegre.
Não foi um aluno muito aplicado.
Tinha interesse apenas por
Português, Francês e História.
Assinava as provas de Matemática sem ler.
Já adulto em Porto Alegre,
trabalhando como jornalista,
pegou sua primeira tradução na Editora Globo.
Começava assim a carreira
do maior tradutor brasileiro,
segundo Paulo Rónai.
De 1936 a 1955, traduziu
ninguém sabe quantos títulos.
Nem ele mesmo.
Suas línguas eram o francês e o espanhol.
Mas, para não ter que traduzir Lin Yutang
de uma tradução castelhana,
aprendeu inglês na marra.
Levava uns seis meses pra traduzir um Proust,
e uma semana para traduzir um romance policial
–- mais tempo que o próprio autor levou para escrever.
O segredo do profissional:
seguir o estilo do autor, não o do tradutor.
Tudo parece simples quando Quintana mete a mão.
Em 1940, publicou pela Editora Globo
seu primeiro livro: "A Rua dos Cata-Ventos",
mas só em 1966 foi lançado nacionalmente.
Sua "Antologia Poética" (Editora do Autor)
levou o Prêmio Fernando Chinaglia
de melhor livro do ano.
Lançou cerca de 40 livros em vida.
Suas noites de autógrafos eram famosas
por vender mais de mil exemplares autografados.
“Às vezes tenho a surpresa de achar
um poema muito bom. Mas em outros momentos
sacudo a cabeça e fico me indagando
como é que fui escrever uma bobagem daquelas.
Às vezes, corrijo, emendo,
e alguns ficam irreconhecíveis.
Mas outros são natimortos irrecuperáveis”.
A Jorge Luis Borges associamos de imediato
a imagem de uma biblioteca;
a Vinicius de Moraes, a de um bar;
a Quintana, a de uma redação
–- e, claro, a das ruas de Porto Alegre,
a das andanças sem rumo,
na caça de esquinas e entardeceres.
Morou em infinitas pensões e hotéis.
Dizia que nele havia um anjo e um demônio
e que, ao contrário do que se podia pensar,
não brigavam entre si, conviviam.
Na verdade havia ainda um terceiro elemento,
o misterioso Mister Wong, aquele que num concerto
-– enquanto o doutor Jekyll ouvia compenetrado a música
e Mister Hyde arriscava “um olho e a alma”
nos seios das mulheres -–
descansadamente contava os carecas da platéia.
Mario Quintana morreu em 5 de maio de 1994.
Seu enterro teve o aparato oficial esperável,
com as lágrimas e as declarações de sempre.
Mas teve festa também.
Quintana manteve a compostura até o fim.
(texto de Ernani Só)
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