Tuesday, May 2, 2017

POEMINHA EM LOUVOR AO STRIP-TEASE SECULAR (um poema de MILLÔR FERNANDES)



Eu sou do tempo em que a mulher
Mostrar o tornozelo
Era um apelo!
Depois, já rapazinho, vi as primeiras pernas
De mulher
Sem saia;
Mas foi na praia!

A moda avança

A saia sobe mais
Mostra os joelhos Infernais!

As fazendas

Com os anos
Se fazem mais leves
E surgem figurinhas
Em roupas transparentes
Pelas ruas:
Quase nuas.
E a mania do esporte
Trouxe o short.
O short amigo
Que trouxe consigo
O maiô de duas peças.
E logo, de audácia em audácia,
A natureza ganhando terreno
Sugeriu o biquíni,
O maiô de pequeno ficando mais pequeno
Não se sabendo mais
Até onde um corpo branco
Pode ficar moreno.

Deus,

A graça é imerecida,
Mas dai-me ainda
Uns aninhos de vida!






Na sua estréia na revista Veja,
em 1968, Millôr apresentou-se
com o texto a seguir:
SUPERMERCADO MILLÔR ANO I - Nº1
(Autobiografia de mim mesmo
à maneira de mim próprio)
"E lá vou eu de novo, sem freio nem pára-quedas. Saiam da frente, ou debaixo que, se não estou radioativo, muito menos estou radiopassivo. Quando me sentei para escrever vinha tão cheio de idéias que só me saíam gêmeas, as palavras -- reco-reco, tatibitate, ronronar, coré-coré, tom-tom, rema-rema, tintim-por-tintim. Fui obrigado a tomar uma pílula anticoncepcional. Agora estou bem, já não dói nada.
Quem é que sou eu? Ah, que posso dizer? Como me espanta! Já não fazem Millôres como antigamente! Nasci pequeno e cresci aos poucos. Primeiro me fizeram os meios e, depois, as pontas. Só muito tarde cheguei aos extremos. Cabeça, tronco e membros, eis tudo. E não me revolto. Fiz três revoluções, todas perdidas. A primeira contra Deus, e ele me venceu com um sórdido milagre. A segunda com o destino, e ele me bateu, deixando-me só com seu pior enredo. A terceira contra mim mesmo, e a mim me consumi, e vim parar aqui. ... Dou um boi pra não entrar numa briga. Dou uma boiada pra sair dela. ...Aos quinze (anos) já era famoso em várias partes do mundo, todas elas no Brasil. Venho, em linha reta, de espanhóis e italianos. Dos espanhóis herdei a natural tentação do bravado, que já me levou a procurar colorir a vida com outras cores: céu feito de conhas de metal roxo e abóbora, mar todo vermelho, e mulheres azuis, verdes ciclames. Dos italianos que, tradicionalmente, dão para engraxates ou artistas, eu consegui conciliar as duas qualidades, emprestando um brilho novo ao humor nativo. Posso dizer que todo o País já riu de mim, embora poucos tenham rido do que é meu. Sou um crente, pois creio firmemente na descrença.
...Creio que a terra é chata. Procuro não sê-lo. ...Tudo o que não sei sempre ignorei sozinho. Nunca ninguém me ensinou a pensar, a escrever ou a desenhar, coisa que se percebe facilmente, examinando qualquer dos meus trabalhos. A esta altura da vida, além de descendente e vivo, sou, também, antepassado. É bem verdade que, como Adão e Eva, depois de comerem a maçã, não registraram a idéia, daí em diante qualquer imbecil se achou no direito de fazer o mesmo. Só posso dizer, em abono meu, que ao repetir o Senhor, eu me empreguei a fundo. Em suma: um humorista nato. Muita gente, eu sei, preferiria que eu fosse um humorista morto, mas isso virá a seu tempo. Eles não perdem por esperar." Há pouco tempo um jornal publicou que Millôr estava todo cheio de si por ter recebido, em sua casa, uma carta de um leitor que estava assim sobrescritada: "Millôr Ipanema" É a glória!


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