por Chico Marques
Tive meu primeiro contato com a obra de Ítalo Calvino no início dos Anos 80, quando adquiri num Sebo em Brasília três romances que faziam parte de uma trilogia -- O Visconde Partido ao Meio (1952), O Barão nas Árvores (1957) e o Cavaleiro Inexistente (1959) -- editada pela Editora Expressão & Cultura em 1971. Li "O Visconde...", não gostei, e encostei os outros dois na estante.
Pouco tempo depois, vi exposto numa livraria um novo livro de Calvino com um título enigmático, "Se Um Viajante Numa Noite de Inverno", numa bela edição da Editora Nova Fronteira. Li o primeiro capítulo em pé na livraria. Não demorei a perceber estar diante de autor completamente diferente do que escreveu "O Visconde...". Me pegou de jeito. Levei para casa. Fiquei fascinado com aquela narrativa circular, que sempre voltava ao ponto de partida sob uma ótica diferente, e nunca deslanchava pra valer, pois preferia mergulhar dentro de si própria. Li diversas vezes, presenteei vários amigos com exemplares dele, e concordei ipsis litteris com um ensaio já clássico de Susan Sontag sobre o livro, que também a fascinou.
Em seguida, li "A Especulação Imobiliária", lançado aqui também pela Nova Fronteira, muito divertido, mas bem menos aventuresco que "Se Um Viajante...".
E então um bom tempo se passou até que novos livros de Calvino fossem traduzidos para o português.
Mas quando finalmente chegaram por aqui, em belas edições da Companhia das Letras, foi uma verdadeira enxurrada literária. E então, o leitor brasileiro finalmente teve acesso a praticamente tudo o que Calvino escreveu. Alguns desses livros -- em particular "Fábulas Italianas" e "As Cidades Invisíveis" -- até viraram best-sellers.
Assim como seu grande mestre Jorge Luis Borges, Ítalo Calvino foi um artesão das ilusões. Deixou um legado que vai muito além da delicadeza que marca suas obras. Sua literatura revela ao leitor a maneira como foi feita, assim como sua natureza mágica, lúdica, e não esconde os truques utilizados pelo autor. Trata-se de uma literatura sincera, delicada e extremamente ágil -- que foi, apesar das muitas mudanças na carreira e nas escolhas literárias, um grande humanista, mantendo sempre uma postura ética e generosa ao longo de sua carreira.
Calvino morreu de hemorragia cerebral em Siena, Itália, em 19 de setembro de 1985. Sua obra, no entanto, permanece mais viva do que nunca. É, sem sombra de dúvidas, um dos grandes autores de nosso tempo.
Declarou certa vez numa entrevista que escrever um texto "é um ato que deve obedecer a certas regras ou transgredí-las deliberadamente, mas sem jamais abrir mão do aspecto lúdico e do humor, pois são ambos metodologicamente necessários, já que colocam tudo em discussão, até mesmo o que se acabou de dizer."
A receita é bastante clara. Conseguir colocá-la em prática com resultados práticos satisfatórios, aí já é privilégio de poucos afortunados.
Pois ao longo dos 35 anos em que se manteve ativo com escritor, Ítalo Calvino foi certamente um desses.
AS CIDADES INVISÍVEIS
Tive meu primeiro contato com a obra de Ítalo Calvino no início dos Anos 80, quando adquiri num Sebo em Brasília três romances que faziam parte de uma trilogia -- O Visconde Partido ao Meio (1952), O Barão nas Árvores (1957) e o Cavaleiro Inexistente (1959) -- editada pela Editora Expressão & Cultura em 1971. Li "O Visconde...", não gostei, e encostei os outros dois na estante.
Pouco tempo depois, vi exposto numa livraria um novo livro de Calvino com um título enigmático, "Se Um Viajante Numa Noite de Inverno", numa bela edição da Editora Nova Fronteira. Li o primeiro capítulo em pé na livraria. Não demorei a perceber estar diante de autor completamente diferente do que escreveu "O Visconde...". Me pegou de jeito. Levei para casa. Fiquei fascinado com aquela narrativa circular, que sempre voltava ao ponto de partida sob uma ótica diferente, e nunca deslanchava pra valer, pois preferia mergulhar dentro de si própria. Li diversas vezes, presenteei vários amigos com exemplares dele, e concordei ipsis litteris com um ensaio já clássico de Susan Sontag sobre o livro, que também a fascinou.
Em seguida, li "A Especulação Imobiliária", lançado aqui também pela Nova Fronteira, muito divertido, mas bem menos aventuresco que "Se Um Viajante...".
E então um bom tempo se passou até que novos livros de Calvino fossem traduzidos para o português.
Mas quando finalmente chegaram por aqui, em belas edições da Companhia das Letras, foi uma verdadeira enxurrada literária. E então, o leitor brasileiro finalmente teve acesso a praticamente tudo o que Calvino escreveu. Alguns desses livros -- em particular "Fábulas Italianas" e "As Cidades Invisíveis" -- até viraram best-sellers.
"As Cidades Invisíveis" é considerado por muitos críticos (inclusive pelo próprio Calvino) uma reflexão aprofundada da criação literária, uma espécie de mini-tratado da Literatura. Editado originalmente na Itália em 1972, acaba de ser relançado no Brasil pela Companhia das Letras com a mesma tradução primorosa de Diogo Mainardi, mas acrescido de ilustrações belíssimas de Matteo Pericoli. É composto de pequenos textos, que descrevem cidades relatadas pelo mercador de Veneza, Marco Polo, ao Imperador Kublai Khan, numa clara alusão às "1001 Noites". Cada cidade recebe um nome de uma Mulher, e cada cidade leva o leitor a mundos que se constituem através dos sentidos -- audição, odor, paladar, etc --, e cada texto traz uma revelação que remete a mundos utópicos que só ficam visíveis quando mergulhamos em seus menores detalhes. Por conta disso, virou objeto de investigação de semiólogos em geral e, além dos amantes da literatura, virou leitura obrigatória entre arquitetos e estudantes de arquitetura, o que expandiu consideravelmente seu espectro tanto como obra literária quanto como produto editorial.
Assim como seu grande mestre Jorge Luis Borges, Ítalo Calvino foi um artesão das ilusões. Deixou um legado que vai muito além da delicadeza que marca suas obras. Sua literatura revela ao leitor a maneira como foi feita, assim como sua natureza mágica, lúdica, e não esconde os truques utilizados pelo autor. Trata-se de uma literatura sincera, delicada e extremamente ágil -- que foi, apesar das muitas mudanças na carreira e nas escolhas literárias, um grande humanista, mantendo sempre uma postura ética e generosa ao longo de sua carreira.
Calvino morreu de hemorragia cerebral em Siena, Itália, em 19 de setembro de 1985. Sua obra, no entanto, permanece mais viva do que nunca. É, sem sombra de dúvidas, um dos grandes autores de nosso tempo.
Declarou certa vez numa entrevista que escrever um texto "é um ato que deve obedecer a certas regras ou transgredí-las deliberadamente, mas sem jamais abrir mão do aspecto lúdico e do humor, pois são ambos metodologicamente necessários, já que colocam tudo em discussão, até mesmo o que se acabou de dizer."
A receita é bastante clara. Conseguir colocá-la em prática com resultados práticos satisfatórios, aí já é privilégio de poucos afortunados.
Pois ao longo dos 35 anos em que se manteve ativo com escritor, Ítalo Calvino foi certamente um desses.
AS CIDADES INVISÍVEIS
Ítalo Calvino
Cia das Letras
192 Páginas
Preço:
R$51,94
R$51,94
Chico Marques devora livros
desde que se conhece por gente.
Estudou Literatura Inglesa
na Universidade de Brasília
e leu com muito prazer
uma quantidade considerável
de volumes da espetacular
Biblioteca da UnB.
Vive em Santos SP, onde,
entre outros afazeres,
edita a revista cultural
LEVA UM CASAQUINHO
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