Monday, February 2, 2015

"GRANDES OLHOS" TRAZ UM TIM BURTON BEM MAIS DISCRETO


por Carlos Cirne 
publicado originariamente na newsletter Colunas & Notas

A história de “Grandes Olhos”, tão absurda quanto verdadeira, é muito simples e, ao mesmo tempo, muito fácil de se tomar partido: em 1958, a pintora “amadora” Margaret Ulbricht (Amy Adams), depois de abandonar o marido abusivo e fugir com a filha pequena para San Francisco - numa época em que a mulher “separada” não era em absoluto bem vista - procura emprego como desenhista e pintora para poder sobreviver e, nos finais de semana expõe, numa feirinha de artesanato de bairro, seus retratos de crianças, invariavelmente tristes e/ou desamparadas, com enormes e expressivos olhos. Ali chama a atenção de Walter Keane, também pintor “amador”, mas com veleidades a grande artista, que pinta imagens de ruas de Paris, onde afirma ter vivido e estudado.

Tendo cada vez mais dificuldade em comercializar suas pinturas, Walter consegue montar uma exposição em um clube de jazz, onde expõe seus trabalhos e os de Margaret. Acontece que ela está assinando Keane, como ele, uma vez que se casaram e ela adotou o nome. E sua pintura começa a gerar interesse e ele, sem o menor pudor, aproveita-se de uma confusão e assume como sua a autoria dos trabalhos. O interesse nas pinturas de crianças tristes com imensos olhos cresce exponencialmente, e Walter mantém Margaret produzindo ininterruptamente, para suprir a demanda, e também para que ela não esteja presente nas exposições, de modo que ele mantenha como sua a autoria dos quadros.


Vivendo quase em cárcere privado (e escondendo da própria filha a situação de “refém” produtivo do marido), Margaret vai aos poucos ficando amarga e desiludida, apesar de cada vez mais rica. Walter percebe inclusive que, para atingir compradores mais humildes, que não poderiam adquirir obras originais, deveria ser organizada uma produção em larga escala de reproduções autorizadas (pôsteres). E, com efeito, as vendas atingem a estratosfera. Lógico que a situação não se sustenta por muito tempo e, menos de 10 anos depois, estão para lá de estremecidos, e Margaret precisa fugir novamente. E lutar para comprovar a autoria dos quadros, de venda milionária.


Não incorrendo em nenhum juízo de valores, o ponto fraco do filme ocorre principalmente na escolha dos protagonistas. É impossível não acreditar em Amy Adams, mesmo que ela nos diga que a Lua é feita de queijo. Pediremos um pedaço, certamente. Parafraseando um amigo, a “nova Debbie Reynolds” é capaz de nos convencer de praticamente qualquer coisa. E a escolha de Christoph Waltz para viver Keane já o torna automaticamente culpado. Waltz é excelente no que faz, porém está cada vez mais difícil esquecer-se de sua performance em “Bastardos Inglórios”, que vem se tornando sua marca registrada. Sabemos sempre que aquela simpatia toda não pode ser sincera.


Quanto à direção de Tim Burton, talvez a mais discreta em muitos anos, encarrega-se muito bem da narrativo, sem preciosismos formais, exagerando apenas nas cenas de tribunal, com uma desnecessária câmera grande angular distorcendo algumas pessoas. Não precisava. (SPOILER) Em compensação, a cena de Margaret percorrendo o supermercado, cercada de “big eyes”, é deslumbrante. Perfeita.

Uma curiosidade: a verdadeira Margaret Keane aparece rapidamente em uma cena onde os dois estão pintando num parque em San Francisco; ela está num banco do parque com um livro nas mãos. Além, é claro, de aparecer em fotografias no final do filme, ao lado de Amy Adams.

Não deixe de ver. Pode não estar na corrida do Oscar, mas é um filme interessantíssimo e sub-apreciado.


GRANDES OLHOS
(Big Eyes - 2014 - EUA / Canadá - 106’)

Direção: Tim Burton

Com: Amy Adams, Christoph Waltz, Krysten Ritter, Jason Schwartzman, Danny Huston e Terence Stamp, entre outros. 

Distribuição: Paris Filmes
Em cartaz no CinEspaço Shopping Miramar e no Roxy Iporanga 4





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