Tuesday, August 2, 2016

"MEU FUSCA": UMA BOFETADA DO PASSADO DE LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO



Se entendi bem, carros movidos a diesel da Volkswagen eram equipados com um computador mentiroso. Quando o carro era testado para se saber se estava poluindo o ar ou não o computador dizia “Nein!”, até com um certo tom de ultrajado.

Usados normalmente, longe da inspeção, os carros envenenavam o ambiente à vontade, abençoados pelo computador. Que, além de salafrário, era inteligente. Sabia quando era teste, e ele deveria mentir, e quando não era. Não me pergunte como.

Que mundo é este, em que não se pode confiar mais nem na engenharia alemã? Me lembrei, com carinho, do meu primeiro carro, um Fusca cor de chocolate. Podia-se dizer tudo sobre o Fusca — um dos seus apelidos era Cascudo Maldito — menos que não fosse honesto.

Ele era desprovido de qualquer ornamento supérfluo, o que significava que custava pouco. Havia algo de sério e confiável na sua simplicidade, e era fácil mantê-lo e estacioná-lo. E ele nos serviu com segurança durante muito tempo.

Uma vez fomos de Fusca de Porto Alegre ao Rio, com as duas meninas pequenas e a Lucia grávida. O único percalço no caminho não foi culpa dele, foi minha. Calculei mal, e a gasolina acabou no meio da estrada, a poucos quilômetros de Lajes, em Santa Catarina.

Tive que ir a pé procurar um posto, no escuro. Quando voltei para o carro com um balde de gasolina ele, sempre amigo, não fez nenhum comentário sobre minha falha.

Aventura mesmo, nesta e em outras viagens de carro que fizemos ao Rio, era atravessar São Paulo. Naquele tempo a sinalização dentro da cidade era escassa, avançava-se na direção do Centro e — com sorte — um hotel barato confiando na intuição, e na bússola interior que sempre acaba, de um jeito ou de outro, ajudando os desorientados do mundo.

Outro problema era sair do Centro na manhã seguinte e encontrar a saída de São Paulo para o Rio. Também nestes casos nunca me faltou a compreensão do Fusca.

Estou falando do Fusca porque, de certa forma, ele simbolizou uma reconciliação mundial com a Volkswagen, cujo passado não a recomendava. O cascudo simpático desculpava a sua participação na máquina de guerra nazista, e o sucesso das suas outras marcas significou o perdão pela sua cumplicidade no terror e o reconhecimento da sua competência.

Agora a Volkswagen está tendo que pedir desculpas de novo. Quanto ao nosso Fusca cor de chocolate, tenho certeza que ele nunca aceitaria fazer parte da fraude.

nasceu em Porto Alegre RS
em 26 de Setembro de 1935.
É um escritor, humorista, cartunista,
tradutor, roteirista de televisão,
autor de teatro e romancista bissexto.
Já foi publicitário e revisor de jornal.
É também saxofonista, e dos bons.
Conseguiu ser mais famoso que seu pai,

o grande romancista Érico Veríssimo.
 


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