Friday, November 24, 2017

CAFÉ & BOM DIA #81 (por Carlos Eduardo Brizolinha)



Foi nesta quinta, no começo da tarde.

Nosso querido amigo e colunista Carlos Eduardo Motta, o Brizolinha, chegou em casa, almoçou, disse para sua mãe que não estava se sentindo bem e que não iria sair para trabalhar, então deitou-se na cama para um repouso breve e... dormiu.


Nós aqui em Santos SP perdemos um intelectual gentil e uma figura humana admirável, dono de uma erudição e de um ecletismo à toda prova, sempre acessível a todos os que paravam para conversar em sua banca de livros usados na Rua Bahia -- uma espécie de farol num Gonzaga cada vez mais árido em termos intelectuais, que vai fazer uma falta imensa para todos os que por ela (e por ele) passavam diariamente.

LEVA UM CASAQUINHO se orgulha de ter, de alguma maneira, ajudado a amplificar o alcance dos textos espirituosos e das pensatas sagazes de Carlos Eduardo Brizolinha publicados diariamente no Facebook ao longo dos últimos 25 meses -- que republicávamos num formato de digest semanal com o nome CAFÉ & BOM DIA, e que, a julgar pela quantidade de visitações conferida pelo Blogger, se tornou leitura obrigatória para muita gente nos finais de semana em nossas webpáginas.


Nos seus três textos derradeiros, que publicamos hoje, Brizolinha está abaladíssimo com a morte de seu grande amigo cartunista Argemiro Antunes, o Miro, ocorrida na última segunda dia 20 de Novembro. Seu texto final, de tão amargo, parece até premonitório, pois é quase uma despedida da vida. Muito triste. Muito denso. E muito, muito bonito.


Abrimos esta postagem final de CAFÉ & BOM DIA com um texto que Brizolinha gostava muito, escrito por Ruy Castro dois anos atrás. Com o qual ele não só concordava ipsis litteris como assinaria embaixo se necessário. Torço para que nosso doce príncipe guardião dos livros antigos esteja agora vasculhando um Grande Sebo em alguma outra dimensão e já separando um monte de volumes para ler e reler pela eternidade afora.


Obrigado por tudo. Adeus. E boa leitura, meu bom amigo.

(Chico Marques, editor de LEVA UM CASAQUINHO)



Quando morrer, não quero ir para o céu. Quero ir para um Sebo. Já escrevi isto algumas vezes, e é o que sempre escrevo  quando, em visita a algum Sebo, o livreiro me pede que deixe uma mensagem para seus clientes. Nesse caso, ao invés de generalizar, cito logo o nome do Sebo. Não é demagogia da minha parte. Nunca entrei em algum Sebo em que, com tempo para explorá-lo, não achasse algo interessante. Isso incluí os livros humildemente expostos  nas calçadas, sobre uma folha de jornal. Numa calçada da Cinelândia, há 20 anos, encontrei "Poesias Reunidas" de Oswald de Andrade, numa edição de 1945, com dedicatória do autor para Vinícius de Moraes datada de 1946. Fico imaginando o trajeto do livro, da mesa do autor que o autografa até, 50 anos depois, um pedaço de chão em outra cidade, e o que aconteceu no entrementes. Preço do livro no chão: RS 1,00. Metade dos livros que juntei pela vida devem ter vindo de Sebos. Não por serem mais baratos, mas por serem velhos mesmo. Gosto de livros antigos porque são bonitos, e a ideia de que pertenceram a alguém antes de mim -- alguém que talvez já tenha morrido -- me faz sentir como se estivesse concedendo uma espécie de sobrevida a esses livros. Para mim, um "livro antigo" é qualquer um de 1960 para trás. Por aí já se vê que não sou um colecionador sério, do tipo que disputa Bíblias de Guttenberg nos leilões das Christie's da vida. Umas das minhas maiores emoções foi encontrar num Sebo os cinco volumes de Charlie Chan, dos Anos 50, pela querida Vecchi. Até hoje, quando fico na dúvida se vale ou não a pena continuar escrevendo, vou até a estante, pego alguns livros de Charlie Chan com aquelas capas carregadas de tons vermelhos e amarelos -- "Atrás da Cortina", "O Papagaio Chinês", "O Camelo Preto" --, e concluo que vale, sim.
(Ruy Castro, FSP, 21/09/2015)



Há um silêncio cortante na minha alma. Não brota uma palavra sequer para descrever o tamanho da dor. É inesquecível , digo sempre foi e sempre será meu primeiro encontro com Argemiro Antunes. Pois então, saíamos da Cinemateca de Santos e fomos caminhando e lembrando de filmes. diretores, roteiristas, atrizes e atores, eramos vizinhos na ocasião. Destes primeiro dia até pouco antes do último não houve tema desprezado, falamos de pintores, cartunistas, músicos, politica, futebol. trilhas sonoras, programas de rádio, de Santos anos 50 e 60. Não ficaram de fora bares, mostras artísticas, sindicalistas e o mundo bestial que vivemos. A vértice das nossas conversas sempre foi cinema e inúmeras vezes o encontro das águas com minha mãe, outra apaixonada por cinema. Todas as vezes que Miro esteve em casa nunca saiu sem meia duzia de filmes. Sempre considerei estarem melhor com ele. O último encontro registrei o abatimento de alguém que embora ranzinza não perdia o humor, não vacilava com a visão crítica, senti Miro amargurado. Obviamente não foi dos dias mais alegres. O fato é que a soma de todos os encontros são feitos de momentos mágicos ilustrados por uma vigorosa produção artística, diga-se reconhecida e embora essa lágrima seca que arde na minha alma me faça baixar os olhos, exalto minha gratidão de poder dividir muitos momentos.



Um dia você aprende…

Depois de algum tempo você aprende a diferença, a sutil diferença entre dar a mão e acorrentar uma alma. E você aprende que amar não significa apoiar-se, e que companhia nem sempre significa segurança ou proximidade. E começa aprender que beijos não são contratos, tampouco promessas de amor eterno. Começa a aceitar suas derrotas com a cabeça erguida e olhos radiantes, com a graça de um adulto – e não com a tristeza de uma criança. E aprende a construir todas as suas estradas no hoje, pois o terreno do amanhã é incerto demais para os planos, ao passo que o futuro tem o costume de cair em meio ao vão.

Depois de um tempo você aprende que o sol pode queimar se ficarmos expostos a ele durante muito tempo. E aprende que não importa o quanto você se importe: algumas pessoas simplesmente não se importam… E aceita que não importa o quão boa seja uma pessoa, ela vai ferí-lo de vez em quando e, por isto, você precisa estar sempre disposto a pedoá-la. Aprende que falar pode aliviar dores emocionais.

Descobre que se leva um certo tempo para construir confiança e apenas alguns segundos para destruí-la; e que você, em um instante, pode fazer coisas das quais se arrependerá para o resto da vida. Aprende que verdadeiras amizades continuam a crescer mesmo a longas distâncias, e que, de fato, os bons e verdadeiros amigos foram a nossa própria família que nos permitiu conhecer.

Aprende que não temos que mudar de amigos: se compreendermos que os amigos mudam (assim como você), perceberá que seu melhor amigo e você podem fazer qualquer coisa, ou até coisa alguma, tendo, assim mesmo, bons momentos juntos. Descobre que as pessoas com quem você mais se importa na vida são tomadas de você muito cedo, ou muito depressa. Por isso, sempre devemos deixar as pessoas que verdadeiramente amamos com palavras brandas, amorosas, pois cada instante que passa carrega a possibilidade de ser a última vez que as veremos; aprende que as circunstâncias e os ambientes possuem influência sobre nós, mas somente nós somos responsáveis por nós mesmos; começa a compreender que não se deve comparar-se com os outros, mas com o melhor que se pode ser. Descobre que se leva muito tempo para se tornar a pessoa que se deseja tornar, e que o tempo é curto. Aprende que não importa até o ponto onde já chegamos, mas para onde estamos, de fato, indo – mas, se você não sabe para onde está indo, qualquer lugar servirá. Aprende que: ou você controla seus atos e temperamento, ou acabará escravo de si mesmo, pois eles acabarão por controlá-lo; e que ser flexível não significa ser fraco ou não ter personalidade, pois não importa o quão delicada ou frágil seja uma situação, sempre existem dois lados a serem considerados, ou analisados.

Aprende que heróis são pessoas que foram suficientemente corajosas para fazer o que era necessário fazer, enfrentando as conseqüências de seus atos. Aprende que paciência requer muita persistência e prática. Descobre que, algumas vezes, a pessoa que você espera que o chute quando você cai, poderá ser uma das poucas que o ajudará a levantar-se. (…) Aprende que não importa em quantos pedaços o seu coração foi partido: simplesmente o mundo não irá parar para que você possa consertá-lo.

Aprende que o tempo não é algo que possa voltar atrás. Portanto, plante você mesmo seu jardim e decore sua alma – ao invés de esperar eternamente que alguém lhe traga flores. E você aprende que, realmente, tudo pode suportar; que realmente é forte e que pode ir muito mais longe – mesmo após ter pensado não ser capaz. E que realmente a vida tem seu valor, e, você, o seu próprio e inquestionável valor perante a vida. A literatura é meu suporte e é onde encontro palavras para entender a vida.

NÃO TÃO BOM DIA E COPO VAZIO.



Bem, amanhece quarta feira e meus olhos não alcançam o horizonte. Há silêncio no salão do meu interior, mantenho trancadas todas portas assim como as janelas fechadas. A falta de luz não me permite ver os florais decorando as paredes, posso apenas imaginar flores curvadas, solitárias solidárias em vestes monocromáticas. Deito dentro de mim como sentinela do meu próprio corpo para ver um caminho sem pedras, sem marcas no chão. Não há presente tecendo passado pois dentro de mim não existe face e nada para explicar. Vazam sons pelas poucas frestas , vindos de pássaros, seus cantos quebram o silencio sepulcral numa sinfonia onde repetem exaustivamente um fraseado - é inexorável, inexorável é.

QUARTA FEIRA, XÍCARA VAZIA



Carlos Eduardo "Brizolinha" Motta
foi poeta e proprietário
da banca de livros usados
mais charmosa da cidade de Santos,
situada à Rua Bahia sem número,
quase esquina com Avenida Mal. Deodoro,
bebia diversas xícaras de café orgânico
ao longo de seu dia de trabalho.





1 comment:

  1. Acordo devedor comigo mesmo por não ter lido a elegância das palavras que me chegam tardiamente pela Santos de rituais de encontros com pessoas e personagens afiadas de sensibilidade e que deixam de nos surpreender em possíveis encontros imprevisíveis como quem tropeça no lugar certo e no tempo certo. Os que se foram nos surpreendem então em moradia certa nos corações e mentes, exatamente nesta ordem. O céu está cinzento ainda mas no meu peito ecoam sons e imagens que me decodifico como bem entendo em luz e cores temperados por um imortal sorriso maroto. Adeus aos meus amigos que não estão mais. Fiquem perto de mim por favor.

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