Thursday, November 23, 2017

NA TOMADA (uma crônica de Marcelo Rayel Correggiari)



Qualquer estabelecimento comercial, como uma modesta Mercearia, precisa ter tomadas ao redor.

Com mil perdões ao trocadilho infame e fora de hora, tomadas são precisas, necessitadas, muita eletricidade: não dá para ficar a maior parte do tempo morcegando com o que é dito, o não-dito, o que cada um acha & Cia. Ltda.

Nessa véspera de Sexta-Feira Santa, tremendo feriado à vista, cabe reconsiderar certos rumos que são bons de não serem tomados. É difícil dizer o que está certo ou errado (quem somos nós para isso!) quando nos encontramos naquelas sinucas-de-bico com os bolsos completamente vazios.

Uma coisa é certa: não interferindo seriamente na vida de mais alguém (coisa rara de se encontrar nos dias de hoje!), de repente, cabe a tentativa.


A presença dos famigerados livros eletrônicos (ou ‘e-books’, como queiram) é uma alternativa quando se vive num lugar que se esmera em repetir crises e círculos viciosos. Com as vidas profissionais sendo brutalmente afetadas da forma como vem ocorrendo, e seu reflexo mais indigno com o sumiço do dinheiro, as opções por tornar público o produzido acabam sofrendo forte contemplação (no mínimo!).

Como nem tudo são flores, a boa e velha crítica sofrida pelos e-books: as limitações em torno do design gráfico onde a ‘via papel’ é amplamente mais flexível e vantajosa. A questão não estaria diretamente ligada à formatação do documento original, mas como esse documento será lido pelas leitoras de livros eletrônicos (os famosos ‘e-book readers’).


Cada empresa possui o seu representante: o Kindle é Amazon, o Kobo (no Brasil) foi de Livraria Cultura, a Saraiva possui o Lev, o Nook é da Barnes & Nobles. Seus aplicativos podem ser baixados em celular e tablet, além da leitura no próprio computador, algo não muito recomendado por oftalmologistas.

Os mais jovens no país encontram nessas leitoras a praticidade de carregar uma biblioteca gigantesca para todos os lugares e sem prejudicar as vistas. ‘Hubports’ como o Wattpad e o brasileiro Skoob indicam a quantidade de aficcionados(as), apaixonados(as) por livro e leitura, tudo isso por via de sites e da própria web.

Nada substitui o livro “de papel”?! Essa empírica Mercearia que o diga...! Contudo, os mais jovens não estão nem aí “’pra’ hora do Brasil” e capricham nas aquisições de leitoras e títulos. Em que pese os mais antigos não curtirem muito as predileções e inclinações literárias dos mais novos, o ‘trem’ parece que chegou para ficar.


Ainda na linha ‘do contra’, a formatação para a extensão *.epub (modelo de arquivo utilizado para as leitoras de livros eletrônicos) possui seríssimas limitações. A começar pelo tipo de fonte utilizado no texto original para a conversão de um arquivo final em *.pdf (ou mesmo *.docx, o do Word) para *.epub: nada de grandes variações ou inventices. Times New Roman e Garamond para se evitar maiores desapontamentos. Aliás, é uma das primeiras recomendações encontradas na maioria dos manuais das principais editoras de livros eletrônicos.

Outra desvantagem é a presença de imagens. Elas são possíveis, sem problema algum, mas cada leitora as interpreta de um jeito e, logo, a exibição pode sofrer alguma restrição, algo bem diferente se a via de leitura for o papel. Isso acontece porque o princípio dos e-books são o ‘texto corrido’ de tal forma que as leitoras permitam a(o) cliente todos os ajustes nelas contidos para maior conforto do tamanho e tipo de fonte, tela de fundo, forma de transição e manuseio, importação e exportação, entre outros.

Por conta desse princípio, essas restrições também valem para coisas bem simples como o uso do itálico no texto. Os *.epubs são quase nada amigáveis para algumas pirotecnias em torno de certos floreios muito comuns quando a obra é tornada pública em livros de papel. Assim, o editor (ou escritor) de um e-book terá de se municiar de certa paciência e criatividade para se comunicar bem com sua ‘mancha-de-texto’.

Um outro debate que surge com o advento do livro eletrônico é a relevância do que vai a público. A maioria das livrarias e casas editoriais (como a Saraiva, no Brasil, e a Barnes & Nobles, nos EUA) transformou seus espaços virtuais no mesmo modelo e princípio dos ‘blogs’: são pontos de armazenagem de texto, com a diferença de que o(a) cliente precisa pagar para acessar o conteúdo da obra (ou do que foi escrito).

A antiga modalidade de um manuscrito passar por um conselho editorial (ou por um(a) editor(a)) foi substituída pelos “primeiros(as) leitores(as)” (ou “leitores(as) críticos(as)”), pessoal com formação em Letras que são pagos(as) para oferecer ‘corpo literário’ a uma determinada obra. Se as editoras não contratam egressos desse curso para tal tarefa, escritores(as) e agentes literários fazem esse “by-pass” principalmente se tiverem em mente o propósito de dialogarem diretamente com o público leitor sem filtros ou intermediações de quaisquer ‘cabeças coroadas’.


A base de dados (obras literárias à venda) na Amazon deve alcançar em breve a casa do seu primeiro bilhão de participantes. Boa parte do que lá está hospedado vem, por exemplo, de agências de publicidade e ‘inbound marketing’ das grandes corporações que buscam, pelo ‘marketing de conteúdo’, gerar um conceito em torno do produto. Não é preciso ser algum “bidu” para saber que um(a) romancista, nesse sítio, estará ombro-a-ombro com uma gigantesca presença de “obras” que nada têm a ver com prosa de ficção.

Nesse caso, a situação do(a) leitor(a), do(a) usuário(a), fica esquisita, pois caberá a ele(a) sacar qual livro melhor lhe praz. Por outro lado, algo impensável em tempos atrás: optar exatamente por aquilo que lhe praz sem ficar confinado(a) a um escopo estabelecido, às vezes, por gente que não é do ramo.

O mesmo serve para os(as) escritores(as): depender dessas ‘mediações’ implica em ficar cada vez mais longe de tornar público (publicar) uma obra que amarelece numa gaveta (o que, em certo grau, norteia as ações de selos literários independentes como o Costelas Felinas, por exemplo). Autores(as) com quase nada nos cofres hoje têm a possibilidade de, pelo menos, colocar seu trabalho na praça.

Logo, recairíamos na boa e velha questão da “qualidade (e relevância) da obra literária”. É uma discussão longa... mas a oportunidade de ter o público leitor como um dos componentes na movimentação (e alento!) para autores(as) estreantes é algo que não pode ser menosprezado.

Bravíssimo(a) freguês(a), “... the time is now!”. Se o(a) freguês(a) seleciona os melhores ‘hortifrútis’ toda vez que aparece nessa agrícola Mercearia, por que não ouvi-lo(a) na hora de escolher um passatempo de leitura?! Fiquem em paz: o livro de papel está aí e as formas de subvencioná-lo (através de instrumentos de fomento) nunca estiveram tão em voga.

Contudo, barato para o(a) escritor(a) e bem em conta para o(a) leitor(a): os livros eletrônicos estão aí! Só precisam de uma tomada por perto.


Marcelo Rayel Correggiari
nasceu em Santos há 48 anos
e vive na mítica Vila Belmiro.
Formado em Letras,
leciona Inglês para sobreviver,
mas vive mesmo é de escrever e traduzir.
É avesso a hermetismos
e herméticos em geral,
e escreve semanalmente em
LEVA UM CASAQUINHO



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