Thursday, September 22, 2016

2 OPINIÕES SOBRE "MATE-ME POR FAVOR", UMA INUSITADA CO-PRODUÇÃO BRASIL-ARGENTINA


FILME DE ANITA ROCHA DA SILVEIRA TEM ESTILO,
MAS APENAS ESTILO
por Rodrigo Fonseca
para Omelete


Perdido em seu exibicionismo formal, Mate-Me Por Favor dá um mergulho em fórmulas de terror anos 1980, mas se afoga nas profundezas do pop, pela ausência de um projeto estético capaz de nortear sua investigação. Vindo da mostra Horizontes do Festival de Veneza com um prêmio coletivo para suas atrizes, o longa-metragem de Anita Rocha da Silveira chegou à sua primeira exibição no Brasil bem referendado pelo gosto europeu - que pode ser explicado pelo frescor (e empenho) de seu elenco feminino de feições adolescentes. Porém, a esterilidade logo se espalha pela tela e reduz a tentativa da cineasta de ir além das cartilhas de gênero - e radiografar a fauna classe média da Barra da Tijuca - a algo que parece uma mistura de Meninas Malvadas com Mulholland Dr., como se David Lynch refilmasse o clássico teen com Lindsay Lohan.

Há uma exuberância plástica indiscutível em sua direção de arte, de uma organicidade plena com o universo rastreado pela cineasta. Em igual medida, a engenharia de som do filme salta aos ouvidos (e aos demais sentidos) pela maneira como realça o clima de mistério. Mas aí reside a fraqueza central de Mate-me Por Favor: só há clima. Clima sem clímax, sem um recheio à altura do glacê, reduzindo a produção carioca a um excesso de maneirismos e a um desfile de clássicos do funk, que buscam ancorar o longa a uma tradição carioca de um passado recente, sem significar algo mais.

O estopim da trama é a aparição de um corpo num terreno baldio da Barra. O local fica nas cercanias de uma cidadela de condomínios e a uma escola onde os jovens rezam para uma pastora evangélica funkeira - evidência de uma estranheza à moda Lynch que não leva o filme a nenhuma descoberta. Esse corpo (de Lorena Comparato) morre após uma perseguição que abre Mate-me Por Favor de maneira promissora, nas raias do medo e da adrenalina. Mas a tensão para por aí. Em sua sequência, a diretora entra no mundo (e na cabeça) de Bia (Valentina Herszage), estudante de 15 anos que, como outras jovens da região, passa a se alarmar com o crime. E este ganha continuações: outros corpos de moças (e o de um garoto) serão vitimados de igual violência.

Deste momento em diante, Anita vai descortinar os rituais que compõem a rotina de Bia, das coreografias funkeiras de seus amigos aos esportes onde gasta energia, sem deixar de lado seus amassos com um namoradinho refém da palavra de Deus. E tudo isso sem incluir adulto algum, fora um irmão DJ mais velho, João, vivido por Bernardo Marinho, ator de múltiplos recursos e talentos que consegue fazer o filme transcender suas limitações sempre que está em cena. E a limitação maior é a caricatura.

É inteligente (e arriscada) a opção de a diretora excluir quem não represente juventude para mostrar a solidão e o desamparo afetivo desta faixa de vida, o que se traduz no fascínio crescente de Bia pela morte. No tom, o longa se aproxima do cult obrigatório Corrente do Mal (2014), de David Robert Mitchell, por este dispositivo. Porém, a representação do universo da Zona Oeste carioca, com seus extremos sociais e sua aridez geopolítica, faz com que a narrativa tropece em si mesma. Com isso, personagens que prometiam solidez se reduzem a clichês e perde-se a chance de compreender a adolescência contemporânea (sob o prisma feminino) de uma maneira como o cinema brasileiro nunca fez. Sobra estilo. Só. O resto é silêncio.



UMA EXPERIÊNCIA CINEMATOGRÁFICA SURPREENDENTE
por Guilherme Coral
para Plano Crítico

Desilusão e falta de perspectiva marcam o primeiro longa-metragem da diretora Anita Rocha da Silveira, que utiliza jovens estudantes da Barra da Tijuca como seu objeto de estudo. O intimismo, somado a pitadas de experimentalismo preenchem esse quadro de desesperança, no qual, cada vez mais, a vida se torna apenas um dia após o outro. Parte da competição de longa ficção do Festival do Rio 2015, Mate-me Por Favor, apesar de retratar um espaço muito específico, é um filme universal, que muito bem reflete a disposição cada vez mais vigente das novas gerações – um cenário que percorre de um lado ao outro do mundo.

O estopim para os eventos que acompanhamos em tela é a onda de assassinatos que ocorrem no bairro da zona oeste do Rio de Janeiro. A projeção se inicia com uma menina na “night”, marcada por um olhar vazio de quem claramente não sabe seu lugar ali ou até mesmo no mundo. A música que ocupa todo o campo sonoro, então, passa a dar lugar ao som diegético, conforme a garota percebe que está sendo seguida. Seu grito corta a noite conforme é assassinada – grito este que já constitui o primeiro deslize da edição, ao deixá-lo longo demais e criando uma percepção do exagero no espectador.

O que se segue, porém, procede de forma discreta, retratando a gradual e lenta mudança dos alunos do Colégio Barra da Tijuca, focando em Bia (Valentina Herszage, também em seu primeiro longa), que sofrem mudanças em suas próprias essências. É curioso como o roteiro constrói cada pessoa, tornando-a passível de ter realizado os assassinatos em questão – no fundo, a falta de futuro que marca a geração acaba tornando cada um de nós uma espécie de sociopata, perdidos na multidão, solitários mesmo em companhia. A dor passa a ser uma forma de autoafirmação e enxergamos isso claramente pela crescente violência – tanto verbal, quanto física – dos personagens. Chega um ponto da obra que inúmeros alunos contam com ferimentos, olhos roxos, pernas quebradas, refletindo a fragilidade não só de seus corpos, como de sua psique, profundamente abalada pela vigente insegurança.

A escolha de Anita em trabalhar com jovens atores de pouca – ou nenhuma experiência – por vezes se demonstra como uma pedra em seu sapato. Situações dramáticas pecam pelo exagero ou falta de desenvoltura, que quebram o naturalismo de certas situações – a exceção sendo a própria Valentina, que encarna a protagonista com um realismo assustador, dotada de um olhar profundo, frio e analítico que reflete sua gradual perda de humanidade. Felizmente, a fotografia de João Atala minimiza a inexperiência do elenco, tornando a desolação de cada um evidente. O uso da luz desempenha um papel vital na narrativa, com os tons frios, em geral nas cenas abertas, representando o constante declínio do ânimo da protagonista e os quentes ilustrando uma crescente psicose em cada um dos personagens, como uma doença contagiosa. A inconstância emocional dos jovens é trazida de forma tocante para o espectador e o infecta, fazendo com que, no fim, estejamos dotados da mesma falta de perspectiva, abalados pela ausência de um futuro.

O verdadeiro coup de grâce do roteiro de Anita Rocha da Silveira, porém, é a sua própria estrutura narrativa. Aqui, naturalmente, não poderei poupar os spoilers, portanto, quem desejar ter uma experiência virgem do filme, pule para o próximo parágrafo. O texto é construído em cima de um pedaço muito específico da vida desses jovens, retratando a queda psicológica de cada um. O que causa o maior impacto, porém, é justamente a não-resolução dos casos de assassinato, criando na imaginação do espectador a sensação de continuidade daqueles eventos, ao ponto que não sobrará mais nada daqueles estudantes que vimos no início do filme, Anita, desta forma, traz um olhar sobre a morte bastante raro nas artes em geral, como uma força transformadora e implacável.

Mate-me Por Favor é quase uma tese de por que a literatura distópica está tão em alta nos tempos atuais. É um retrato impactante dos jovens que não veem um futuro à sua frente, apenas o vazio do presente. Conta, sim, com alguns deslizes, mas esses facilmente se perdem nas qualidades inegáveis do longa, que deixa a audiência simplesmente desolada e silenciosa ao sair da sala. Uma prova irrefutável do que o cinema brasileiro tem a oferecer.



MATE-ME POR FAVOR
(Brasil/Argentina, 2015, 105 minutos)

Direção e Roteiro
Anita Rocha da Silveira

Elenco
Valentina Herszage
Dora Freind
Mariana Oliveira
Júlia Roliz
Rita Pauls



em cartaz no Cine Roxy Pátio Iporanga



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