Monday, September 19, 2016

TUBARÃO (um conto minimo de Márcio Calafiori)



Seu Chico prende a bicicleta no poste com corrente e cadeado. O bar só abre ao meio-dia. Enquanto esperamos, puxo conversa:

“O senhor não fica cansado de pedalar nesse calor?”

“Cansado? Quem falou?”

“É só uma suposição.”

“Mas por que eu ficaria cansado? Tá me chamando de velho?”

“Não, ao contrário. O senhor parece muito bem para a idade.”

“Que idade?”

“Modo de dizer... Tá vindo da imobiliária?”

“Que imobiliária?”

“O senhor não é dono de uma imobiliária?”

“Quem disse?”

“Ouvi por alto.”

“Eu não tenho imobiliária.”

“Então me disseram errado.”

“Aqui no bar?”

“É.”

“Melhor comprovar o que está dizendo.”

“Pode ser que eu tenha me confundido. Me disseram até que a sua imobiliária fica na Rua Silva Jardim.”

“Na Silva Jardim?”

“É.”

“Eu moro lá, numa casa.”

“Desculpa a confusão.”

“Antigamente — e põe antigamente nisso — eu tinha uma imobiliária na parte da frente da minha casa.”

“Então é isso...”

“...Imobiliária Tubarão.”

“Tubarão? Por causa do filme?”

“Que filme? Tubarão era o meu apelido no porto.”

“Imobiliária Tubarão... Foi o senhor quem deu o nome?”

“Evidente, pois me chamavam assim, Tubarão.”

“É um nome marítimo, poético, sonoro, combina com a cidade: Imobiliária Tubarão.”

“A questão é que não percebi que tubarão pode ser um sujeito desonesto. Espalharam isso no Macuco, que eu ia registrar a palavra tubarão pra uso próprio. Achei melhor tirar a placa.”

"O senhor fechou a imobiliária?”

“Negativo.”

“Então o senhor tem uma imobiliária.”

“Já falei que não.”

“Mas o senhor...”

“A imobiliária só funciona na minha casa. Os meus filhos é que tomam conta. Não tenho nada a ver com isso. O povo só inventa.”

“Certo, seu Chico.”



Márcio Calafiori é jornalista. 
Nasceu em 1957 e se formou 
pela Facos em 1986. 
Exerceu quase todos os cargos 
em redações de jornais em Santos, 
Santo André, Campinas e São Paulo. 
Foi redator, repórter, revisor, editor, 
secretário de redação, 
chefe de reportagem e ombudsman. 
Aposentou-se em 2012 
como professor da Unisanta, 
depois de 29 anos 
de dedicação exclusiva 
ao Jornalismo Impresso.
Colabora regularmente com
LEVA UM CASAQUINHO.


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