Saturday, July 22, 2017

CAFÉ E BOM DIA #67 (por Carlos Eduardo Brizolinha)



Mais um dia que acordei querendo ser um personagem de Woody Allen. Você sabe como é se assistiu algum filme de Woody. A primeira pergunta que você faz para si mesmo é, o que estou fazendo aqui? Abro as janelas do mundo estratificado e lá estão coreanos que Sartre defendeu antes de descobrir que o inferno eram os outros e com os olhos ácidos e filosoficamente, questiono até as últimas consequências tal qual Merleau-Ponty, para concluir que o homem se faz presente pelo seu corpo e este participa do processo cognitivo. Certamente formulou tomando vodka num dia de muito frio. Ocorre que transpiro paranoias sem as belíssimas trilhas sonoras dos filmes de Woody. Eis que não concateno os movimentos, meus pensamentos estão dissociados e dei de esbarrar em monstros devoradores de massa encefálica. Creio que Woody faria uma bolha assassina devoradora de neurônios que penetrasse pelos ouvidos e uma nova ordem de seres Zelignianos com trilha sonora de Gershwin ou Cole Porter.




Faz dois anos que passei algumas horas de uma tarde chuvosa discutindo com Lucy e um casal amigo qual das duas mulheres mereceriam a elevação das taças para um brinde. Capitulina ou Maria Diadorina da Fé Betancourt. Capitulina recebeu uma descrição respeitável, foi descrita como uma mulher por dentro e por fora, mulher á direita e a esquerda, mulher por todos os lados, desde os pés até a cabeça. Descrita de forma tão intensa que deu me a ideia de um desenho tal como Pigmalião abraçado a Galateia sem precisar de Afrodite. Veio então a argumentação para brindar Diadorina da Fé Betancourt. Diadorina é mulher educada para lutar sem esmorecer, coragem sem hesitação. Corpo perfeito e imaculado como as mais perfeitas esculturas gregas. Estivesse aqui entre nós, aqui do lado ou na minha frente, diante destas garrafas, aperitivos, certamente estariamos arrepiados com a luz dos olhos verdes que de tão lindos não haveria uma só palavra que service para argumentar. Houve empate literário e batatas para todos.



Acompanhando a trajetória de Thomas Gradgrind, “um homem de fatos e cálculos”, e sua família, o livro " TEMPOS DIFÍCEIS " satiriza os movimentos iluminista e positivista e triunfa ao descrever quase que de forma caricatural a sociedade industrial, transformando a própria estrutura do romance numa argumentação antiliberal. Por meio de diversas alegorias, como a escola da cidade, a fábrica e suas chaminés, a trupe circense do Sr. Sleary e a oposição entre a casa do burguês Josiah Bounderby e a de seu funcionário Stephen Blackpool, o resultado é uma crítica à mentalidade capitalista e à exploração da força de trabalho, imposições que Dickens alertava estarem destruindo a criatividade humana e a alegria. Um dia de programação fraca na televisão, propus ler para minha Mãe. Ela já estava no quinto ano sem enxergar, dois anos depois operou e recuperou a visão. Aproveitei para obter sua visão crítica de alguns autores e por algum motivo chegamos em Dickens. Não havia até então lido um só livro de Dickens. Começamos por GRANDES ESPERANÇAS, depois vieram mais dois títulos. Tempos difíceis o último livro lido para minha Mãe (antes de recuperar a visão) mostrou o tamanho do buraco que era não ler Dickens. É um livro que mantém sua atualidade. Em meio à crise capitalista que assola parte do mundo com números crescentes de desempregados e cortes de gastos dos Estados – e, consequentemente, de empobrecimento da população –, a obra de Dickens mostra um panorama histórico do sistema capitalista e faz uma crítica social contundente a ele. Mais do que nunca, torna-se leitura necessária para a reflexão sobre como o capitalismo que se arraigou em nossa existência cotidiana. A obra dividida em 3 partes: Semeadura, Colheita e Provisão, auto-descritivos de acordo com o contexto abordado. É visível a intenção de Dickens em retratar a vida das pessoas não só daquela cidadezinha mas de todo contexto que englobava a sociedade inglesa daquele período (as diferenças entre classes, as condições de trabalho, economia, educação, etc), anunciando suas vidas monótonas, realizando tarefas monótonas em lugares monótonos. É sem dúvida um autor obrigatório para quem gosta de ler.



Eis uma das mais belas histórias de amor, a que a Calamitatum descreve. A Vida de um peripatético desenvolvendo a arte da dialética. Armado com este instrumento chegou em Cloister de Notre Dame . Embora tivesse experiências próprias se fixou em Notre Dame tornando se diretor. O conhecimento de dialética e teologia gerou interesse de muitos estudantes. Essa grandez intelectual culmina o que considera concupiscência da carne...conheceu Heloísa,, tinha Heloísa dezessete anos, nasce então uma paixão fulminante em que foi dominado pela luxúria. Heloísa conhece o amor, os dois, com enorme atração intelectual. Surge a mancha na reputação de ambos, gravidez de Heloísa ferindo os padrões da época. Astrolábio fruto da relação entre os dois nasce na Bretanha na residência de Denise, irmão do professor. Volta para Paris e procura o cônego Fulbert e propõe casamento secreto com Heloísa. Tem a discordância dela que profetiza com as seguintes palavras " - Seremos destruídos, nós dois. Só o que nos resta é o sofrimento, tão grande quanto tem sido o nosso amor." Houve o casamento. O professor levou Heloísa para o convento de Argenteuil para protegê la de Fulbert. Fulbert entende que que o professor queria se ver livre de Heloísa e manda seus servos castrarem o professor. Separados por anos Heloísa toma conhecimento da história Calamitatum e iniciam uma correspondência. Nada quebrou o amor de Abelardo e Heloísa. Moram juntos no cemitério Père Lachaise em Paris e sempre recebem flores.



Platão sonhava muito, e não menos se tem sonhado até agora. Imaginava ele que o ser humano era outrora duplo e que, como castigo de suas faltas, foi dividido em macho e fêmea. Demonstrara que não pode haver senão cinco mundos perfeitos, porque, na matemática, só há cinco corpos regulares. A sua República foi um de seus grandes sonhos. Sonhara ainda que o dormir nasce da vigília e a vigília do dormir, e que se perde infalivelmente a vista contemplando um eclipse, a não ser numa bacia d’água. Eis aqui um de seus sonhos, que não é dos menos interessantes. Fantasiou que o grande Demiurgo, o eterno Geômetra, depois de povoar o infinito de globos inumeráveis, quis experimentar a ciência dos gênios que haviam testemunhado o seu trabalho. Deu a cada um deles uma pequena porção de matéria para que a afeiçoasse a seu modo, da mesma forma que Fídias e Zeuxis distribuiriam a seus discípulos o material para fazerem estátuas e quadros, se é permitido comparar as pequenas coisas às grandes. Demogórgon recebeu, como partilha a porção de lama que se chama a terra; e, tendo-a arranjado tal como hoje a vemos, julgava ter feito uma obra-prima. Pensava haver subjugado a inveja e esperava elogios, até mesmo de seus confrades; muito surpreso ficou de ser recebido com forte vaia. Um deles, que não poupava gracejos, disse-lhe: — Na verdade, fizeste um excelente trabalho: dividiste o teu mundo em dois e puseste um grande espaço d’água entre os dois hemisférios, a fim de que não houvesse comunicação entre ambos. Os humanos vão enregelar-se nos teus dois pólos e morrer de calor na tua linha equatorial. Distribuíste prudentemente, pelas terras, grandes desertos de areia, para que os viajantes morressem de fome e de sede. Estou muito satisfeito com os teus carneiros, as tuas vacas e as tuas galinhas; mas, francamente, não vou muito com as tuas cobras nem com as tuas aranhas. As tuas cebolas e alcachofras são excelentes; mas não concebo qual foi a tua intenção ao cobrir a terra de tantas plantas venenosas, a menos que tivesses o desejo de envenenar seus habitantes. Parece-me, por outro lado, que formaste umas trinta espécies de macacos, muito mais espécies de cães e apenas quatro ou cinco espécies de homens; é verdade que deste a este último animal aquilo a que chamas razão; mas, para te falar com toda a sinceridade, essa tal razão é demasiado ridícula e muito se aproxima da loucura. Parece-me aliás que não fazes grande caso desse animal de dois pés, visto lhe haveres dado tantos inimigos e tão pouca defesa, tantas doenças e tão poucos remédios, tantas paixões e tão pouca sabedoria. Pelo que se vê, não queres que fiquem muitos desses animais sobre a face da terra: pois, sem contar os perigos a que os expões, arranjaste de tal modo as coisas que um dia a varíola arrebatará regularmente todos os anos a décima parte dessa espécie e a irmã dessa varíola envenenará a fonte da vida nos nove décimos restantes; e, como se ainda não bastasse, fizeste de modo que metade dos sobreviventes se ocupará em demandas e a outra metade em matar-se. Eles, sem dúvida, muito te ficarão devendo, e fizeste na verdade uma bela obra. Demogórgon enrubesceu: bem sentia que na sua obra havia mal moral e mal físico; mas sustentava que havia mais bem que mal. — É fácil criticar – disse ele, – mas achas tão fácil fazer um animal que seja sempre razoável, que seja livre, e que jamais abuse da sua liberdade. Pensas que, quando se tem de nove a dez mil plantas para fazer proliferar, seja tão fácil impedir que algumas dessas plantas tenham qualidades nocivas? Imaginas que, com certa quantidade de água, de areia, de lama e de fogo, não se possa ter nem mar nem deserto? Acabas, senhor trocista, de arranjar o planeta Marte; veremos como te houveste com os teus costados e que belo efeito não hão de fazer as tuas noites sem lua; veremos se entre a tua gente não há nem loucura nem doença. Com efeito, os gênios examinaram Marte e caíram de rijo sobre o galhofeiro. Nem o grave gênio que modelara Saturno foi poupado; seus confrades, os fabricadores de Júpiter, de Mercúrio, de Vênus, tiveram cada um de suportar censuras. Escreveram grossos volumes e brochuras; disseram frases de espírito; fizeram canções, ridicularizaram-se uns aos outros; as facções se desmandaram na linguagem; até que o eterno Demiurgo impôs silêncio a todos: — Fizestes (lhes disse ele) coisas boas e coisas más, porque tendes muita inteligência e sois imperfeitos; as vossas obras durarão somente algumas centenas de milhões de anos; após o que, já possuindo mais experiência, haveis de fazer coisa melhor: só a mim é dado fazer coisas perfeitas e imortais. Eis o que Platão ensinava aos discípulos. Quando parou de falar, um deles disse-lhe: E aí então vós acordastes.

VOLTAIRE É VOLTAIRE E MAIS,
CAFÉ PARA MINIMIZAR O FRIO



 

Carlos Eduardo "Brizolinha" Motta
é poeta e proprietário
da banca de livros usados
mais charmosa da cidade de Santos,
situada à Rua Bahia sem número,
quase esquina com Avenida Mal. Deodoro,
bem ao lado do Empório Homeofórmula,
onde bebe diversas xícaras de café orgânico
ao longo de seu dia de trabalho.





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