Susan Sontag é o que se poderia chamar de uma rebelde americana.
Foi uma artista e pensadora absolutamente original.
Nasceu em 16 de Julho de 1933 na cidade de Nova York, mas circulou bastante pela América e pela Europa ainda bem jovem.
Estudou Arte e Filosofia em Harvard, e foi, além de ensaísta e ficcionista, crítica de arte, dramaturga, cineasta e ativista política.
Mesmo sabendo ser lésbica desde os 16 anos, Susan decidiu se casar com um amigo e teve um filho, pois tinha certeza de que viver a experiência da maternidade iria acrescentar algo muito muito importante a sua vida.
Durante seu casamento, teve namorados e namoradas interessantíssimos, como o filósofo Herbert Marcuse, a milionária Nicole Stéphane Rothschild e a coreógrafa Luciana Childs.
Nos últimos anos de vida, teve como companheira a fotógrafa Annie Leibowitz (foto), com que viveu até seus últimos dias.
Em plena efervescência dos Anos 60, Susan Sontag descreveu num ensaio clássico publicado no The New York Review Of Books que as paixões do intelecto são movidas pela avidez, pelo apetite, pela aspiração, pelo anseio, pela apetência, pela insaciabilidade, pelo arrebatamento e pela inclinação.
Desnecessário dizer que, depois disso, passou a ter uma legião de seguidores fieis entre os jovens intelectuais que não se sentiam pelo que pensavam no formato mais tradicional.
Tornou-se rapidamente a filósofa americana sob medida para os novos tempos que estavam chegando.
Lembro perfeitamente bem quando li pela primeira vez alguma coisa de Susan Sontag.
Foi na edição brasileira da PLAYBOY, que publicou por volta de 1977 um conto fantástico simplesmente sensacional intitulado O Bebê.
Fiquei boquiaberto com a pegada fortíssima dela como ficcionista, e corri imediatamente atrás de outros títulos de Susan na Livraria Antiquário -- um sebo muito bom que funciona desde os Anos 70 na 108 Sul, em Brasília DF, onde eu morei alguns anos.
Encontrei vários títulos: dois em português (a reportagem Viagem a Hanoi e o romance Morte em Questão) e dois em inglês (o romance The Benefactor e a coleção de contos I, etcetera, que continha The Baby).
Devorei todos, um por um, mas confesso que nada alí me impressionou tanto quanto O Bebê.
Confesso que terminei minha primeira incursão sontagiana com um certo gosto de decepção na boca.
Mas a decepção não durou muito tempo.
Alguns meses mais tarde, já na Universidade de Brasília, onde cursei Letras, um de meus professores de teoria da literatura me recomendou a leitura de Against Interpretation, ensaio clássico dela escrito no comecinho dos anos 60, sob a influência dos estruturalistas e semiologistas franceses, mas com um foco muito próprio, muito americano.
A partir daí, comecei a ler todos os volumes de ensaios de Susan Sontag que estavam disponíveis na Biblioteca da UnB.
Foi quando descobri que a super-intelectual dos sonhos, pouco afeita a academicismos e com a rara habilidade de opinar sobre os mais diversos assuntos com muita propriedade, existia de verdade.
Passei a acompanhar a carreira de Susan Sontag com avidez.
Vibrei com as discussões divertidíssimas nas páginas da Ilustrada na Folha de S. Paulo entre os amigos Paulo Francis (que não gostava dela) e Sérgio Augusto (que a adorava).
E quase fui ao delírio quando a Rolling Stone Magazine -- que eu assinava, e que acabara de mudar sua sede de San Francisco para Nova York -- publicou uma longa entrevista de seu editor contribuinte Jonathan Cott com Susan Sontag em seu apartamento em Central Park West, com direito a destaque na capa e tudo mais.
Para mim, que já conhecia sua obra, mas sabia pouco de sua vida pessoal, foi uma leitura deliciosa e reveladora.
Imagino o quão importante ela pode ter sido para quem não a conhecia antes, e a ficou conhecendo pela Rolling Stone....
O que eu não sabia é que apenas um quarto da longa entrevista de doze horas havia sido publicado pela revista, pois enveredava demais por questões intelectuais muito profundas que certamente não interessaram aos editores da Rolling Stone.
E então, em 2013, um ano antes do décimo aniversário da morte de Susan, Jonathan Cott decidiu transformar em livro a longa entrevista.
O motivo?
Achou que ela poderia servir para as novas gerações como uma espécie de introdução ao universo temático e ao pensamento libertário de Susan Sontag.
Pois achou certo.
O livro foi muito bem recebido pelo público, e foi um merecido sucesso editorial para a Rolling Stone Press.
Para mim, foi uma surpresa saber no ano passado que existia uma edição do livro em português, lançado sem muito alarde pela Editora Autêntica com o título Susan Sontag – Entrevista Completa para a Revista Rolling Stone.
Como o autor Jonathan Cott explica no prefácio, “Susan não dizia frases, mas parágrafos extensos e bem cuidados. E o que me chamou mais atenção foi a exatidão e o ajuste moral e linguístico”.
A conversa entre os dois rola de maneira concisa, natural e espontânea, mas também num tom altamente literário e com uma convicção de opiniões impressionante.
Susan fala sobre sua luta contra a leucemia que deu origem a seu livro A Doença Como Metáfora, onde filosofa sobre a maneira com que o câncer e a tuberculose carregam em si a sensação de que o doente é culpado, o que faz com que ele ou ela frequentemente esconda a doença.
Critica a arbitrariedade dos estereótipos sexuais e defende a emancipação feminina -- não apenas na igualdade de direitos, mas também na divisão de poderes e estruturas científicas e artísticas.
De quebra, toca num vespeiro que certamente irritou bastante muitas feministas amigas dela, ao afirmar categoricamente que não existe uma escrita feminina, e que quem defende isso está cometendo um grande desserviço à afirmação artística das mulheres em geral.
E também revê as bases de seu ativismo político, defendendo os direitos das pessoas que vivem à margem do mainstream por opção existencial, além de discutir longamente sobre fotografia, sobre seu mestre Roland Barthes, sobre sua amiga roqueira Patti Smith ("Que outro artista de rock leu Nietzsche?", ela pergunta), entre vários outros assuntos extremamente pertinentes.
Ao final da entrevista, descobrimos como funcionava a Susan Sontag escritora ("Sou indisciplinada, intensa, obsessiva e autodestrutiva, pois minhas costas doem, meus dedos doem, tenho dores de cabeça”).
Descobrimos também o que movia a Susan Sontag leitora (“Ler é minha diversão, minha distração, meu consolo, meu pequeno suicídio. Quando não consigo suportar o mundo, me enrosco a um livro, e é como se uma nave espacial me afastasse de tudo”).
Em seus últimos dez anos de vida, a ficcionista Susan Sontag que me decepcionou lá atrás com suas primeiras aventuras literárias acabou se revelando uma esteta extremamente habilidosa em três romances densos e de alto gabarito: Assim Vivemos Hoje, O Amante do Vulcão e Na América
Infelizmente, a entrevista é anterior a esses trabalhos, e revela uma escritora inacabada, ainda que a meio caminho da maturidade artística tão almejada, mas sem ter uma consciência muito clara disso.
Mesmo em uma situação como essa, de fragilidade aparente, Susan permanece impávida -- e ao final, difícil é não se encantar por essa mulher fascinante.
Susan Sontag - Entrevista Completa
para a revista Rolling Stone
editado por Jonathan Cott
tradução de Rogério Bettoni
Editora Autêntica
127 páginas
R$ 37,90
Chico Marques devora livros
desde que se conhece por gente.
Estudou Literatura Inglesa
na Universidade de Brasília
e leu com muito prazer
uma quantidade considerável
de volumes da espetacular
Biblioteca da UnB.
Vive em Santos SP, onde,
entre outros afazeres,
edita a revista cultural
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