Thursday, July 13, 2017

FRANK, O MAIOR ESPETÁCULO DA TERRA - PARTE 2 FINAL (por Márcio Calafiori)



Apesar do sucesso no rádio e dos discos gravados na Columbia Records, Sinatra ainda não convencera a crítica. Uma coisa era agradar as adolescentes que iam vê-lo no Paramount, outra muito diferente era conquistar o público adulto. No fim de 1943 ele já passara pelo teste de cantar acompanhado com as filarmônicas de Cleveland, Filadélfia e Los Angeles, e de ter se apresentado em casas que atraíam plateias exigentes. Em ambas as situações foi bem-sucedido. Uma noite, na Wedgwood Room do Waldorf-Astoria, foi aplaudido por ninguém menos que Cole Porter. A fama, porém, lhe trazia mais e mais aborrecimentos. Um deles vinha do preconceito por ser descendente de italianos. As constantes aporrinhações o perseguiam materializadas no jornalismo de fofocas. Embora tenha sido dispensado de servir o exército durante a Segunda Guerra Mundial por causa de uma perfuração no tímpano esquerdo e de uma mastoidite crônica, além de apresentar instabilidade emocional e estar abaixo do peso mínimo para homens de sua altura, mesmo assim o cantor foi cruelmente acusado de covarde e aproveitador.

Os intrometidos colunistas de celebridades ressoavam o que os soldados diziam a seu respeito — que enquanto eles lutavam na guerra, o carcamano ganhava dinheiro a rodo e comia as suas mulheres. Isso era verdade pelo menos no dizia respeito ao dinheiro e ao fato de se comportar como garanhão. Em 1944, de acordo com James Kaplan, Sinatra faturou pelo menos dez milhões de dólares (em valores atualizados). Em 12 de outubro desse mesmo ano, ele encheu seis apresentações consecutivas no teatro Paramount e lá fora havia pelo menos mais 30 mil garotas que queriam vê-lo a qualquer custo. A polícia não conseguia controlar aquela multidão. Foi a última vez que o teatro teve tamanho alvoroço. Apesar de estar casado com Nancy Barbato desde 1939 e ser pai de três filhos — Nancy, Frank Jr. e Tina —, o seu estilo de vida era o de um homem solteiro e rico, que aproveitava tudo o que estivesse ao seu alcance e não dispensava jamais as mulheres e o prazer. No fim dos anos 1940, Sinatra e a atriz Ava Gardner se envolveram seriamente. Ela era uma das mulheres mais cobiçadas do mundo. O romance escandaloso afundou de vez o seu casamento e resultou no divórcio concedido por Nancy em 1951.

Em 1950, Frank Sinatra figurava nos jornais como “um desertor da família”. Foi justamente nesse período, depois de quase dez anos de fama ininterrupta, que ele começou a decair e a ser considerado um nome do passado. Ele gastara dinheiro sem nenhum controle, a separação de Nancy lhe custou uma nota preta, a Columbia achava que ele não vendia mais discos como antes, o imposto de renda estava na sua cola, a sua voz passava por um colapso e começavam os rumores insistentes de que, além de Ava, ele tinha um caso com a máfia. Frank tentava fazer shows, mas as casas lhe fechavam as portas, a sua presença não enchia mais o Paramount, os amigos lhe viravam a cara. Todo mundo passa por momentos difíceis, mas a tormenta que afogava Sinatra não era só uma fase difícil, era algo assombroso, a tal ponto que agora ele podia andar pela Times Square, a encruzilhada do mundo, sem que alguém lhe pedisse um autógrafo, como de fato aconteceu. Enquanto isso, Ava estava cada vez mais bonita, mais famosa e mais rica.

Uma das cenas que jamais esquecemos é aquela de O Poderoso Chefão em que o dono de um grande estúdio de Hollywood, Jack Woltz, acorda todo ensanguentado. O volume monstruoso de sangue vem da cabeça decepada do seu cavalo de raça, que foi posta na sua cama enquanto ele dormia. Esse é o típico humor negro da máfia. Ocorre que Woltz está produzindo um grande filme e se recusa terminantemente a dar o papel principal a Johnny Fontane, um cantor de muito sucesso que está em decadência. Exatamente como Frank Sinatra. Johnny Fontane tem como padrinho Don Vito Corleone, um poderoso chefe da máfia em Nova Iorque. Depois que a cabeça decepada do cavalo vai parar na cama de Jack Woltz, Fontane consegue o papel no filme e a sua carreira é reabilitada.

A cena do cavalo ficou para sempre grudada à imagem de Frank Sinatra. No primeiro volume da biografia, Kaplan narra com detalhes que a impressão de que isso realmente aconteceu se deve à força da ficção de Mario Puzo, autor do livro e do roteiro que deu origem ao filme de Francis Ford Coppola. Na vida real, desde que leu o romance A Um Passo da Eternidade, de James Jones, Sinatra prontamente se identificou com o personagem Angelo Maggio, um soldado de origem italiana, pequeno, bêbado, piadista, viciado em jogo que servia o exército no Havaí às vésperas do ataque dos japoneses a Peal Harbor. O livro foi lançado em fevereiro de 1951 e teve um sucesso tremendo. Em março, o dono da Columbia Pictures, Harry Cohn, comprou os direitos de filmagem da obra.

Sinatra queria muito interpretar Angelo Maggio. Tinha certeza de que o personagem era o seu número. A exemplo de Johnny Fontane, Frank também era amigo de criminosos e mais tarde se associou a eles no negócio de cassinos. Sam Giancana, líder da máfia em Chicago, era seu amigo do peito. Mas desde as suas origens não havia outra alternativa para Sinatra. Hoboken, a sua cidade-natal, era território da máfia e todos ali eram influenciados por ela. Mas para interpretar Angelo Maggio em A Um Passo da Eternidade, ele conseguiu a façanha pelos próprios méritos, com o apoio do diretor Fred Zinnemann e do próprio fundador da Columbia Pictures, Harry Cohn. Em 1954, o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante restabeleceu completamente o seu prestígio, foi a sua ressurreição na vida artística.

Outro lance fundamental na carreira de Frank Sinatra ocorreu em 1953 quando Alan Livingston, vice-presidente das operações de criação da Capitol, num lance ousado, resolveu assinar contrato com o cantor, que fora dispensado pela Columbia Records. Com artimanha, Livingston aproximou Sinatra do arranjador Nelson Riddle. A junção de ambos deu origem ao que a crítica considera como uma das fases mais resplandecentes da carreira de Sinatra como cantor. Ele deixou para trás os violinos melosos de Alex Stordahl com uma série de discos revigorantes que se ouve com prazer até hoje, clássicos indiscutíveis: Swing Easy!(1954); Songs For Young Lovers (1954); Songs For Swing´s Lovers (1955); In The Wee Small Hours (1955); A Swing’ Affair! (1956). Essa boa fase foi alternada com Billy May: Come Dance With Me! (1958), Come Fly With Me (1958) e Swing Along With Me (1961); com Gordon Jenkins, No One Cares (1959); de novo com Nelson Riddle, Nice’n’Easy (1960), Sinatra´s Swing Sessions!!! And More (1961); e com Johnny Mandel, Ring a Ding Ding (1961).

James Kaplan conta que no estúdio Sinatra se tornou um profissional mais rigoroso ainda, perfeccionista. Sovina em elogios, interrompia as gravações se algo, por mínimo que fosse, não o agradava. Nelson Riddle, por exemplo, em várias ocasiões teve que fazer arranjos de última hora ou simplesmente abandonar o que estava feito. Frank controlava tudo, palpitava até na arte gráfica dos discos — com mau humor mandou refazer a capa de Come Fly With Me porque na imagem do avião aparecia o nome da companhia aérea. Outra inovação sua foram os discos temáticos a exemplo de In The Wee Small Hours, que trata do amor melancólico, inspirado no seu casamento conflituoso com Ava Gardner. Assim, Sinatra se comunicava com muitos homens que viviam amores frustrados e acabavam reconhecendo nele uma referência moral importante. O seu público agora era definitivamente adulto.

A segunda parte da biografia de James Kaplan, Sinatra, O Chefão, é a mais extensa, tem 1.212 páginas. Enquanto que o desenvolvimento artístico se concentra no primeiro volume, no segundo o leitor é apresentado ao universo humano do mito Sinatra. Ele agora é o cara que manda e desmanda, que submete todos ao seu redor com as suas explosões de raiva e exige fidelidade e a companhia incessante dos amigos já que costuma passar as noites em claro e se recusa a ficar sozinho. Sob efeito do álcool, se torna valentão. Às vezes, é provocado e parte para a agressão. Com a sua presença os ambientes ficam tensos. Certa vez, num restaurante, ele e os amigos bateram em dois caras e um deles acabou em coma. Sinatra teve de fazer um acordo com advogados envolvendo dinheiro para que o caso não chegasse aos jornais. Noutra ocasião a brincadeira inventada por ele foi a de chutar o pé do garçom para este caísse com a bandeja repleta de copos e bebidas.

As brincadeiras pesadas se estenderam ao palco dos cassinos de Las Vegas com o grupo que ele formou com os amigos Dean Martin, Sammy Davis Jr., Peter Lawford e Joey Bishop, os Rat Pack, na verdade uma invenção de Humphrey Bogart. No início, os Rat Pack representaram uma novidade e tanto. O público ficou realmente boquiaberto com o frescor daquilo, com o ineditismo, com aqueles sujeitos que se divertiam ali no palco como se não estivesse nada planejado. As imitações de Dean Martin e Sammy Davis Jr. eram hilárias. Mas com o tempo as apresentações foram ficando incômodas. Sinatra, Dean e Sammy realmente entravam no palco bêbados e o público ficava muitas vezes sem entender. Por ser negro e ainda por cima judeu e caolho, Sammy acaba sendo o alvo preferido do grupo. Aquilo cansou.

Como ator, Sinatra não tinha a mínima paciência embora tenha feito mais de 60 filmes. Ele cunhou a expressão One-Take Charlie. O que isso significa? Que em cena ele só fazia uma tomada. Poucas vezes Sinatra se dedicou seriamente ao cinema. Ao atuar com Gene Kelly em Marujos do Amor (1945), Um Dia em Nova York (1949) e em A Bela Ditadora (1949). Profissional dedicado, Gene Kelly o ensinou a dançar e o fazia ensaiar exaustivamente. Claro, ele se esmerou na pele do personagem Angelo Maggio em A Um Passo da Eternidade (1953), tentou faturar o Oscar de Melhor Ator com O Homem do Braço de Ouro (1955), em que faz um baterista de jazz viciado em heroína, um trabalho comovente. No entanto, acabou perdendo para Ernest Borgnine, que interpretou o açougueiro Marty Piletti em Marty. Em Eles e Elas (1955), a concentração excessiva de Marlon Brando, que exigia tudo de uma cena, irritou Sinatra profundamente, mas ele teve que se submeter ao perfeccionismo do outro. Outro grande filme em que atuou e se dedicou reverente ao diretor John Frankenheimer foi Sob o Domínio do Mal (1962).

Um dos grandes momentos no segundo volume da biografia escrita por Kaplan é o envolvimento de Frank Sinatra com o então senador e depois presidente John F. Kennedy. Militante democrata desde a adolescência — a sua mãe, Dolly, era representante dos democratas e tinha grande influência política em Hoboken —, a aproximação dele com Kennedy, cujo nome surgia com força na política americana, era motivada, principalmente, pela vaidade. Simplório, Frank queria ser amigo do futuro presidente dos Estados Unidos da América; Kennedy, por sua vez, queria ter acesso a belas mulheres, mas de modo discreto. O bajulador Sinatra desempenhou como ninguém o papel de proxeneta e apresentou Kennedy a várias atrizes, incluindo Marilyn Monroe.

Vista por dentro, a família Kennedy mantém relações com a máfia e com as drogas. O próprio futuro presidente cheirava cocaína. Frank fez de tudo para que ele fosse eleito, usou todo o seu prestígio, empenhou o nome como artista. Além da biografia, esse episódio da vida de Sinatra foi abordado com realismo no filme Os Maiorais (direção de Rob Cohen, 1998). Depois de eleito, aconselhado a se distanciar de Sinatra por causa do seu envolvimento notório com a máfia, Kennedy deixou de se hospedar na casa do cantor em Palm Springs, que foi toda reformada para recebê-lo. Sinatra teve de engolir isso e jamais pôde se aproximar de novo de Kennedy.

A partir de meados dos anos 1960, Frank Sinatra vai sendo superado pela contracultura. Agora, além de Elvis Presley, surgido nos anos 1950, ele tinha que se preocupar com os Beatles e logo em seguida com o rock, que verdadeiramente detesta. Seus discos não vendem mais como antes e as grandes gravações que ele fez do great american songbook — ele gravou ao todo 1.300 músicas — foram substituídas por xaropadas como Strangers in the Night (1966) e My Way (1969), ambas grandes sucessos. Ele odiava Strangers in the Night. “Essa música é coisa de bicha, dizia. E se recusou a ficar repetindo a letra, substituindo-a por “tchu bidu bidu”. Mas em dezembro de 1966, procurando novos caminhos musicais, Sinatra convoca Tom Jobim e grava um grande disco, dessa vez com bossa nova, que é lançado em 1967: Francis Albert Sinatra & Antonio Carlos Jobim.

Dois anos depois, Sinatra chama de novo Tom Jobim a fim de gravar um novo disco, dessa vez com arranjos de Eumir Deodato. As dez faixas do novo trabalho foram gravadas nas noites de 11, 12 e 13 de fevereiro de 1969, um disco belíssimo, segundo quem ouviu. James Kaplan conta que quando o álbum ficou pronto, Sinatra ou alguém de sua equipe implicou com... Bem, ele e Jobim gravaram, entre outras, Samba de Uma Nota Só, Água de Beber, Bonita, Wave, Sabiá e Desafinado... Em relação a esta canção havia, talvez, uma conotação homossexual no modo como ambos a cantaram e Frank ficou preocupado com isso. Em 1971, a Reprise, gravadora de Sinatra, acabou lançando apenas sete das dez músicas gravadas naquela ocasião no lado A de um álbum de Sinatra e Don Costa intitulado Sinatra & Company. O disco naufragou.

Mas agora Sinatra viajava o mundo fazendo grandes shows (esteve inclusive no Brasil, em 1980). Ele tinha um domínio espetacular do público, uma presença sensacional, esbanjava charme, e, por incrível que pareça, cada vez mais começou a atrair gente de todas as idades, do mais simples mortal a reis e rainhas. A sua voz continuava estupenda, embora um pouco cansada. No palco, era irreverente. Às vezes, esquecia onde o local estava se apresentando e perguntava ao microfone: “Qual é o mesmo o nome desta espelunca?”. O público adorava. Como escreveu um crítico, assistir Frank Sinatra era o maior espetáculo da Terra.






FRANK, A VOZ
 James Kaplan
2013 Companhia das Letras
Tradução: Pedro Maia Soares
752 páginas
preço do livro na editora: R$ 82,90
preço do ebook na editora: R$ 48,50
disponível na Estante Virtual
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SINATRA, O CHEFÃO

 James Kaplan
2015 Companhia das Letras
Tradução: Denise Bottmann, Claudia Carina, Paulo Geiger
1.216 páginas
preço do livro na editora: R$ 102,90
preço do ebook na editora: R$ 69,90
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Márcio Calafiori é jornalista.
Nasceu em 1957 e se formou
pela Facos em 1986.
Exerceu quase todos os cargos
em redações de jornais em Santos,
Santo André, Campinas e São Paulo.
Foi redator, repórter, revisor,
editor, secretário de redação,
chefe de reportagem e ombudsman.
Aposentou-se em 2012
como professor da Unisanta,
depois de 29 anos de dedicação
exclusiva ao Jornalismo Impresso.
Colabora eventualmente com
LEVA UM CASAQUINHO.



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