Thursday, October 12, 2017

CORRENDO SEM PARAR (uma crônica de Ademir Demarchi)



A correria do dia a dia virou rotina na vida urbana deste Planeta em que a economia parece ter se tornado uma religião fundamentalista a ponto de mais que nunca regular a existência e incorporar a pressa em cada um. Daí que já parece natural, pela necessidade de praticar exercícios, também continuar correndo com pressa por aí quilômetros e quilômetros sem natureza em volta. Isso quando não se fica confinado em academias movidas a música enlouquecedora boa pra amestrar macaco depelado.

Conheço pessoas que, quando as encontro num eventual passeio, param para conversar sem parar de correr. É meio esquisito, mas é assim mesmo: você fica parado olhando e a moça fica simulando que está correndo na sua frente, mexendo sem parar pernas e braços e suando enquanto fala, cabelo pra cá, cabelo pra lá, geralmente com um par de fones de ouvido conectando-a em sabe-se lá que planeta. No meu é que não é. É como se pegássemos um boneco à pilha e o levantássemos do chão – ele continuaria a espernear. Somente quando a conversa termina o boneco para de patinar e continua correndo, como um robô...

Em Santos, além disso, todo mundo vive correndo em provas do tipo inimagináveis 10 km pelo asfalto e sob o sol ardente, ocasiões em que interditam a avenida da praia e outras e ferram com todo o trânsito da cidade, que já é horrível. Ainda bem que isso acontece apenas aos domingos pela manhã, bem cedo, após toda uma logística de interdições de vias, e dura até umas 14 horas. Ou seja, já vi muita gente estragar o peixe por ter a infeliz ideia de, num dia desses, ir à Ponta da Praia buscar o convidado principal do domingo e não conseguir ultrapassar a barreira na volta.

Mas se não bastasse essa modalidade de correr no asfalto sob sol inclemente esses incontáveis quilômetros, inventaram também provas de duas e de três modalidades. Isso soa ser coisa de maluco, pois essas pessoas se paramentam com roupas de quem vai entrar numa astronave para uma viagem curta, assim como, digamos, a Marte, saem correndo, como se dizia antigamente – em desabalada carreira – e, depois que cumprem o trecho determinado, pegam uma bicicleta e se esfalfam mais um trecho. Quando achamos que terminaram e vão pra água se refrescar, que nada, entram na água e saem enfiando o braço para mais uns quilômetros e nem aproveitam a paisagem.

Detesto corrida, assim como a horizontalidade amena da praia para praticar exercícios, pois acho que foi feita para caminhar, para olhar a água, as ondas, a paisagem, os navios que entram e saem pela baía, objetos regurgitados e devolvidos pelo mar e tipos humanos de variada forma que desfilam como peixes pelo aquário dos nossos olhos.

[publicado originalmente em 26/03/2009]

Ademir Demarchi é santista de Maringá, no Paraná,
onde nasceu em 7 de Abril de 1960.
Além de poeta, cronista e tradutor,
é editor da prestigiada revista BABEL.
Possui diversos livros publicados.
Seus poemas estão reunidos em "Pirão de Sereia"
e suas crônicas em "Siri Na Lata",
ambos publicados pela Realejo Livros e Edições.
(basta clicar nos nomes para ser enviado
ao website da editora)

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