Thursday, April 19, 2018

6 VEZES GILBERTO (3 textos de Flávio Viegas Amoreira, 3 fotos de Marcos Piffer)


GILBERTO MENDES, UM ANO DE SAUDADE


Que ano esse que abriu-se de espanto com tua partida mestre! E que outro conceito dar a esses tempos que não perplexidade, meu amigo sempre tão presente! Tuas obras seguem brilhando em todos continentes: em todo canto onde Cultura não tenha sido ceifada em nome da crise econômica: e quanto nós artistas paulistas temos padecido, Gilberto! Imagine que a tão querida Cadeia Velha voltou ser de novo fechada! Teu Festival Música Nova encantou a todos em Ribeirão Preto tão bem cuidado pela USP: e tua última peça foi merecidamente ovacionada:  aquela linda canção a partir de meu poema “Saudade”, recorda?  Pierre Boulez, seu amigo e maior compositor europeu partiu na mesma semana que tu: combinaram encontro com Stockhausen e nosso Villa Lobos?  Assisti pensando tanto em ti o mais novo Woody Allen: era todo ele sobre anos de ouro de Hollywood: e imagina que Olivia de Havilland e Kirk Douglas estão aqui ainda centenários entre nós nesse mundo doido onde a Grã Bretanha saiu da União Européia, Trump vergonhosamente foi eleito para suceder nosso estimado Obama e o Ocidente parece cada vez mais aquele dos idos da Guerra da Criméia! Sigo esboçando tua biografia e espero contar com depoimentos dos teus amigos Augusto de Campos, Wisnick e Caetano Veloso que tanto sentiram tua partida: Ruy Castro abriu janeiro com uma crônica preciosa sobre tua importância para a brasilidade....quando releio o Eça e Borges teus autores preferidos converso mentalmente da mesma forma que imagino tua euforia com cem anos da Revolução Russa que se aproxima e tão presente em tuas memórias entre Moscou, São Petersburgo e Praga. Agora mesmo leio delicioso livro sobre o Hotel Ritz na tua Plaza Vendôme discorrendo sobre a Resistência Francesa! Com tua amada Eliane reflito melhores caminhos para teu romance ainda inédito “Adeus Partidão” com sua trajetória de militante entre Neruda e Mário Gruber. Já surgiram dois belos filmes a partir do seu legado: um do artista multimídia Márcio Barreto e outro documentário de Cris Sidoti, além do longa metragem de Fernanda Almeida Prado em que você mesmo estrelou! Com quem conversar sobre jazz, São Paulo antiga, fitas de espionagem e as telas de Paul Klee? Gilberto Mendes, nós que aqui estamos de ti nunca esquecemos!

[texto escrito no primeiro ano da partida do mestre Gilberto Mendes]


GILBERTO MENDES, O GIGANTE DESCONHECIDO


Hermético, ininteligível, experimental- elitista: quantos adjetivos aqueles que conhecem “santisticamente” Gilberto Mendes atribuíram a um dos mais importantes compositores e agitadores musicais latino-americanos! Atonalismo, dodecafonia, música concreta, peças performáticas! admirável carinho que conterrâneos de mar do maestro prestam mesmo desconhecendo ou torcendo o nariz para sua mundialmente reconhecida obra.

Gilberto Mendes ao lado de Vicente de Carvalho e Plínio Marcos forma o trio de ouro dos mais influentes artistas nascidos nesse mítico cais de Santos e agora nonagenário sei por que sua maior satisfação seria ter seus CDs ouvidos por uma nova geração mais atenta e ter de volta ao litoral o mais antigo Festival de Vanguarda do Brasil: o Musica Nova. Gilberto comunista, de coragem estética pungente e contestação ‘a  caretice burguesa não combina com babaquice elogiosa de quem carece de argumentação por ignorância de seu legado inquietante. O que caracteriza o criador de “Santos Football Music”, “Beba Coca-Cola” e “Último Tango em Vila Parisi” é essa quebra de paradigmas: é um amigo de rara generosidade e afável na superfície, mas implacável com o pensamento médio e a estupidez reinante. Cresci espreitando Gilberto através de suas galáxias sinestésicas: compondo ao lado dos poetas concretistas, a partir de poemas de Drummond e Hilda Hilst sem supor que um dia seria seu parceiro em tantas canções para coral e “atmosferas sinfônicas”. Imaginar que substituiria Cecília Meireles em “Cavalo Azul” ou teria inserido meu “Chuva no Mar” em “Alegres Trópicos” interpretado pela Osesp! são prova de ousadia ao empenhar confiança num escritor iconoclasta e sua paciência com o aviltamento cultural de nossos tempos de macdonaldização de cérebros. Enfatizo ser comédia de erros tratar como astro pop uma catedral profunda de oceânico cromatismo e sonoridades quântico-cósmicas : seu “Rimsky” é para ser ouvido para quem no mínimo conhece Frank Zappa, sem falar em Pierre Boulez. Gilberto Mendes é um raro lobo da estepe só para os loucos com excesso de sensibilidade. “Escrevo porque esta atividade me proporciona um grande prazer estético. Se o meu trabalho agrada a uma minoria, sinto-me gratificado. Se isso não acontece, não sofro. Quanto ‘a multidão, não desejo ser um romancista popular. Seria fácil demais.” Esse aforismo de Wilde diz tudo: os que estimam o compositor por carinho não são exatamente aqueles poucos que conhecem seu ideal de música. Parece fácil fazer o que ele compôs, mas é abissal a capacidade de entender seus propósitos melódicos e interações de significados.

[Texto escrito para os 90 anos do mestre Gilberto Mendes]

GILBERTO MENDES, ABRIL 2018


Fico imaginar meu amigo nesse mundo de Trump e Temer! Quando já em 2015 de tua partida dizia ver pouca esperança para o Brasil pontificando: “Desagradável, assim chamava nosso tempo, desagradável....” E quanto desagradável esse politicamente correto de tanta dicotomia e ortodoxia burra.... Gilberto que tinha visto maio de 68 em Praga e lá atrás os ecos da revolução tenentista de 1924 com bombardeio dos Campos Elísios paulistas!  Tanto pensei em Gilberto quando assisti “Trumbo” e agora mesmo quando vejo esse lindo filme húngaro “1945”; eu que releio Philip Roth com universo tão próximo do seu vivido na Universidade de Wisconsin ou nos dias de festivais de vanguarda em New York....Mendes que tanto admirava Milos Forman e os irmãos Tavianni e acharia interessante o retorno da atmosfera de Guerra Fria entre Putin e um Ocidente acuado, sem falar no charme de Macron e a inamovível matrona Merckel , - meu amigo que era fã da beleza de Scarlett  Johansson e Naomi Watts o que diria dessas beldades amadurecendo em público!?  Nessa quinta–feira dia 19 a lembrança de Gilberto começa ser resgatada oficialmente por Santos sua terra natal e onde viu brilharem Cacilda Becker, Plínio Marcos e Sergio Mamberti seu amigos.... um centro cultural com seu nome é começo desse movimento de convergência por seu legado. Salve salve Gilberto “Mundos” como diria Décio Pignatari!

visite marcospiffer.com.br


Poeta, contista e crítico literário,
Flávio Viegas Amoreira é das mais inventivas
vozes da Nova Literatura Brasileira
surgidas na virada do século: a ‘’Geração 00’’.
Utiliza forte experimentação formal
e inovação de conteúdos, alternando
gêneros diversos em sintaxe fragmentada.
Vem sendo estudado como uma das vozes
da pós-modernidade literária brasileira
em universidades americanas e européias.
Participante de movimentos culturais
e de fomento à leitura, é autor de livros como
Maralto (2002), A Biblioteca Submergida (2003),
Contogramas (2004) e Escorbuto, Cantos da Costa (2005).

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