Monday, April 30, 2018

O POETINHA DESTA SEGUNDA FAZ PARTE DA SANTÍSSIMA TRINDADE DA POESIA BEAT AO LADO DE MR. GINSBERG E MR. FERLINGHETTI




A BAGUNÇA TODA... QUEM SABE

Subi seis lances de escada
até meu pequeno quarto mobiliado
abri a janela
e comecei a jogar fora
as tais coisas mais importantes na vida

Primeiro, a Verdade, ganindo como um dedo-duro:
“Não! Direi coisas terríveis de você!”
“Ah, é? Não tenho nada a esconder... FORA!”
Depois, Deus, assombrado, corado e choroso de espanto:
“Não é culpa minha! Não sou a causa de tudo isso!” “FORA!”
Depois o Amor, aliciando subornos: “Você não conhecerá a impotência!
As garotas da capa da Vogue, todas suas!”
Apertei sua bunda gorda e gritei:
“Seu destino é um desvalido!”
Peguei a Fé, a Esperança e a Caridade
as três juntas abraçadas:
“Você não vai sobreviver sem nós!”
“Estou enlouquecendo com vocês! Tchau!”

Depois a Beleza... Ah, a Beleza –
Tão logo a levei até a janela
disse: “Você eu amei mais na vida
... mas é uma assassina; a Beleza mata!”
Sem querer realmente atirá-la
desci correndo as escadas
chegando a tempo de apanhá-la
“Você me salvou!” sussurrou
Coloquei-a no chão e disse: “Anda.”

Subi de volta as escadas
procurei o dinheiro
não havia dinheiro pra jogar fora.
Só restava a Morte no quarto
escondida atrás da pia da cozinha:
“Não sou real!” gritou
“Não passo de um rumor espalhado pela vida...”
Atirei-a fora com a pia e tudo, sorrindo
e então notei que o Humor
era tudo que havia restado –
Tudo que pude fazer com o Humor foi dizer:
“Com a janela fora pela janela!”

tradução: Márcio Simões

GREGORY CORSO por PATTI SMITH


Gregory Corso, a flor da Geração Beat, se foi. Colhido para prover a graça do jardim do Papai e todos no céu estão encantados e admirados. Encontrei Gregory a primeira vez na frente do Hotel Chelsea. Suspendeu o casaco e baixou as calças, expelindo expletivos Latinos. Vendo minha cara de espanto, sorriu e disse, “Não estou mostrando a bunda pra você querida, estou mostrando pro mundo”. Me lembro de pensar, sorte do mundo de ser exposto aos glúteos de um poeta de verdade.
E isso ele era. Todos que têm histórias, reais ou embelezadas, das legendárias travessuras de Gregory e de sua caótica indiscrição têm igualmente histórias de sua beleza, remorso e generosidade. Ele me notou de maneira carinhosa no início dos anos 70 porque o espaço em que eu vivia era similar ao dele – pilhas de papéis, livros, sapatos velhos, mijo em xícaras – uma desordem mortal. Fomos parceiros de crimes perturbadores durante leituras de poesia particularmente tediosas em St. Mark. Embora ralhassem conosco com razão, Gregory me aconselhou a espetar com minhas armas irreverentes e a exigir mais desses que se sentam diante de nós se dizendo poetas.
 
E sem dúvida Gregory era um poeta. A poesia era sua ideologia, e os poetas seus santos. Havia sido chamado e sabia disso. Talvez seu único dilema fosse às vezes perguntar, Por que, Por que ele? Nasceu em Nova York, em 26 de março de 1930. Sua jovem mãe o abandonou. O Garoto foi da casa adotiva ao reformatório e à prisão. Teve pouca educação formal, mas sua educação autodidata era ilimitada. Abraçou os Gregos e os Românticos, e os Beats o abraçaram, colocando folhas de louro em seus negros cachos rebeldes. Kerouac o sagrou cavaleiro como Raphael Urso, foi a alegria e orgulho deles e também sua mais provocativa consciência.
Nos deixou dois legados: um corpo de obra destinado a durar pela sua beleza, disciplina e influente energia, e suas qualidades humanas. Era meio Peter Rose, meio Percy Bysshe Shelley. Podia ser um rebelde explosivo, beligerante e desafiador, e ao mesmo tempo ingênuo como um garoto, humilde e cheio de compaixão. Estava sempre querendo se desculpar, compartilhar seus conhecimentos e aberto a aprender. Me lembro de vê-lo sentado ao lado da cama de Allen Ginsberg quando ele estava morrendo. “Allen está me ensinando a morrer”, dizia.
 No começo do verão seus amigos se reuniram para lhe dizer adeus. Sentamos ao lado da sua cama na Horatio Street em silêncio. A noite cheia de estranhas correspondências. Uma filha que ele nunca tinha conhecido. Um mecenas de muito longe. Um jovem poeta aos seus pés. Numa tela sem som, Pull My Daisy, de Robert Frank, divulgado abertamente na TV pública – sem consciência de sua sincronia mística. Imagens dos “Papais”, jovens e loucos, preto e branco. Fotos de Allen afixadas na parede. O modesto quarto dominado pela poltrona de Gregory em toda sua glória surrada. Quantos sonhos pontuados pela fumaça dos cigarros. Ele estava morrendo. Todos dissemos adeus.
 
Mas Gregory, talvez pressentindo a devoção ao seu redor, tomou parte num verdadeiro milagre católico. Levantou-se. E foi reminiscências adentro o suficiente para ouvirmos sua voz, sua gargalhada, e algumas bem-vindas obscenidades. Pudemos escrever poemas e cantar para ele, assistir futebol e ouvi-lo recitar Blake. Ainda ficou aqui o suficiente para viajar até Minneapolis para encontrar sua filha, ser um rei entre crianças, ver outro outono, outro inverno e outro século. Allen o ensinou a morrer. Gregory nos lembrou de como viver e estimar a vida antes de nos deixar uma segunda vez.
 
No fim de seus dias, ainda sofria de um tormento de poeta jovem – o desejo de atingir a perfeição. E na morte, como na arte, vai atingir. A luz fresca derrama. Os garotos da rodovia o guiam. Mas antes de ascender a algum cartonado clarão sagrado, Gregory, sendo ele mesmo, suspende seu casaco, baixa suas calças e conforme expõe seus glúteos de poeta pela última vez, grita, “Ei, cara, beije minha margarida”. Ah Gregory, os anos e pétalas voam.
Bem nos quis. Mal nos quis. Bem nos quis.





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