Wednesday, April 4, 2018

TEMPO DE BUSCA DE CRISTO EM OVO (por Ademir Demarchi)


publicado originalmente em 23-03-2016
no Diário do Norte do Paraná, de Maringá


Com a crise se tornando rotina, o judiciário tira folga pascoal de semana inteira para procurar Cristo em ovo, isso que mal saíram os juízes de uma emendada federal de 20 dias entre natal e ano novo, mais outra no carnaval, fora férias e licenças prêmio. A toga não se toca. Ganhadores dos mais altos salários do país, acima dos tetos constitucionais, graças a jeitinhos criados para burlar essa lei, eles se somam aos políticos nessa benesse paga por nós, ganhando “salários” de vinte mil a oitenta mil reais. Justiça no Brasil é coisa de fantasia divina, daí que as velhinhas religiosas atingidas pelo vazamento daquela barragem amadora da Samarco devem estar dizendo em Minas que “ela tarda mas não falha”, referindo-se à tragédia que atingiu Roger Agnelli, que morreu com toda sua família numa queda de avião neste sábado. Ele era um dos responsáveis pela exploração ávida de minério e, indiretamente, por construções de barragens mal feitas como a que gerou a tragédia de Minas. Agnelli era o que o “civilizado” O Globo diz ser “player no mercado de fertilizantes”, algo como “jogador no mercado globalizado de merda”. Basta dizer que durante os 10 anos em que presidiu a Vale (da qual apagaram o cognome “do Rio Doce” e depois o próprio rio...), a companhia se consolidou como a maior produtora global de minério de ferro e a segunda maior mineradora do mundo. “Foi durante sua gestão que a Vale intensificou sua estratégia de expansão global, que a levou a um novo patamar no mercado global de mineração”, conforme nota dela. O fato é que, segundo as velhinhas mineiras, justiça feita após a tragédia da Samarco, ele mesmo virou adubo enquanto a Vale e suas subsidiárias inventaram uma “ideia genial de criar uma fundação para pagar o valor da multa” por crime ambiental, como protesta Ailton Krenak que, aos 63 anos é personagem destacada da defesa dos direitos indígenas, tendo participado da elaboração da Constituição de 1988 e que diz que o que fez a Vale/Samarco é um “crime escandaloso”, de “apropriação da natureza” pelas corporações que “atuam de maneira soberana como se tivessem licença divina para cagar no planeta”. Em viagem pela Europa Krenak denuncia que “os executivos da empresa estão saindo todos ilesos e ainda vão gerir uma fundação. Talvez daqui a alguns anos eles estejam a fazer propaganda da fundação falando como é bacana, e como ela salvou o rio Doce e as pessoas”, ironizou no jornal O Público, de Portugal. Na cultura indígena, explica ele, “a consciência de uso comum de determinado recurso faz com que ele tenha que perdurar no tempo e sua continuidade deve ser assegurada pela tribo. Da mesma maneira que um indivíduo não pode ao longo da vida querer exaurir os recursos que estão em torno dele, uma atividade empresarial não tem o direito de acabar com a paisagem em torno dela, destruir uma montanha, envenenar os rios, transformar os rios em esgotos, contaminar tudo o solo e o lençol freático, tal como aconteceu com o rio Doce”. Agnelli virou adubo mas a Vale continua extirpando montanhas e rios em busca de material para essa matéria prima, assim como todos os projetos de hidrelétricas criados tanto para acender anúncios quanto para iluminar os bolsos das hidrelétricas, dos “políticos” e empreiteiras. Este 21 foi o Dia Internacional das Florestas, por isso, contra esse estado de coisas, os índios Munduruku foram até o Rio Tapajós, considerado sagrado, para protestar contra o plano de construção de nada menos que 43 hidrelétricas na sua bacia, com cinco já na planilha... Trata-se de ameaça à vida de povos indígenas e ribeirinhos, bem como à riquíssima biodiversidade da região. Basta dizer que, se construída apenas uma delas, a de São Luiz do Tapajós, vai destruir 14 lagoas sazonais e perenes, mais de 7 mil hectares de pedrais (áreas de rios que abrigam diversas espécies), 320 ilhas e 17 corredeiras, conforme alerta o Greenpeace. Conclusão: a luta política se intensificará ainda mais e não vai ter Cristo que salve nem ovo que baste para adoçar os conflitos neste país da miséria.



Ademir Demarchi é santista de Maringá, no Paraná,
onde nasceu em 7 de Abril de 1960.
Além de poeta, cronista e tradutor,
é editor da prestigiada revista BABEL.
Possui diversos livros publicados.
Seus poemas estão reunidos em "Pirão de Sereia"
e suas crônicas em "Siri Na Lata",
ambos publicados pela Realejo Edições.

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