Sunday, November 5, 2017

DUAS OU TRÊS COISAS SOBRE JEAN ROCHEFORT (por Sami Douek)



Jean Rochefort me faz pensar na elegância do seu olhar, que resgata em mim o que sei sobre a ironia, o sarcasmo e a vivência de um ator dito comediante francês. "O que não é drama deve ser comédia", dizia a minha professora primária na longínqua Cairo, cidade natal, onde nasceu o meu saber francófono. Citroen 4CV, ares da França e o som articulado parisiense fazem parte da minha infância onde reencontro aromas e cores das arábias nos filmes de Patrice Leconte, quando temperados por outras cores e músicas nada francesas.

O livro escrito por Jean Rochefort -- “Ce Genre de Choses” (2013, Editorial Stock) --   me encontrou numa livraria em Annecy em Fevereiro deste ano. Ao folhear as primeiras páginas, ele cita mulheres e sua beleza, tal como a elegância da crina dos cavalos. Esta beleza do cabelo da mulher ele dedica à Françoise, cujos cabelos sempre navegam sobre seus ombros antes e após o dia em que se conheceram em tempos bíblicos. Música árabe e cores quentes nas imagens de Patrice Leconte me aquecem de forma familiar e sedutora. Cenas mais do que eróticas,   de uma cortante beleza e sensibilidade,   fazem de Jean Rochefort a beleza da vida e do amor que nasce na infância. Ao som da cantora libanesa Fairouz, ele abraça e é abraçado por um destino imaginário quando promete a eternidade à sua amada, conquistada pela sorte de tê-la por um único bilhete de loteria. Vejam a cena seguindo o link

Jean, em outras circunstâncias e contos, escreve sobre a pouca importância em ser reconhecido como comediante. Ele assina “De Funès” num autógrafo ao lado de Jean Paul Belmondo sendo cortejado por algumas mocinhas. Em seguida assina seu verdadeiro nome quando reclamam “Quem é este Rochefort? Seja gentil por favor, assine “De Funès”"

“Em maio de 68 ele é tratado de parasita, um bosta, e replica em plena manifestação de rua que os manifestantes são apenas moleques evitando encrencas desnecessárias. Não vou me omitir em reforçar que Depardieu aproveitava a baderna de rua, também em 1968, para roubar relógios e pulseiras que ornavam os manifestantes. Por acaso do destino, em fevereiro deste ano, encontro o velho líder Cohn Bendit que -- rapidamente, em papo de sala de espera no aeroporto de Frankfurt -- me pergunta se a Máfia Libanesa continuaria para sempre no Brasil de Paulo Maluf. Fiquei quieto para evitar outras encrencas verde-amarelas desnecessárias.”

Rochefort foi também fascinado por erotismo e cavalos. Ele sempre gostava de relembrar a sua amizade com a Rainha da Inglaterra ao citar seus conhecimentos na prática do hipismo. Outras das suas paixões foram os carros esportivos e de desejo, Panhard et Levassor, Triumph TR3 (azul calcinha) e MG TF1500 (verde evidentemente),   num ar franco britânico em passeio com amigos. Estas citações neste momento me remontam ao filme de Billy Wilder, “Mauvaise Graine”, de 1934, com Danielle Darieux, que também se foi mais recentemente, que pode ser revisto no canal ARTE. Jean Rochefort vive intensamente seus personagens até na vida real. Ele cita que teve um encontro com o amante da mulher que ele mais amava no restaurante Prunier na avenida Victor Hugo no elegante décimo sexto distrito, não longe do Arco de Triunfo em Paris. O amante da mulher que ele amava, 25 anos mais velho, representava seu desejo de encarnar a sua elegância de forma definitiva. Como se diz por aqui, “eu quero ser você amanhã”.

Seus filmes falam em destino e amizade. Novamente sob a regência de Patrice Leconte, “O homem do trem” -- filme que me fascina, onde ele divide a cena com Johnny Halliday -- Jean Rochefort interpreta um poeta que encontra Johnny, um assaltante, e desenvolvem uma curiosa amizade enquanto seguem em direção a um mesmo destino: a morte. Um pelo risco. Outro pelo inevitável fim dos seus tempos, por conta da doença e da velhice.

No filme “O artista e A Modelo”, dirigido por Fernando Trueba, Jean Rochefort faz um velho escultor que cita para sua jovem modelo com sua maestria de intérprete a seguinte frase: "Preciso de uma mulher como uma planta sobre a terra, como uma árvore, como o mar, como uma emanação direta da natureza..."

Esta sensibilidade interpretada e vivida por Jean Rochefort, que inventa e reinventa seus personagens, me sensibiliza em sonhos ou delírios da velhice, como ele brinca no recente filme "Floride". As cenas do filme que mais me emocionam são aquelas em que ele vive entre a realidade e os delírios após perder sua filha, sua moradia e seu vinhedo. Ele perde também a degustação do seu vinho e a generosidade que encontramos sempre com as nossas amantes e amadas, mesmo que em outro mundo. É a vida de Claude Lherminier que é retratada neste belo filme dirigido por Philippe Le Guay. Tudo termina em Annecy,   num asilo não muito longe do lago, lugar que sempre gostei de frequentar nas minhas andanças nômades em Haute Savoie. Há uma cena de Floride onde ele expressa sua generosidade por uma amada, e é abraçado pela sua jovem cuidadora quando se perde entre sua eterna juventude e seu corpo envelhecido. Ele é abraçado sem abraçar. Ele é amado sem jamais existir.

Jean Rochefort será recordado nos nossos sonhos e textos. Um grandioso do cinema francês: inteligente, brincalhão e generoso como um bom vinho e o fruto da terra para onde ele teve que retornar há poucas semanas.

Um adeus por enquanto!


Sami Douek é especialista em audio,
e há 19 anos desenvolve caixa acústicas
para a celebrada marca francesa Cabasse.
Judeu-árabe criado no Egito,
seguiu para Paris quando adolescente,
e depois mudou-se para São Paulo
acompanhando sua família.
Mantém uma identificação
com a cultura francesa muito forte,
como demonstra o artigo
que acabamos de publicar,
e que marca a estreia de sua coluna
EUROPASS em LEVA UM CASAQUINHO.
Sami Douek mora em Santos, SP.

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