Thursday, June 28, 2018

LEONARDO TONUS, UM POETA SOCIAL REVISITADO




Não existe prazer para um crítico literário que a exegese duma reunião de poemas em seu lançamento.  Poesia fruída água límpida, extraída da fonte, cântaro premente, produzida no calor da contemporaneidade. Versos não prosaicos nem crônicas poetizadas, poesia feita poesia com olhar nada datado para a condição humana, alto relevo encantado do dia que se eterniza, frutos da terra amadurecidos para fazerem-se literatura.  Leonardo Tonus remete a poesia brasileira feita de longe como aquela de um Ribeiro Couto, escritor que nunca largou as temáticas tropicais enriquecidas pela vivência de décadas na Europa.  Não por acaso o poeta refere-se a Saint-John Perse outro cosmopolita eivado do mesmo sentimento atlântico do mundo.  O “modus operandi dum escritor especialmente poeta é movimento pendular de “esponja” e “garimpo”: extrair a seiva sem arestas que não essencialidade da trama e epifania, o “insight” metafórico  eficiente e lapidar. Arqueologia de afectos, tecelagem de perceptos, delicadeza na tessitura de seus versos dum lirismo rascante. “À mãe” já nasce feito para qualquer antologia sobre esse mote, enlevado argumento:

“Serei breve na concisão da rã
que salta nas profundezas do velho poço solitário
que pede ajuda no gosto salgado
das rotas do deserto de afetos.

O toque das mãos breves da mãe,
suspensas,
Na eternidade do amor.

O autor alterna virtuosismo elegíaco com improvável analogia e expressão direta de poeticidade: deslocamentos de plasticidade que me levam a Jorge de Lima ou ao mestre lusitano Herberto Helder. A fanopéia, a imagética, a poética evocativa que ecoa a geração beat com o poder de “Uivo” de Ginsberg ou até o pouco conhecido talento de David Bowie com “O palhaço de Deus” reunindo seus poemas psicodélicos se revela em “Ich denke” quando Tonus ressoa em escritura a musicalidade polifônica do nosso amado Philip Glass!

“Quando estou em Berlim no Gedenkstatte Berliner Mauer, denke ich .
Penso nos dedos de minha geração
Inconsciente
do fim do mundo
inconsistente.
Koyaanisqatsi
A frase hipnotizante sob a música de Philip Glass.
A vida fora do eixo natural
mais acelerada.

Destruidora
vida amedrontada.”

Tão nosso mundo isso! Com olhos no retrovisor em outra ditadura...

Fragmentos de um afresco, aspereza e contundência de rochas, brechas de ternura, essa poética tem um lado de colagem, com inspiração distinta a partir de grande convivência com poesia de alto nível desde a aforismática de René Char passando pelos oximoros pessoanos.

Leio fascinado um poema que recolho paradigmático desse livro que precisa ser conhecido: no que escrevo já divulgo seu lançamento na Livraria da Vila nesse 21 de junho em Sampa.

OURIÇO

Quero ser a mão de que se servirá o imprevisto
quando a escrita habitar meu pensamento
inconsciente como uma queimadura.
quero que minha voz migrante ecoe
na espera do lugar algum.

Uma poesia realmente epidérmica, tatuada de alguma esfera rara.




Poeta, contista e crítico literário,
Flávio Viegas Amoreira é das mais inventivas
vozes da Nova Literatura Brasileira
surgidas na virada do século: a ‘’Geração 00’’.
Utiliza forte experimentação formal
e inovação de conteúdos, alternando
gêneros diversos em sintaxe fragmentada.
Vem sendo estudado como uma das vozes
da pós-modernidade literária brasileira
em universidades americanas e européias.
Participante de movimentos culturais
e de fomento à leitura, é autor de livros como
Maralto (2002), A Biblioteca Submergida (2003),
Contogramas (2004) e Escorbuto, Cantos da Costa (2005).

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