Não
existe prazer para um crítico literário que a exegese duma reunião de poemas em
seu lançamento. Poesia fruída água
límpida, extraída da fonte, cântaro premente, produzida no calor da
contemporaneidade. Versos não prosaicos nem crônicas poetizadas, poesia feita
poesia com olhar nada datado para a condição humana, alto relevo encantado do
dia que se eterniza, frutos da terra amadurecidos para fazerem-se
literatura. Leonardo Tonus remete a
poesia brasileira feita de longe como aquela de um Ribeiro Couto, escritor que
nunca largou as temáticas tropicais enriquecidas pela vivência de décadas na
Europa. Não por acaso o poeta refere-se
a Saint-John Perse outro cosmopolita eivado do mesmo sentimento atlântico do
mundo. O “modus operandi” dum escritor especialmente poeta é movimento
pendular de “esponja” e “garimpo”: extrair a seiva sem arestas que não
essencialidade da trama e epifania, o “insight” metafórico eficiente e lapidar. Arqueologia de afectos,
tecelagem de perceptos, delicadeza na tessitura de seus versos dum lirismo
rascante. “À mãe” já nasce feito para qualquer antologia sobre esse mote,
enlevado argumento:
“Serei
breve na concisão da rã
que
salta nas profundezas do velho poço solitário
que
pede ajuda no gosto salgado
das
rotas do deserto de afetos.
O
toque das mãos breves da mãe,
suspensas,
Na
eternidade do amor. ”
O
autor alterna virtuosismo elegíaco com improvável analogia e expressão direta
de poeticidade: deslocamentos de plasticidade que me levam a Jorge de Lima ou
ao mestre lusitano Herberto Helder. A fanopéia, a imagética, a poética
evocativa que ecoa a geração beat com o poder de “Uivo” de Ginsberg ou até o
pouco conhecido talento de David Bowie com “O palhaço de Deus” reunindo seus
poemas psicodélicos se revela em “Ich denke” quando Tonus ressoa em escritura a
musicalidade polifônica do nosso amado Philip Glass!
“Quando
estou em Berlim no Gedenkstatte Berliner Mauer, denke ich .
Penso
nos dedos de minha geração
Inconsciente
do
fim do mundo
inconsistente.
Koyaanisqatsi
A
frase hipnotizante sob a música de Philip Glass.
A
vida fora do eixo natural
mais
acelerada.
Destruidora
vida
amedrontada.”
Tão
nosso mundo isso! Com olhos no retrovisor em outra ditadura...
Fragmentos
de um afresco, aspereza e contundência de rochas, brechas de ternura, essa
poética tem um lado de colagem, com inspiração distinta a partir de grande
convivência com poesia de alto nível desde a aforismática de René Char passando
pelos oximoros pessoanos.
Leio
fascinado um poema que recolho paradigmático desse livro que precisa ser
conhecido: no que escrevo já divulgo seu lançamento na Livraria da Vila nesse
21 de junho em Sampa.
OURIÇO
“Quero ser a mão de que
se servirá o imprevisto
quando
a escrita habitar meu pensamento
inconsciente
como uma queimadura.
quero
que minha voz migrante ecoe
na
espera do lugar algum. ”
Uma
poesia realmente epidérmica, tatuada de alguma esfera rara.
Contogramas (2004) e Escorbuto, Cantos da Costa (2005).
Poeta, contista e crítico literário,
Flávio Viegas Amoreira é das mais inventivas
vozes da Nova Literatura Brasileira
surgidas na virada do século: a ‘’Geração 00’’.
Utiliza forte experimentação formal
e inovação de conteúdos, alternando
gêneros diversos em sintaxe fragmentada.
Vem sendo estudado como uma das vozes
da pós-modernidade literária brasileira
em universidades americanas e européias.
Participante de movimentos culturais
e de fomento à leitura, é autor de livros como
Maralto (2002), A Biblioteca Submergida (2003),
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