POR RODRIGO OLIVEIRA
PARA OBSERVATÓRIO DO CINEMA
Desde
que o caminho de Jason Reitman cruzou com a sagacidade e com o espírito
sardônico de Diablo Cody, seu cinema nunca mais foi o mesmo. Dono de um
histórico profissional, até então, humilde, composto por alguns curta-metragens
e o notável Obrigado por Fumar (2005), o realizador pôde desfrutar de uma
ascensão meteórica a partir do longa Juno (2007), filme indicado ao Oscar e
responsável por marcar o início da parceria entre os dois. De lá pra cá, as
obras de maior relevância narrativa da carreira do diretor tem o dedo de Cody
no roteiro. Ainda que a produção Jovens Adultos (2011) tenha passado
despercebida, a essência inventiva e irônica da escritora está toda ali,
obtendo êxito na construção de um cinema de assinatura ao lado de Reitman.
Felizmente,
Tully é mais um bem-sucedido encontro da dupla, que aqui desperta de um recesso
que deixou saudades. Num universo por onde pessoas comuns transitam de mãos
dadas com seus dilemas corriqueiros, Cody promove uma quebra entre os
personagens e tais conflitos aparentemente costumeiros, entregando ao espectador
uma história sustentada pelo avanço de expectativas, unida a diálogos fartos de
escárnio, conseguindo reinar absoluta no decorrer da progressão narrativa,
sempre fértil em seus roteiros.
Aos
poucos temos acesso às preocupações de Marlo (Charlize Theron), que além de
enfrentar o estágio final de uma gestação, concilia a gravidez com os afazeres
domésticos e com os cuidados no tratamento cotidiano concedido aos filhos Sarah
(Lia Frankland) e Jonah (Asher Miles Fallica), este último detentor de
necessidades especiais, tido como uma criança peculiar e com dificuldades de
adaptação na escola que frequenta.
Como
se já não fosse o suficiente, ela se vê rodeada por um ciclo de segurança que
vem junto ao tédio de seu casamento com Drew (Ron Livingston), mas as coisas
logo mudam de figura quando Craig (Mark Duplass), seu irmão bem de vida,
coloca-se à disposição para arcar com os custos de uma babá noturna, afirmando
que isso mudaria por completo a vida de Marlo, que exibe uma tremenda expressão
de esgotamento por onde passa.
O
recém-nascido lhe traz demandas que fracionam o seu sono, colaborando ainda
mais para o estabelecimento de sua exaustão. As frequentes trocas de fralda e
as constantes amamentações a deixam num estado de extrema fadiga, momento em
que decide acatar a sugestão do irmão, chamando a babá Tully (Mackenzie Davis)
para auxiliá-la no turno da noite. Logo que inicia no trabalho, a jovem
demonstra suas habilidades não só na assistência ao bebê, expondo também seus
dotes culinários e seu talento nato na arrumação da casa.
O
vínculo entre Marlo e a babá não tarda a ocorrer, fato que colabora para o
dinamismo da película, que mesmo ao apresentar com rapidez a resolução de seus
conflitos, sabe esmiuçá-los, como na cena em que ambas saem de casa e vão
curtir a noite num bar, responsável por investigar os dilemas de Tully a partir
dos estímulos externos que o local onde estão proporciona. Nos momentos que
antecedem esse instante da obra, elas se encontram no carro e escutam várias
faixas do álbum She’s So Unusual (1983), de Cyndi Lauper, ao longo do trajeto,
servindo como uma espécie de signo a respeito da babá, que assim como o título
do disco carrega uma atipicidade no modo de enxergar a vida.
Engenhoso
ao lidar com as mudanças sofridas por Marlo após o aparecimento de Tully, cujo
papel custou a Theron um considerável ganho de peso, o filme expõe a trajetória
de uma mulher que sentia o seu corpo como um lugar devastado até chegar ao apogeu
da reabilitação de sua disposição, trazendo de volta ao seu cotidiano o
sentimento de vivacidade e uma articulação de discurso desprendida de
convenções sociais.
Tully
é uma instigante jornada pelo processo de maternidade, revelada através de um
humor ácido e inteligente, que ajuda na desconstrução desse período singular na
vida de uma mulher, através da exposição dos dois lados da moeda, sendo este o
trunfo para tornar o filme tão espirituoso quanto os anteriores realizados pela
dupla Reitman e Cody.
TULLY
(2018, 96 minutos)
Direção
Jason Reitman
Roteiro Original
Diablo Cody
Elenco
Charlize Theron
Mackenzie Davis
Ron Livingston
Mark Duplass
Lia Frankland
Marceline Hugot
Cotação
em cartaz nas Redes
ROXY, CINEMARK e ESPAÇO
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